Luanda - Em tudo que fazemos, muitas vezes é profundamente impregnado de modelos – ético, politico, religioso, desportivo, económico, etc. – é que muitas vezes não questionamos aquilo que seguimos como uma referência. Uma das consequências lógicas da adopção de um modelo sem questionar é: praticar as incoerências internas e externas do modelo (os erros, as insuficiências). Mas é importante referir, que muitas vezes defendemos determinados modelos não pelo facto de serem certos ou eticamente aceitáveis, mas porque vão de acordo com os nossos objectivos, caprichos pessoais ou grupocentricos, mesmo conhecendo profundamente as misérias éticas e desumanas que o referencial carrega!

Em muitas nações africanas, a prática da arte de governar, reduz-se a "estratégia de manutenção do poder", ou seja, nada é feito que não tenha como alvo a permanência no poder, independentemente dos estragos que vai causar. Neste exacto momento, o meu espírito recai para Angola, que é um "modelo acabado no exercício de manutenção do poder" por parte do grupo dominante desde que este país conseguiu a independência política.

Esta forma de entender o exercício político como luta selvática pelo poder, poder pelo poder desmedido, foi proposto por um politólogo e primeiro sistematizador da política na época moderna: MAQUIAVEL. A sua visão política foi apresentada por meio das obras "O Príncipe" (esta é a mais conhecida) e "Os Discursos".

Para que compreendamos se existe ou não correspondência entre a visão de Maquiavel e a realidade angolana, metodologicamente, convém apresentar o pensamento do nosso autor de maneiras que tenhamos um ângulo comparativo.
Diferente de Platão, Aristóteles e Thomas Morus que idealizam a política, criaram princípios por meio dos quais o governante deve guiar o seu agir politico, Maquiavel começa de baixo, ou seja, o agir político é circunstancial, não tem nada a ver com princípios e regras doutrinais preestabelecidas a seguir, mas depende da realidade prática, dai o famoso conceito de "Real Politike" que significa: a política tem a ver com a experiência diária. De acordo com esta concepção, se for necessário matar para atingir os meus intentos devo matar sem problemas nem qualquer sino consciencial.. Porém, a política de Maquiavel depende das circunstâncias reais da sociedade.

A política de Maquiavel é sustentada por uma visão antropológica pessimista (negativista) com consequências éticas graves. Esta visão antropológica, vê o homem como um ser de todo corrompido, mau, com ferocidade igual a dos animais e que por isso, não é capaz de fazer o bem nem ver bem o outro. Para Maquiavel, a alteridade e a ética da intersubjectividade não existe, não vale. Ora, se o homem é de todo mau, então o governante deve ser terror, fazer-se temer para proteger o poder que nunca deve ser deixado.

Ele entende o poder como um privilégio dos fortes e quando conquistado deve mantê-lo até a morte. Para além da força coerciva do estado, existe um outro instrumento para aplacar a ferocidade natural dos homens: a RELIGIÃO. (Não é por acaso que Marx afirmava erradamente que a religião é ópio do povo.) Para Nicolas Maquiavel, a religião deve ser promovida pelo presidente (naquela altura era Rei), para poder acabar com a ferocidade natural dos homens, do povo que o pode contestar. Na visão de Maquiavel, a religião tem como fim último, a defesa dos interesses do Estado e do Presidente e não a humanização da sociedade e a relação do homem com uma Instância Superior.

Para ele, o rei deve ser mau, não deve se preocupar com o bem comum, os direitos humanos (claro que na altura não falavam do conceito de direitos humanos como aplicamos contemporaneamente), isto não tem importância no exercício da arte de governar. Vejamos, se no pilar dos direitos, a educação é um direito fundamental, para Maquiavel este direito não deve ser promovido nunca, sob pena de pôr em perigo o poder, porque um povo não escolarizado é fácil domar. De acordo com alguns estudiosos do pensamento político de Maquiavel, ele tem também uma concepção psicológica do sofrimento (estimulo-resposta) interessante, ao afirmar que "uma das formas de fazer com que o povo ame o Presidente é fazê-lo sofrer na carne, no osso e no espírito. Entrando neste ciclo, o povo aceita a realidade como sendo natural e passa à amá-lo cada vez mais. Imaginem um povo analfabeto, não tem capacidade sequer de comparar as diferentes realidades, daí que pode ficar no "eterno retorno sofrimento", como em Angola, o ano vai e vem, o sofrimento similar prevalece e o povo não questiona, por exemplo, falta de água, luz, escola, emprego, etc. todos os anos mas os "preservativos eleitorais" (povo) não questionam.
 
Fonte: Folha8