Luanda - O empresário Bento dos Santos Kangamba anunciou ontem a intenção de processar o Estado português pelos prejuízos decorrentes do não arquivamento de uma investigação da Justiça portuguesa de 2014, apesar das decisões que lhe foram favoráveis.

Fonte: Jornal de Angola


“Em Portugal não existe mais processo contra Bento Kangamba. Foi ganho, nós esperamos que o Ministério Público feche o processo. Faltaram ao respeito a mim e à minha família quando mandaram pessoas assaltar [buscas] a minha casa para irem ver o que tenho lá quando eu não sou criminoso”, afirmou Bento Kangamba.


A posição foi assumida depois de o caso ter voltado a ser notícia em Portugal nas últimas horas, com a interposição de um novo recurso pelos advogados de Bento Kangamba, solicitando no Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) o arquivamento definitivo deste processo.


Os factos em investigação indiciavam em 2014 suspeitas de corrupção passiva na forma agravada, corrupção activa na forma agravada, branqueamento e falsidade informática, segundo informou na altura a Procuradoria-Geral da República (PGR), levando à “apreensão preventiva” das contas bancárias e propriedades em Portugal do empresário angolano.


No final de 2015, uma decisão do TRL ao recurso interposto por Bento dos Santos Kangamba decretou a nulidade do arresto dos seus bens em Portugal. O mesmo tribunal referia que o empresário angolano, mais de um ano depois, “não foi constituído arguido” e que, até 14 de Outubro de 2016, “não fora sequer deduzida acusação nem mesmo ainda proferido despacho de encerramento de inquérito”. “Durante este tempo todo foi prejudicada a minha imagem e da minha família e agora quero que fechem o processo, porque não sou criminoso, como provei. Depois, o resto, vamos ver, mas o Estado português deve-se preparar, sabendo que eu a qualquer momento vou interpor uma queixa contra o Estado português sobre aquilo a que a Justiça portuguesa me tem estado a prejudicar”, anunciou.


Além disso, os advogados de Bento Kangamba também foram instruídos pelo empresário a avançar com um queixa contra o juiz Carlos Alexandre por alegada prevaricação e abuso do poder na condução da investigação a este processo.


“O problema é que o juiz Carlos Alexandre falhou e não têm provas. Só estamos a lutar para fechar o processo. Quem de direito tem que fechar o processo, porque investigaram e não deu em nada”, reforçou o empresário.
O novo recurso interposto este mês terá sido distribuído ao juiz-desembargador Antero Luís, que anteriormente se queixou do juiz Carlos Alexandre ao Conselho Superior da Magistratura sobre o processo dos “Vistos Gold”, levando o Ministério Público a pedir o seu afastamento.


“É uma luta de juízes contra juízes, é uma guerra da Justiça portuguesa. Estou a ser apanhado numa luta deles. O Ministério Público é que me devia pedir desculpa pelo que fizeram contra mim, que não deve ser feito contra qualquer pessoa legal”, insistiu Bento Kangamba, acrescentando que todas as investigações em Portugal “não deram em nada” e que lhe foi sempre dada razão pelo tribunal.

Direito de resposta

Em 28/2/2017 fui visado numa “notícia” emitida no telejornal da noite da SIC–Notícias e da SIC–Internacional. A “notícia” em causa começa por proclamar que eu, Bento dos Santos, por ocasião de um recurso interposto no âmbito do inquérito instaurado contra mim, em 2013, junto do DCIAP, manifestei intenção de apresentar uma queixa-crime contra o Sr. Juiz Carlos Alexandre, do Tribunal Central de Instrução Criminal, pelos crimes de abuso de poder e prevaricação, nomeadamente por “culpar” esse juiz pela continuação do dito inquérito. E acrescenta a “notícia” que esse pedido é “estranho”, pois ao juiz de instrução não assiste competência para ordenar esse arquivamento. Termina afirmando que aquele recurso foi distribuído a um Sr. Juiz Desembargador que, alegadamente, carece da “necessária imparcialidade” para o apreciar e decidir.


Esta “notícia” – como a maioria das que têm vindo a lume sobre o processo-crime que tenho pendente em Portugal – incorre em falsidades e imprecisões que, enquanto visado directo, me cumpre assinalar corrigir. Mais até do que isso: a tempestividade da “notícia”, tudo menos inocente, merece algumas observações esclarecedoras.

 

Começo por dizer que interpus efectivamente um recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa em que pugnei pelo arquivamento do inquérito que o DCIAP instaurou contra mim. O fundamento do recurso é simples e não corresponde ao que foi divulgado na “notícia”: neste inquérito, que dura desde 2013, foi declarada a incompetência internacional das Autoridades Portuguesas por decisão da Relação de Lisboa de 26/3/2015, já transitada em julgado. A Lei prevê expressamente que, quando assim sucede, o arquivamento é obrigatório para as Autoridades encarregues do inquérito.

Contudo, o DCIAP e o TCIC têm ignorado propositadamente essa decisão e as suas legais consequências, bem como todo o teor da minha defesa, que, em último grau, demonstra a total falta de suporte das suspeitas que me são lançadas no inquérito.

Faço notar que a competência para ordenar o arquivamento do inquérito criminal é também do Juiz de Instrução, na sua qualidade de fiscalizador da legalidade e constitucionalidade do inquérito. A minha defesa já demonstrou isso à exaustão no processo, com base na lei e na jurisprudência Portuguesas, tendo sempre merecido o consciente alheamento do Sr. Juiz Carlos Alexandre, que se limita a negar, sem justificação, aquilo que, por A+B, lhe é explicado pela minha defesa. E as afirmações feitas na “notícia” em sentido contrário não têm fundamento legal algum; sendo, no mínimo, questionável a fonte de tal “informação”.


Importa notar que essa conclusão foi reafirmada num Acórdão da Relação de Lisboa de 2/6/2016, que ditou o arquivamento dum inquérito criminal, em virtude de incompetência internacional das Autoridades Portuguesas, em condições perfeitamente análogas às do processo em que sou suspeito. E esse precedente, certamente incómodo para o DCIAP e para o Juiz Carlos Alexandre, constituiu um dos principais suportes do meu recurso.


De resto, já apontei, quer no processo, quer em público, que a atitude destas autoridades constitui efectivamente uma denegação de justiça; mas isso tem suscitado apenas indiferença, muito ao contrário das acusações que me são dirigidas. É, porém, falso que tenha manifestado intenções de avançar com uma queixa no sobredito recurso.


Estas falsidades jornalísticas não decorrerão do desconhecimento do processo por parte da entidade que as veiculou. O processo em causa é público, tendo já cessado o segredo de justiça que o cobria inicialmente. Pelo que a razão de ser desta “notícia”, “plantada” estrategicamente num momento nevrálgico do processo, é para mim clara – sobretudo conhecendo o modus operandi desleal das autoridades envolvidas como, feliz ou infelizmente, poucos Portugueses conhecerão. Esta “notícia” tem subjacentes finalidades evidentes, que espelham apenas a febre inquisitória do DCIAP, na pessoa da Sra. Procuradora Olga Barata e do Sr. Juiz Carlos Alexandre, ao constatarem que estão a “perder terreno”:


- Por um lado, a de induzir o público em erro quanto aos fundamentos do meu recurso – que ameaça seriamente pôr fim à sanha acusatória do DCIAP e TCIC – e de imputar uma justa decisão de arquivamento, no âmbito do recurso pendente, à suposta inimizade entre o Sr. Juiz Desembargador a quem o recurso terá sido distribuído e o Sr. Juiz Carlos Alexandre, num verdadeiro atentado à competência e à integridade profissional e pessoal do primeiro;

- Por outro lado, o de pressionar a Relação de Lisboa a tomar uma decisão, naquele recurso, de prosseguir com este absurdo inquérito, valendo-se do veredicto de culpa pré-construído a meu respeito.


A actuação destas “autoridades” é ilegal, despudorada e vergonhosa… Mas, pior que isso, é verificar que tudo passa despercebido e incólume, sob as atenções alheadas de um público absorto numa historieta forjada, com a ajuda da comunicação social, de um pretenso “Juiz Justiceiro” que se dedica a perseguir presumidos criminosos, sem apelo nem agravo.

Bento dos Santos Kangamba