Luanda  -  No dia 10 de Janeiro de 2017, começou a ser julgado criminalmente o porta-voz de Isabel dos Santos em Portugal, Luís Paixão Martins, pelo eventual cometimento de crime de difamação cometido através de meio de comunicação social contra Rafael Marques. Luís Paixão Martins é um famoso consultor de comunicação português que trabalhou proximamente com José Sócrates e Cavaco Silva, entre outros, e gere a comunicação de Isabel dos Santos em Portugal.

*Pedro Malembe
Fonte: Club-k.net

O facto criminoso é um texto escrito por Paixão Martins, após a publicação da famosa reportagem na revista americana Forbes sobre as origens obscuras da fortuna de Isabel dos Santos assinada pela jornalista americana Kerry Dolan e por Rafael Marques. O texto de Paixão Martins foi uma resposta ao artigo da Forbes, e afirmava basicamente que Rafael Marques não era um jornalista, mas sim um activista político a soldo do milionário George Soros, que detinha interesses inconfessáveis na economia angolana.

 

O que está em causa neste julgamento, do ponto de vista jurídico, é a tutela da honra de Rafael Marques como bem jurídico. Rafael é jornalista desde sempre, e não é pago por Soros. Dizer o contrário ofende a sua honra. A honra, na esteira das formulações do Supremo Tribunal Federal Alemão, deve ser entendida do ponto de vista interior, com referência ao sentir da pessoa enquanto ser digno e portador do sentido de honra, e também do ponto de vista exterior, como a reputação no seio da comunidade. A verdade é que esta definição abrangente de honra acolhida pela lei portuguesa permite ao juiz de qualquer causa uma interpretação lata dos pressupostos do crime. Ficámos com muitas dúvidas, face à condução da audiência, se foi possível extrair os suficientes elementos probatórios para formar uma convicção fundamentada dos pressupostos internos e externos da honra, quer a favor da acusação, quer a favor da defesa.

 

Mas, na realidade, o que é relevante neste julgamento não são as minudências jurídicas. O relevante é o sinal que a existência do julgamento criminal com a incerteza associada a estes momentos confere aos acólitos do regime angolano. Houve um tempo em que o regime angolano, em particular Isabel dos Santos, Manuel Vicente e Kopelipa, tinha uma espécie de “carta branca” para fazer o que queriam em Portugal. Compravam, vendiam, insultavam, etc. O poder angolano sentia-se em Portugal com toda a força. Existia um sentimento de impunidade. O país falido submetia-se. Foi a altura em Mário Crespo foi despedido da SIC por acolher Rafael Marques nos seus estúdios, foi a altura da reportagem dourada sobre Angola de Vítor Bandarra na TVI, foi a altura em que alguns Procuradores do Ministério Público português arquivavam todos os processos contra entidades angolanas. Foi a altura em que compras angolanas em Portugal tinham uma due diligence muito ligeira.

 

O que a existência deste julgamento, que passou as fases de inquérito e instrução e nunca foi arquivado, e que obteve o concurso favorável do Ministério Público português, demonstra é que o tempo do “faz-tudo”, da impunidade, acabou. O regime angolano deixou de ter o foro privilegiado em Portugal. Os seus agentes voltaram a estar sujeitos à lei, aos tribunais, ao respeito do Estado de Direito, e à acusação do Ministério Público quando for caso disso. Neste aspecto estamos perante um julgamento-símbolo. Um símbolo de que é possível levar a tribunal e sentar no “banco dos réus” (hoje cadeira dos arguidos) os agentes de Isabel dos Santos, e quem sabe um dia, a própria Isabel dos Santos, caso esta não cumpra a lei portuguesa. Assim, este julgamento pelo facto de existir, já é uma vitória. Uma vitória da transparência legal, da defesa dos direitos fundamentais, da luta de Angola