Luanda – BJC é um projecto que cuida de 400 crianças seropositivas no bairro do Zango. Uma iniciativa de alguém que assume ser esta a forma que encontrou para agradecer a Deus. Conheça o bom samaritano que hoje não está na marcha alusiva ao 1 de Dezembro porque marcha todos os dias contra o VIH.

 

Fonte: OPaís

Sugere campanhas mais agressivas

Chama-se Bernardino Jacinto Carvalho e considerase “um pequenino empresário de sucesso”. Homem de estatura média e chefe de família. Assim como muitos, tudo quando sabia sobre VIH é que se tratava de uma doença “muito perigosa, cujos portadores eram magros, cheios de feridas e que não tinham outro desfecho senão a morte”.

 

Quis o destino que num dia de que já não se lembra, no ano de 2008, o seu olhar fosse incidir em cheio numa senhora desesperada, algures no Kinaxixi, com uma criança ao colo que aparentava não gozar de boa saúde.

 

“Parei o carro e perguntei-lhe o que se passava. Respondeu-me que a criança estava muito doente e não sabia o que fazer”, conta Bernardino Carvalho.

 

Convidou-a a entrar no veículo e procuram por uma clínica. Minutos depois de o corpo médico lhes ter persuadido a encaminharem o paciente à uma unidade melhor equipada, porque o paciente apresentava um estado demasiado delicado para o seu nível de serviços.

 

O samaritano decidiu então conduzir o pequeno e a mãe à Clínica Multiperfil, onde teve que esperar durante quatro longas horas para finalmente receber novidades.

 

“Era um misto de cansaço e ansiedade pela longa espera e pela tomada daquela decisão que só terminou quando o médico se assomou à porta. E o meu sentimento mudaria radicalmente ao receber a notícia de que o bebé tinha falecido”, relata Bernardino.

 

Curioso, perguntou qual tinha sido a causa e a equipa médica, convicta de que falava com algum parente da criança, revelou que o infausto acontecera em consequência de complicações resultantes de Sindroma de Imuno- Deficiência Adquirida (SIDA).

 

Bernardino perguntou logo à mãe da pobre criança se estava ao corrente da condição, tendo respondido que não. Foi assim que ajudou a senhora a levar o cadáver de volta à casa e se disponibilizado ao processo de organização do funeral.

 

Como nasce o Grupo BJL

Desde o tal incidente, o líder do projecto BJL passou a deduzir quantas mulheres mais não estariam na mesma condição daquela com que inusitadamente se encontrara algures no Quinaxixi. Assim nasce o projecto BJL.

 

De inicio, nem sabia que a sigla resultava as iniciais do seu nome completo. A única certeza da iniciativa levava-o a procurar por mães que calcorreavam as ruas de Luanda à procura de salvação para os seus rebentos sem saberem realmente do que padeciam.

 

“Contratei um primeiro jovem a quem atribui uma motorizada e a missão de encontrar mães com este perfil. Descobriu as primeiras na zona da Estalagem. Depois, só foi ir uma atrás de outra, a tal ponto de agora termos pessoas que nos chegam dos quatro cantos de Luanda. De um pequeno projecto que tinha idealizado, rapidamente compreendi que precisava alargá-lo”, confessou Bernardino Carvalho.

 

O alargamento do projecto carecia de uma estrutura mais compatível. Foi então que contratou uma equipa para nela trabalhar, e de um empregado passou para vários. Investiu em meios para melhorar a assistência. Começou com estruturas alugadas e a tudo pagar com os seus próprios proventos enquanto empreendedor, porém com o aumento da demanda teve que pedir ajuda.

 

A primeira delas foi solicitar terrenos às autoridades competentes para erguer infra-estruturas. “Infelizmente nunca fomos contemplados. Tivemos de adquirir terrenos pela via informal, no Zango”, revela o bom samaritano.

 

Aguardando pelo grande anúncio

Hoje o projecto “Grupo BJL – apoia a 3ª idade e crianças com VIH”, tem sob sua guarda 400 crianças seropositivas e suas respectivas mães. O apoio consiste em assegurar alimentação compatível à condição do seropositivo, tratamento, medicamentos, escola e bem-estar.

 

Bernardino Carvalho revela que esta é a única forma de agradecer a Deus pelo sucesso dos seus negócios. Experimenta alguma alegria por acreditar que faz a coisa certa, mas espera ansiosamente pelo dia em que a ciência anuncie que a cura já foi descoberta.

 

“Neste dia comemorarei, se Deus me der forças para chegar até lá. Por enquanto, experimento uma ligeira satisfação e me desafio a trabalhar todos os dias”, sublinhou.

 

Confessa que há sete anos que cuida deste grupo de 400 crianças, somente registou a perda de três. “Pode ser que aquelas malogradas estivessem destinadas a partir cedo, ou chegaram tarde demais às nossas mãos. Apenas Deus conhece os seus desígnios”, conta num misto de satisfação e de culpa pelas irreparáveis perdas daquelas três crianças inocentes e frágeis.

 

Sempre temente a Deus, Bernardino diz que gostaria de fazer mais. Neste momento, tem um projecto para a terceira idade e para pessoas albinas. A crise económica é um dos seus grandes inimigos, mas confessa que enquanto tiver força e os negócios em curso continuará a fazer o que sempre fez: apoiar pessoas necessitadas.

 

Os desencantos

Considera que apesar dos esforços em curso, o país ainda não faz o suficiente para travar uma grande batalha contra a pandemia. Sugere campanhas mais agressivas, disseminando mensagens fortes nos media, sendo como uma medida muito viável.

 

“Poderias ter bastantes “outdoors” espalhados pelas cidades, quem sabe assim se podia influenciar melhor os comportamentos”, opinou. Por outro lado, critica o facto de fazer-se do tema VIH apenas assunto de um dia, 1 de Dezembro de cada ano. “Assim não vamos lá. Já me disseram que há campanhas nas televisões, mas será que todo angolano tem TV? E os que têm são capazes de comprar gerador e combustível? De pagar o KIT da parabólica e a mensalidade, uma vez que o sinal aberto de televisão quase que foi esquecido?”, questionou.

 

Bernardino só interrompe o rol de interrogações quanto solicitado a dar as suas sugestões, e assim procede.

 

Defende por melhores serviços nas maternidades onde continuam a ocorrer transmissões da doença de mães para filhos, por negligência. “As parteiras maltratam as mães seropositivas. Nós até temos um caso em concreto que tentamos denunciar para punir exemplarmente uma equipa de uma certa unidade, mas em vão”, explicou.

 

Revela que domina casos de directores que expulsaram alunos das escolas quando se aperceberam da sua condição de seropositivo e por isso sente-se revoltado. Declara ter em sua posse vários casos de empregadas que foram demitidas por serem portadoras do VIH e revela que até recentemente teve uma empregada nessas condições. “A minha cozinheira até há pouco era uma pessoa seropositiva e sempre descascou batata para a minha alimentação e nem por isso fui infectado”, contou.

 

Defende uma lei efectiva que puna severamente aqueles que continuam a disseminar o vírus de forma dolosa. “Era preciso punir essas pessoas sejam elas quem fossem. Volta e meia, lemos na Media e vemos caras de pessoas acusadas da prática deste tipo de crime e nunca ouvimos que algum foi exemplarmente punido”, desabafou.

 

Critica o facto de se concentrar o acesso ao tratamento em unidades específicas. “Veja que ir ao Hospital Esperança ainda é um acto de coragem para alguns, porque a ida àquela unidade é sinónimo de ser portador do HIV na interpretação popular”, realçou. Bernardino defende a disseminação do acesso ao tratamento a todas unidades da periferia de forma a encorajar a aderência das pessoas.

 

Reprovado pela família mas apoiado por muitos

Bernardino Jacinto Carvalho é chefe de família e conta que é criticado por membros da sua familia, incluindo os filhos. “Muitas coisas que fiz e o dinheiro que empreguei foi em alturas em que os meus filhos também precisavam”, lembra. Seguro de que está a fazer a coisa certa, Bernardino não se inibe e acredita que como ele existem muitos bons samaritanos. Cita o exemplo do radialista Paulo Miranda, da Rádio Luanda, que lhe apoiou na constituição do grupo de padrinho para os outros seus “muitos filhos”.

 

Revela que a crise constrangiu um pouco o apoio dos padrinhos, estimados em mais de 100 pessoas, mas continua a acreditar que tal como veio, a crise um dia também háde acabar. “Nesta altura poderei ter os padrinhos a visitarem mais os afilhados e quem sabe ganhar novos”, acredita. De lembrar que Luanda acolhe hoje uma marcha alusiva a Jornadas do Dia Mundial Contra a Sida, sob o lema “Mãos para cima na Prevenção do VIH”.