Luanda  - Decorreu no Tribunal Criminal de Lisboa, nos passados dias 10 e 17 de Janeiro de 2017, o julgamento de Luís Paixão Martins, consultor de comunicação português de Isabel dos Santos acusado de difamar Rafael Marques.
 
*Pedro Malembe
Fonte: Club-k.net
 
Paixão Martins é um dos mais importantes agentes de Isabel dos Santos em Portugal, tendo também servido figuras ilustres lusas como Cavaco Silva ou José Sócrates. Um homem do círculo do poder luso-angolano. Por essa razão, estava visivelmente incomodado por estar sentado no banco dos acusados e ser confrontado com a acusação do Ministério Público português. Várias vezes se insurgiu contra esse facto e declarou a sua estupefacção perante tal tratamento. 
 
 
Nas declarações que prestou ao tribunal, Paixão Martins voltou a referir-se de forma desadequada a Rafael Marques, afirmando que o mesmo é um ativista político que vive da publicidade e se limita a recolher recortes de jornais. Perante tais afirmações, o juiz da causa teve que o aconselhar a calar-se, pois Martins poderia, de novo, a estar a cometer uma difamação.
 
 
Não se sabendo neste momento o resultado do julgamento, que certamente terá recurso e provavelmente acabará no Tribunal dos Direitos do Homem em Estrasburgo, o relevante deste julgamento não é a sentença a ser ditada pelo juiz, mas sim o facto de o julgamento existir.
 
 
Viu-se pelo incómodo indisfarçável de Paixão Martins, que este nunca esperou ser acusado de difamação, e sobretudo ver tal acusação acolhida pelo Ministério Público. 
 
 
Portanto, a queixa que Rafael Marques apresentou e seguiu o seu curso foi um passo inicial para a responsabilização em Portugal de actos praticados por membros do círculo de poder angolano em Portugal.
 
 
Não se trata de resolver, como muitos ignotos afirmam, problemas angolanos em Portugal. Trata-se de resolver problemas de Portugal em Portugal, que podem envolver cidadãos angolanos. A Constituição portuguesa proíbe, e bem, discriminações entre nacionalidades em questões de justiça. E sendo assim, o processo de Rafael Marques marca o início de uma série de julgamentos de assuntos luso-angolanos que poderão envolver o actual vice-Presidente da República, Manuel Vicente, o ministro-Chefe da Casa de Segurança General “Kopelipa”, e num futuro próximo Isabel dos Santos e Sindika Dokolo (a filha e o genro do Presidente da República). 
Se a justiça portuguesa funcionar, veremos uma parada de estrelas angolanas a calcorrear as pedras lisas do Campus de Justiça.
 
 
Isto não será uma particularidade de Portugal, não vale a pena surgirem editoriais do Jornal de Angola a zurzir as autoridades portuguesas. Em França, está em curso o julgamento de Teodorin Obiang, filho do ditador da Guiné-Equatorial, e aliado do regime de Angola. Obiang está a ser julgado por abuso de bens societários, desvio de dinheiros públicos, abuso de confiança e corrupção. 
 
 
Ver-se-á um aumento destes acontecimentos nos tribunais europeus e norte-americanos à medida que as novas leis anti-corrupção e de combate ao branqueamento vão sendo implementadas nas várias ordens jurídicas.
Os combates pela liberdade vão-se travando cada vez mais nos tribunais.
 
 
Convém recordar que o processo que opõe Rafael Marques a Paixão Martins surgiu da publicação pela revista Forbes, no Verão de 2013, de uma reportagem exaustiva, assinada pela jornalista americana Kerry Doyle e por Rafael Marques, em que se expunham de forma clara as dúvidas, incertezas e obscuridades da origem da fortuna da “bilionária” Isabel dos Santos. Por esta reportagem, os dois jornalistas ganharam o prémio de Jornalismo de Investigação conferido pela Universidade da Califórnia (UCLA).
 
 
Como reacção a essa reportagem, Martins, em defesa de Isabel dos Santos, escreveu um violento artigo em que acusava Rafael Marques de ser um activista político e não um jornalista, que se limitava a compilar artigos publicados para denegrir Isabel, sendo pago por George Soros para realizar essa tarefa. 
 
 
Ora esta qualificação de Martins procurava retirar toda a credibilidade jornalística a Rafael Marques, colocando as suas investigações e trabalho no âmbito da luta política e não do jornalismo investigativo. Aliás, essa é a linha da intervenção pública dos patrões de Martins. Quer Isabel dos Santos, quer o marido Sindika, quando se referem a Rafael Marques (e referem-se muitas vezes…) dizem sempre que este persegue uma luta política, pelo que os factos que invoca têm que ser sempre entendidos nesse enquadramento. Esta é a forma mais simples de desvalorizar as descobertas e revelações de Rafael Marques: são instrumentos políticos que se situam na área do combate político e não da verdade e do Estado de Direito. Come cereja em cima do bolo, invocam George Soros, o milionário das causas liberais para quem Rafael Marques trabalhou através da Open Society uns anos, até 2004. Nesse ano, foi público e notório que existiu um acordo entre Soros e o regime angolano pelo qual Soros afastava Rafael, e o regime concederia algo a Soros. Sobre esse algo as opiniões dividem-se, uns dizem que era um compromisso com o Estado de Direito e os Direitos Humanos, outros afirmam que se tratava de algo mais pedestre como vantagens económicas para as empresas e fundos de Soros. Na realidade, não interessa. O que interessa é que desde 2004 que Rafael Marques não trabalha com Soros, e quando o fez, fê-lo de forma transparente e publicitada.
 
 
Dizer hoje, que Rafael é um activista político a soldo de Soros, é dizer que o seu trabalho não vale nada, o seu sacrifício cívico e pessoal é nenhum, a sua honra enquanto profissional digno é inexistente. Por isso, Paixão Martins foi acusado difamação.