Lisboa - Em 2000 desloquei-me a Angola na companhia de Rui Câmara e Sousa e Hélder Bataglia. Percorremos o território de ponta a ponta num pequeno avião.

Fonte: SOL

Fiz várias entrevistas, entre as quais ao secretário-geral do MPLA, um tal João Lourenço.

A entrevista teve lugar no seu gabinete na sede do partido, em Luanda, e Bataglia e Câmara e Sousa ficaram cá fora à minha espera.

A dada altura perguntei ao entrevistado se havia racismo no MPLA, ou seja, se os brancos eram discriminados, como se dizia à boca pequena.

Ele respondeu-me indignado, como se eu tivesse feito uma pergunta proibida.

O resto da entrevista decorreu de forma tensa, com o homem a responder às perguntas de um modo perfeitamente estereotipado, recitando a cartilha comunista.

Apesar de saber que ele se formara na Academia Lenine, em Moscovo, a fidelidade cega à doutrina e a própria linguagem impressionaram-me.

Não parecia dizer nada da sua cabeça.

Quando cheguei cá fora, disse aos meus amigos: «Não vou publicar isto. Não tem qualquer interesse».

Bataglia mostrou-se preocupadíssimo, o que percebi: tendo sido ele a combinar a entrevista, como justificaria a não publicação?

Compreendendo o seu embaraço, acabei mesmo por publicá-la, embora numa versão condensada.

Entretanto, não voltei a ouvir falar do homem.

Qual não foi o meu espanto quando, na semana passada, o MPLA escolheu João Lourenço para suceder a José Eduardo dos Santos na presidência de Angola.

Ou o homem evoluiu muito (o que pode acontecer), ou esteve a enganar-me, ou é um factotum.

A força de Eduardo dos Santos vinha do facto de ser o vértice da pirâmide do poder, isto é, todas as fações do partido e os potenciais sucessores reportavam a ele.

Ele estava dentro de tudo e geria os peões e as benesses, as migalhas e os milhões do poder.

Arbitrava as lutas que se travavam abaixo dele.

Ora, quando ele sair, o árbitro desaparece – e os grupos em disputa vão entrar em luta aberta entre si.

O novo líder não terá a mesma capacidade para gerir as tensões e as ambições dos que foram preteridos.

Prevejo tempos muito difíceis para Angola.