Luanda - Os "mamadus", comerciantes muçulmanos, trocaram o Mali ou a Guiné-Conacri por Luanda, no tempo da prosperidade angolana, onde abriram pequenas lojas de conveniência, mas enfrentam hoje a crise nas vendas e o medo dos assaltos.

Fonte: SIC

A cada esquina ou rua de Luanda, no centro e na periferia, multiplicam-se estas "cantinas" onde se encontra de tudo um pouco à venda, sobretudo alimentos, embora a preços mais altos. São oriundos de famílias de comerciantes, muçulmanos, e fugiram dos conflitos ou da crise nos países de origem, no norte de África, de olho na prosperidade angolana permitida pelo petróleo caro.

 

Contam que nos últimos dois anos o fim dos dólares fáceis nos bolsos dos angolanos mudou quase tudo na vida dos "mamadus".

 

É o caso de Lamin Toré, imigrante da Guiné-Conacri que se estabeleceu com o irmão a gerir um "mamadu" na Maianga, no centro de Luanda. "Antigamente podia vender bem, hoje em dia, como está caro, não se vende. E o cliente reclama", conta, numa espécie de português, mas que não impede o negócio, na sua cantina de 30 metros quadrados.

 

Aos 28 anos sofre na pele a crise em Angola, provocada pela quebra nas receitas do petróleo. Só no último ano os preços subiram 40% e importar qualquer produto tornou-se numa verdadeira dor de cabeça que se repercute no preço pedido ao cliente.

 

"Está tudo a baixar [nas vendas]. O negócio está baixo. A única coisa que sobe é o ovo, porque se come todos os dias", desabafa.

 

Fatura agora até 40.000 kwanzas (225 euros) por dia nas vendas da cantina. Uma "pequena parte", conta, do que fazia há poucos meses.

 

Para complicar a vida destes imigrantes, a crise gerou uma onda de insegurança em Luanda, multiplicando-se os assaltos às cantinas, à procura do dinheiro que estes comerciantes guardam.

 

"A segurança está a falhar muito. Ainda hoje assaltaram uma cantina perto daqui", desabafa, sem esconder a preocupação e não deixando de parte um regresso a Conacri.

 

Muitos destes comerciantes iniciaram-se na atividade nos negócios dos pais, nos países de origem, como Mali, Guiné-Conacri, Costa do Marfim, Chade ou Senegal e viram na pujança de Angola a oportunidade de uma vida.

 

Esmael Ducré, comerciante da Costa do Marfim, é gerente de uma cantina em Luanda.

 

O negócio que tem hoje no Sambizanga, arredores do centro da capital, é, resume, simplesmente "fraco".

 

"Depende do dia. Tem dia que se vende um bocado, tem dia mal mesmo. Tem de aguentar, não tem outro emprego", conta, num português que aprendeu a falar nos últimos quatro anos, desde que chegou a Angola.

 

Só recentemente já foi alvo de duas tentativas de assalto e com o pouco que ganha na cantina já não consegue sustentar a família.

 

"Vim aqui ganhar o meu pão. Agora está difícil, as pessoas compram menos", explica, também sem esconder a vontade de voltar para casa.

 

Além da quebra nas vendas e dos assaltos, com relatos nos últimos meses de comerciantes imigrantes mortos, os "mamadus" de Luanda ainda enfrentam a concorrência das grandes superfícies que se multiplicam pela capital, numa onda de competição que vai esmagando o negócio destas cantinas de bairro.

 

"Vende-se mais ou menos", começa por admitir Chekhdine Mahamat, outro destes comerciantes, que se radicou em Luanda há mais de dois anos.

 

Veio do Chade e hoje, com 22 anos, ainda querer manter o negócio e continuar em Angola, apesar das complicações que também enfrenta quando alguém da polícia económica lhe entra na cantina, alegando que é por ser estrangeiro.

 

Juntando à crise e à falta de segurança, não esconde que são tempos complicados para os "mamadus".

 

"O tempo de crise entrou, ficou difícil", murmura, enquanto tenta repor os produtos na bancada, mas ao fim de mais uma manhã sem clientes.