Luanda - Um gestor nacional combinou um dia e uma hora certa para ser apresentado numa das unidades sob sua tutela. À hora marcada, 9 da manhã, lá estavam os funcionários à espera. A excelentíssima visita apareceu na sala às 11:25 h. Realizou-se o encontro. Nunca da boca do ilustre visitante se ouviu um pedido de desculpas.

Fonte: JA
Um dia, numa escola primária em Viana, inaugurava-se uma campanha de vacinação, marcada para as 9 horas. Estavam na escola, desde as 8 horas, alguns pais e muitas mães com bebés, os alunos de batas brancas e a imprensa. Às 10:30 h, uma menina desmaiou. O membro do Governo que devia inaugurar a campanha apareceu, finalmente, às 11:30 h, no seu volvo azul escuro. Fez um discurso que só a televisão gravou, porque os pais e os alunos já estavam bem discursados pelo sol abrasador. Vacinou três crianças e regressou a Luanda.

Comigo aconteceu, neste nível de paridade relacional, esperar uma pessoa que me havia pedido ajuda para lhe redigir um documento. Devíamo-nos encontrar no Largo da Independência, às 3 horas da tarde. Ao meio-dia do nosso encontro, telefonei para a pessoa a reconfirmar o local e a hora. Fiquei ali a secar junto ao largo. Às 15:30 h, resolvo ligar e fico a saber que a pessoa que esperava estava a sair de casa naquele momento.

Para além de ser analisado pelo prisma da (in)consciência do tempo que nós, angolanos, temos, esta mentalidade intemporal deve, também, ser encarada como uma absoluta falta de respeito para com o Outro. Seja lá de que esfera venha: dos membros do Executivo, de pessoas com ascendência de autoridade em qualquer organização social pública ou privada, e da própria esfera da cidadania, aí incluída a família.

Tenho para mim que esta mentalidade da negação do tempo, da falta de cronometragem das relações sociais, é uma das principais causas do nosso subdesenvolvimento. Em verdade, em verdade vos digo, que jamais chegaremos à diversificação óptima da economia, nem ao progresso social, enquanto vivermos acomodados à falta de pontualidade, como se de uma normalidade se tratasse. É que, mesmo que o não pareça, há gente aqui em Angola que dá no duro. Que se levanta às 4 da manhã para ir trabalhar.

Há gestores que ganharam cabelos brancos a fazer o seu dever por uma Angola mais digna e próspera. É urgente, é imperativo, que se comece a respeitar o tempo do Outro. Lá dizem os britânicos que “tempo é dinheiro” (time is money). E têm toda a razão. Por isso são uma das nações mais ricas do planeta.

A problemática do desenvolvimento ancora numa agenda diária pessoal e no seu cumprimento estrito. As grandes dificuldades que o nosso país enfrenta partem de um problema cultural, situam-se na dimensão interior do Homem, onde se acumulam os bens morais, que crescem à medida que se vão oferecendo. O maior bem moral é a consideração pelo outro, a solidariedade e a cooperação.

Ora, quem é, afinal, o outro, o nosso próximo? Já há dois mil anos, o profeta de Nazaré havia explicado este conceito através da parábola do bom samaritano, que socorreu a vítima de assalto. Porque é que Jesus de Nazaré disse que esse segundo mandamento (amar o próximo) é semelhante ao primeiro, o do respeito para com Deus, e que não há outros maiores que esses dois?

Tanto é esta noção do respeito ao próximo de crucial importância, que a própria Declaração Universal dos Direitos do Homem, proclamada pela ONU em 1946, trasladou da Bíblia o conceito e o consagrou, logo no seu primeiro artigo: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.” Esta convenção internacional, considerada pelo ilustre constitucionalista português, Gomes Canotilho, como a única Constituição Universal, válida para todos os povos e lugares, impõe ao cidadão de qualquer latitude que a agregue ao seu pensamento quotidiano.

Estamos no ano de 2017. É chegada a hora de reinventarmos Angola. Com base numa melhor gestão do tempo, o nosso e o dos outros. A desculpa do candongueiro já não colhe. A figura da autoridade não condiz com o paradigma do desprezo pelos subordinados. E ainda por cima os dirigentes têm transporte assegurado com agente de trânsito. Não podem chegar a um encontro marcado, quando melhor lhes dá na gana. Têm necessariamente de dar o exemplo, para o povo lhes seguir as pisadas. Principalmente se estamos realmente interessados em alavancar o progresso de Angola.

A maior pirâmide do Egipto Antigo, Quéops (2530 a.C.), que demorou 25 anos a ser trabalhada em pedra, jamais teria sido erguida sem uma rigorosa gestão do tempo. Devemos, sem demora, adoptar uma nova filosofia do tempo africano. Nós, os que vivemos o período áureo e doloroso das independências, jamais esqueceremos a famosa máxima de Samora Machel, o primeiro Presidente de Moçambique: “A pontualidade é um aspecto muito particular da disciplina.”