Luanda - Um inquérito em oito estabelecimentos de ensino superior angolanos conclui que a liberdade académica não é discutida entre a maioria (60%) dos docentes e que 33% admite poder ser perseguido e morto por dedicar-se à ciência com rigor.

Fonte: Lusa

inquéritos a 102 docentes de universidades  de Luanda, Huíla e Namibe

As conclusões constam do estudo “Democracia Académica e Liberdade Científica em Angola”, do professor universitário e investigador Domingos da Cruz, um dos 17 ativistas condenados há um ano, pelo tribunal de Luanda, por atos preparatórios de rebelião e associação de malfeitores.

 

O trabalho, a que a Lusa teve acesso esta quarta-feira e que é lançado oficialmente a 14 de março, na internet, resultou de inquéritos a 102 docentes de universidades das províncias de Luanda, Huíla e Namibe, maioritariamente nas áreas de Ciências Humanas e Sociais, sobre a visão dos professores da liberdade científica e constrangimentos que “põem em causa a liberdade académica”.

 

Não me sai da cabeça o facto de muitos professores nem sequer terem noção de que existem em Angola instrumentos jurídicos que os protegem do ponto de vista da liberdade científica. Isso para mim foi chocante. Um jornalista tem que ter consciência que a sua arma é a liberdade de expressão, o mesmo se aplica ao professor, em que a sua arma é a liberdade científica”, disse à Lusa Domingos da Cruz.


Entre outros dados, resultantes de 17 perguntas, 53% dos professores inquiridos assumiu ainda desconhecer a existência de qualquer lei angolana sobre liberdade académica, 23% admitiu conhecer pelo menos um aluno perseguido por agir com rigor científico e 33% confirmou temas de fim de curso que são impostos aos estudantes por razões partidárias.

 

São números altíssimos e é por isso que afirmo que se traduz naquilo a que eu chamo o ciclo do medo. Também explica, de alguma maneira, o nosso estado de estagnação civilizacional, de acordo com os valores universais e dos direitos humanos. Existem mesmo muitos professores que nem sequer discutem sobre o assunto”, apontou, garantindo tratar-se do primeiro trabalho nacional sobre liberdade académica.


“Não o refiro no relatório, mas o meu caso é um exemplo deste cenário que temos em Angola, no mundo académico. Aliás, a prisão por que passei resulta da tentativa de exercer a minha liberdade científica“, acrescentou o professor universitário e autor do livro que para o tribunal de Luanda justificou, em 2016, a condenação de 17 ativistas angolanos, incluindo o rapper luso-angolano Luaty Beirão.

 

Estes ativistas, posteriormente conhecidos como o grupo dos “15+2”, foram detidos em junho de 2015 por participarem em reuniões, em Luanda, nas quais liam o livro de Domingos da Cruz, intitulado “Ferramentas para destruir o ditador e evitar uma nova ditadura”. O professor universitário foi condenado à pena mais grave, em cúmulo jurídico a oito anos e seis meses de prisão, como líder do grupo.

 

Globalmente, o tribunal deu como provado que os acusados formaram uma associação de malfeitores e que num “plano” desenvolvido em coautoria, pretendiam destituir os órgãos de soberania legitimamente eleitos, através de ações de “Raiva, Revolta e Revolução”.

 

Domingos da Cruz e os restantes condenados chegaram a cumprir, entre prisão preventiva e efetiva, quase um ano de cadeia, até serem libertados no final de junho de 2016, e amnistiados três meses depois.

 

Professor do ensino superior em Angola desde 2011, Domingos da Cruz não chegou a regressar à universidade de Luanda onde exercia funções quando foi detido: “A instituição informou-me que há recomendações para que eu não possa voltar a lecionar, pelo que não tenho qualquer possibilidade de lecionar numa instituição angolana, sob recomendação do regime”.

 

No estudo conclui que “não existe demanda da parte da comunidade académica para com o Governo”, para “promover a democracia académica e a pesquisa científica”. Para além do “ciclo do medo, criado pelo Governo e que inviabiliza o florescimento da pesquisa, não existem condições materiais” e faltam “infraestruturas para a pesquisa e investigação”.

 

Inúmeras pesquisas individuais, não chegam à esfera pública porque os seus autores receiam represálias”, conclui o relatório.