Lisboa - Comemoram-se este ano quarenta anos dos acontecimentos de 27 de maio de 1977. Quarenta anos é muito tempo. Não há justificação para que decorridas quatro décadas as famílias das vítimas continuem sem saber o que sucedeu aos seus entes queridos; sem saber onde estão os respectivos restos mortais; sem uma declaração oficial de arrependimento e um pedido formal de desculpas.

Fonte: RA

"Caberia ao presidente JES  fazer este pedido de desculpas"

Tanta gente boa que morreu em 1977! Muitos milhares de jovens idealistas, angolanos que amavam o seu país. Pessoas que, caso ainda estivessem vivas, estariam agora, com toda a certeza, a contribuir para uma Angola melhor.


Caberia ao presidente José Eduardo dos Santos fazer este pedido de desculpas, estender a mão, e tentar dessa forma fechar uma ferida que ainda teima em sangrar e persiste em dividir a sociedade angolana.


A esta altura já ninguém pretende julgar e condenar os algozes. Quem matou e torturou vive há quarenta anos no tormento da sua própria memória e consciência; com a vergonha de encarar nos olhos os filhos das vítimas; com a dificuldade de explicar aos próprios filhos o passado atroz. Quanto a mim é inferno suficiente. Um inferno íntimo, interior, que não se apagará jamais.


O que se pretende agora é simplesmente um mínimo de justiça e de sossego. Uma migalha de bom senso.


Um gesto assim não apagará de uma única vez, magicamente, tanta dor acumulada. Não. Mas será um primeiro passo para que, lentamente, os sobreviventes e as famílias dos mortos possam recuperar a dignidade que lhes foi roubada.


O governo angolano deveria ainda impulsionar a criação de um memorial da mágoa, um espaço dedicado a lembrar aqueles que foram mortos e torturados, e vocacionado para a defesa activa dos direitos humanos e da liberdade de expressão e pensamento. Teria de ser muito mais do que um museu da crueldade. Teria de conseguir ser um espaço vivo de debate e de reconciliação. Um centro de livre pensamento. Um mecanismo de irradiação de paz.


José Eduardo dos Santos pode ainda, antes de abandonar definitivamente o poder, conforme anunciou, promover este último acto da mais elementar justiça. Seria um gesto de grandeza, um gesto nobre, que talvez ajudasse a esquecer os muitos erros que cometeu desde que chegou ao poder. Caso não o faça, outro o fará um dia. Isso é certo. Porque um espaço como esse não é apenas urgente e necessário para uma autêntica pacificação do país — é imprescindível.