Luanda  - 21 de Janeiro de 2010, data da aprovação pela Assembleia Nacional de Angola, 5 de Fevereiro de 2010, data da Promulgação da Constituição da Republica de Angola. Datas deveras significativas que estão, e ficarão marcadas para sempre nos anais da História de Angola. Foi nesta data que assinalou-se um novo capitulo na História do Constitucionalismo angolano, através da aprovação da actual Constituição, a primeira aprovada em tempos de paz efectiva, por uma Assembleia eleita democraticamente.
 
Fonte: Club-k.net
 
Neste 7º aniversário da Constituição De Angola, importa fazermos uma reflexão, neste "BREVE ENSAIO" sobre a mesma, seu contexto, processo de aprovação, bem como os aspectos positivos e controversos até hoje da mesma.
 
 
CONSTITUIÇÃO,
 
 
É um documento formal, que "da forma", que "constitui" o Estado. Documento que define o sistema, regras e princípios que disciplinam a organização e funcionamento do Estado. " a constituição é uma lei proeminente que conforma o Estado" ( CANOTILHO:2003)
 
 
BREVE HISTÓRIA
 
 
 A periodização do constitucionalismo angolano está longe de reunir unanimidade. Alguns autores o período anti-colonial, outros preferem a contagem a partir do contacto com os portugueses. Nesse período, "Angola" foi alvo de diversas regulamentações a partir da metrópole, desde os diversos decretos monárquicos, acto colonial, lei orgânica do ultramar até ao Decreto Lei 39 666 de 20 de Maio( Estatuto dos Indígenas). Após ao 25 de Abril de 1974, passando pela  "Junta Governativa" e o "Alto Comissariado" , veio culminar com os "Acordos do Alvor"  de 15de Janeiro de 1975, com a participação efectiva dos 3 movimentos de libertação( MPLA, FNLA e UNITA)+Portugal.
 
 
 Após "turbulenta independência " e, em virtude do desenvolvimento da situação político-militar angolana, suge então a Lei Constitucional de 1975 e suas Revisões e, consequentemente o inicio da I República - A Republica Popular de Angola. Esse novo documento constitucional encontrava seus fundamentos no discurso da independência proferido pelo saudoso Dr. Agostinho Neto.
 
 
 Fim da "primeira guerra civil angolana" – 1975-1991. Entramos na II República, a primeira " teoricamente Democrática", através da aprovação da lei 12/91 - Lei Constitucional de Angola, fruto dos acordos de Bicesse de 31 de Maio de 1991. A nova lei "consagrou" os princípios do Estado Democrático e de Direito.
 
 
 Depois da "segunda guerra civil angolana(1991-1994) e da terceira e final (1998-2002)", sucessivas revisões constitucionais, e realização das primeiras eleições legislativas de 2008, "livres e justas", em tempos de paz, e vencidas por maioria absoluta do partido MPLA, concluiu-se reunidas as condições necessárias para a transição para a III República, mediante a aprovação da Constituição de 2010, em 21 de Janeiro de 2010.
 
PROCESSO DE APROVAÇÃO
 
 
Foram apresentados 5 propostas finais de projectos da nova constituição: MPLA, UNITA, PRS, FNLA e ND.
 
 
A discussão resultou em 3 projectos:  A- sistema presidencialista, B- sistema semipresidencialista, C- sistema presidencialista parlamentar. Prevalecendo o sistema presidencialista "atípico", o actual no ordenamento jurídico angolano. (GOUVEIA:2014). lembrar que o público geral nessa altura"aprovava" o CAN de futebol 2010.
 
ASPECTOS POSITIVOS
 
VISÃO GERAL
 
 
O primeiro ganho, sem dúvidas, é o facto de termos uma constituição, documento formal, normativo, capaz de regular o poder político, a relação entre governantes e governados, capaz de ordenar a realidade social angolana, de longe, eternamente heterogénea. Parafraseando Adão de Almeida " um dos ganhos da CRA é que agora aceitamos todos que temos constituição, até aqueles que no inicio diziam que não era constituição"(in Debate TV Zimbo)
 
Vejamos resumos de alguns ganhos constitucionais:
 
PRINCIPIOS FUNDAMENTAIS
Artºs 1-21
Os princípios são anteriores as normas. Definem o conteúdo das normas. Nesse capítulo encontramos bem decanados na CRA os pressupostos fundamentais de um Estado Democrático Constitucional Democrático de Direito. Fundado na dignidade da pessoa humana, Estado Republicano, liberdade de expressão, separação de poderes, igualdade, proporcionalidade, juridicidade, constitucionalidade e segurança jurídica (CANOTILHO:2003)
 
 
TUTELA JURISDICIONAL EFECTIVA
Artº 29
actualmente, independentemente da área do conflito, litígio, ou situação, à todos é garantido o acesso aos tribunais, desde que haja violação dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, e a justiça não lhe pode ser negada por insuficiência de meios económicos.
 
 
DIREITO E DEVERES FUNDAMENTAIS
Artºs 22-88
Temos uma constituição avançada do capítulo programático dos direitos humano e fundamentais. Que procura fundir os ideais dos"ius congens", com vinculação automática na ordem jurídica angolana. Uma constituição que procura, no plano teórico-normativo, dar maior cobertura a dignidade da pessoa humana, com todas garantias próprias do plano jurídico (GOUVEIA:2014). Se de um lado os direitos fundamentais apresentam-se como garantias dos cidadãos, do outro lado, constituem uma limitação ao poder politico na sua relação governates – governados.
 
 
ORDEM ECONÓMICA, FINANCEIRA E FISCAL
Artºs 89-104
A CRA 2010 assumiu um regime económica capitalista, com sistema de economia de mercado, com respeito à propriedade privada e a livre iniciática económica e empresarial, bem como a defesa dos direitos do consumidor.
 
 
ORGANIZAÇÃO DO PODER DO ESTADO
Artºs 105-225
Apesar da "atipicidade" da CRA, a separação de poderes encontra-se plasmada no texto normativo, e tem dado passos largos na efectivação do apanágio constitucional. Poder Legislativo, Poder Executivo e Judicial. Poderes eleitos democraticamente, em sufrágio directo e universal.
 
 
PODER TRADICIONAL
Artºs 223-225
Certamente este foi mais um dos ganhos da CRA 2010: a dignidade constitucional do poder tradicional. É o "reconhecimento" da importância que possui o direito costumeiro na ordem jurídica angolana, o seu papel de capital importância no ajustamento da realidade sócio – jurídica angolana.
 
 
AMNISTIA 
Artº 244 
Foi um dos ganhos constitucionais preponderante para a nova República: o estabelecimento de uma "tábua rasa" na arena politica angolano, extinguindo toda a responsabilidade penal durante a " guerra civil angolana". Marco importante no processo de reconciliação nacional. 
 
 Apesar destes ganhos, pensamos que ainda apenas começou a "nova" corrida do constitucionalismo angolano:
 
DESAFIOS 
EFECTIVAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Se é verdade que é quase impossível alcançar a plenitude dos direitos fundamentais, certo é também que estamos aquém da metade de tal desiderato. Direitos como a liberdade de imprensa, direito ao ambiente, a liberdade religiosa, de reunião e manifestação ( a vexata quaestio), direitos dos detidos e presos, direito da infância e da 3ª idade, protecção aos cidadãos com deficiência,  e outros, estão longe da plenitude. Assiste-se ainda hoje várias limitações a liberdade de imprensa (questiona-se a nova lei de imprensa), as proibições de manifestações, pouca atenção a infância e a 3ª idade, entre outros.
 
SISTEMA ELEITORAL, SISTEMA DE GOVERNO
 
 
QUANTO AO SISTEMA ELEITORAL, Alguns políticos angolanos (Bornito Sousa, in TPA), afirmam que a constituição angolana reflecte a o modo de organização do poder ancestral angolano, bem como, previne discordâncias entre Presidente da República e Governo, em caso de serem diferentes os vencedores de eleições presidenciais e legislativas, respectivamente. Parafraseando Bornito de Sousa " perante tal situação, qual seria o programa a ser cumprido? Do PR ou do Governo?(Ibdem). Mesmo com tais fundamento, ainda é bastante certa a questão relacionada o facto de que o sistema eleitoral angolano limita de certo modo os direitos fundamentais angolanos, no que tange a liberdade de escolha, a liberdade de eleger e de ser eleito. Ninguém devia ser obrigado a escolher o PR e, automaticamente escolher o governo e vice-versa. Pensamos que trata-se de um direito fundamental que não deve ser limitado.
 
 
A INADMISSIBILIDADE DE CANDIDATURAS INDEPENDENTES. 
 
O art. 54 da CRA 2010  define – direito de sufrágio: 1. todo cidadão maior de 18 anos tem o direito de votar e de ser eleito para qualquer órgão do Estado(…). 2. A capacidade eleitoral passiva não pode ser limitada senão em virtude das incapacidade e inelegibilidade constitucionais. Portanto, apenas declarados legalmente incapazes não podem ser eleitos. Vejamos o artº 111 " candidaturas – as candidaturas ao cargo de PR  são propostas pelos partidos políticos ou coligação de partidos políticos". Dito doutro modo, só se candidatam ao cargo de PR quem estiver filiado ao qualquer partido político. Condicionar o exercício da cidadania à militância partidária"o exercício do sufrágio constitui um dever de cidadania". Se não pertencer à um partido politico não podemos candidatar-nos ao cargo de PR.
 
 
PROVAR QUE O SISTEMA DE GOVERNO ANGOLANO É EFECTIVAMENTE DEMOCRÁTICO, apesar da "atipicidade". Segundo alguns autores " o sistema de governo angolano aproxima-se de um sistema de governo simples, a que, configurações diversas se reconduziram a monarquia Csarista francesa de Bonaparte, a república Salazarista, governo militar brasileiro, e vários regimes autoritários africanos". (MIRANDA:2010). É necessário que as boas praticas governamentais, transparência, participação pública (em todo tempo, e não apenas quando se precise descontar, outra vez, no bolso do pacato cidadão para pagar o tratamento do lixo, agora que se vê o "fundo do poço", e se invoca "participação de todos cidadãos")
 
SISTEMA ECONÓMICO
 
 
Já é tempo da efectivação de uma economia de mercado forte, marcado pelo papel fiscalizar do Estado, equidistante dos agentes económicos. Os "nosso super, papagro, nosso centro, Kilambas, etc" têm de ser reduzidos, e transferidos esses poderes aos privados, que até entendem melhor e ficam mais fortes.
 
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA/ AUTARQUIAS 
 
 
A desconcentração e descentralização administrativa continuam a ser um dos principais desafios constitucionais. São princípios que permitem maior eficácia na prossecução dos interesses públicos. Apesar do gradualismo, a institucionalização das autarquias locais continua a ser um "calcanhar de Aquiles" para a constituição de 2010.
 
PODER TRADICIONAL
 
 
O poder tradicional representa a essência do direito costumeiro. É ele que dá respostas lá onde o direito positivo não possui representação valorativa. Assistiu-se com, com uma velocidade galopante, a partidarização das autoridades tradicionais. Actualmente, para sê-lo, um dos requisitos fundamentais é a militância partidária. É necessário devolver o poder tradicional às comunidades, de modo a representar, de forma imparcial, os desígnios das comunidades.
 
DEFESA E SEGURANÇA NACIONAL
 
 
Parafraseando Abel Chivucuvuco (in Palestra, ISPJP-Benguela/2015) " as FAA já não se intrometem em assuntos políticos, alguns atritos aqui e ali, mas sem grande impacto. A PN, um ou outro incidente, mas não é generalizado, apesar de inspirar cuidado. Mas os SERVIÇOS DE SEGURANÇA E INFORMAÇÃO DO ESTADO NÃO CONHECEM SEU PAPEL" é desafio constitucional adequar as "mentes", as "instituições" vocacionadas para a defesa e segurança do Estado, que os mesmos, prosseguem interesse Estatal, defendendo em primeira linha os cidadãos e depois o Estado, porque os primeiros são a razão da existência do segundo.
 
Salaam Aleikum