Lisboa  - Os serviços secretos britânicos intercetaram comunicações do presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, e de dirigentes, empresários, movimentos rebeldes, empresas de telecomunicações e organizações internacionais de pelo menos 20 países africanos, noticiou esta quinta-feira o Le Monde.

Fonte: SIC/Lusa


O jornal francês começou na quarta-feira a publicar uma série de artigos que se baseiam nos arquivos do ex-analista informático norte-americano, aos quais passou a ter acesso total através de uma parceria com o site The Intercept, do antigo jornalista do Guardian Glenn Greenwald, o primeiro a publicar as revelações de Edward Snowden.


Esta quinta-feira, o Le Monde foca a atenção no continente africano, citando documentos da National Security Agency (NSA, dos Estados Unidos) relativos às suas atividades em África e às da sua congénere britânica GCHQ (Government Communications Headquarters).


Os documentos são relativos a 2009 e 2010 e incluem memorandos do GCHQ em que os "técnicos da agência relatam os êxitos obtidos no desvio do fluxo de comunicações satélite e concluem que podem passar à recolha sistemática".


"Na primeira linha dos alvos do GCHQ figuram chefes de Estado e primeiros-ministros. Principal parceiro económico do Quénia, o Reino Unido e os seus serviços secretos intercetam conversas do presidente Mwai Kibaki com os seus conselheiros mais estratégicos, mas também do seu primeiro-ministro Raila Odinga, em março de 2009", escreve o jornal.


"O mesmo acontece com Angola, principal produtor de petróleo de África, dirigida desde 1979 pelo presidente José Eduardo dos Santos. De acordo com os relatórios de interceções, em 2009, o palácio presidencial de Luanda foi visado", prossegue.


O Le Monde explica que nesse ano de 2009, "Angola foi atingida pela descida brusca dos preços das matérias-primas e a secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, desloca-se a Luanda para reforçar a cooperação estratégica". É por essa razão que a secreta britânica partilha as suas informações com a NSA, "para assegurar o seu domínio na região".


A Guiné-Bissau também surge nos documentos. Neste país, a interceção de comunicações incidiu na diplomacia, com escutas ao ministro dos Negócios Estrangeiros e/ou conselheiros diplomáticos, embaixadas de outros países e personalidades ligadas a organizações internacionais como a ONU e a União Africana, segundo o jornal.


Consoante os interesses britânicos, diferentes alvos -- elites políticas e económicas, dirigentes ou ex-dirigentes, diplomatas, responsáveis militares, membros da oposição ou movimentos rebeldes -- foram escutados na Argélia, Líbia, Mali, Níger, Chade, Sudão, Eritreia, Guiné, Serra Leoa, Libéria, Gana, Togo, Nigéria, Somália, Congo, República Democrática do Congo e Zimbabué, ilustrao Le Monde numa infografia que acompanha um dos artigos.


Edward Snowden, 33 anos, entregou em 2013 a jornalistas milhares de documentos secretos que reuniu quando trabalhou como analista informático para uma empresa subcontratada pela Agência de Segurança Nacional (NSA) norte-americana.


Os documentos revelaram a existência de programas de vigilância de milhões de comunicações telefónicas e eletrónicas pelos governos norte-americano e britânico.


Atualmente exilado na Rússia, foi acusado de espionagem no seu país, incorrendo numa pena de 30 anos de prisão pela divulgação de informações secretas.


Comentario de Eugénio de Costa Almeida a RFI

 

Eugénio de Costa Almeida, investigador associado do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE-IUL, considera que as escutas são habituais entre as grandes potências, ainda que sublinhe que se trate “indiscutivelmente” de uma violação da soberania politica, estratégica e económica dos países africanos.


Nesta entrevista, Eugénio de Costa Almeida, investigador associado do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE-IUL, analisa as razões e as eventuais consequências das escutas a líderes de 20 países africanos, nomeadamente de Angola e Guiné-Bissau.


De acordo com o Le Monde, Angola teria sido alvo de uma "escuta política e estratégica", ou seja, os alvos das escutas teriam sido o presidente e os seus conselheiros. Quanto à Guiné-Bissau, ter-se-ia tratado de uma "escuta diplomática", isto é, teriam sido gravadas as comunicações do chefe da Diplomacia e/ou conselheiros diplomáticos, embaixadas guineenses em outros países e personalidades a trabalhar para a ONU e para a União Africana.