Lisboa - A denúncia de que o general Kopelipa terá desviado 300 milhões de dólares para o Dubai está a preocupar o MPLA. Ricardo Salgado já tinha denunciado o envolvimento de figuras do regime no caso BESA.

Fonte: Observador

A denúncia de que o general Hélder Vieira Dias ‘Kopelipa’ terá transferido cerca de 300 milhões de dólares do Banco Espírito Santo Angola (BESA) para contas bancárias do Espírito Santo Bankers Dubai está a alarmar e a causa mal-estar na cúpula do regime de José Eduardo dos Santos, avança o Expresso. O próprio Ricardo Salgado, ex-líder do BES, já tinha avançado ao Ministério Público a hipótese de altas figuras do MPLA terem contribuído para o buraco de mais de 5,7 mil milhões de dólares que foi detetado no BESA, tal como o Observador noticiou.

 

As transferências alegadamente realizadas pelo general Kopelipa, chefe da Casa Militar do Presidente José Eduardo dos Santos, foram denunciadas na reportagem da SIC “Assalto ao Castelo”.

 

“Os políticos têm de passar a ter mais cuidado para não se molharem à chuva. Têm de deixar de misturar política com negócios”, disse ao Expresso Mário Pinto de Andrade, membro do Comité Central do MPLA.

 

Ao mesmo jornal, Amável Fernandes, antigo comissário político das FAPLA, o braço armado do MPLA entre 1974 e 1991, também falou em termos críticos. “Quando não se honram compromissos com os bancos ou se desvia dinheiro de forma massiva, como tem sido feito no nosso país, estamos perante um sério caso de psiquiatria, que remete Angola no estrangeiro para a condição de indígena”, disse ao Expresso.

 

Ricardo Salgado já tinha denunciado, no interrogatório a que foi sujeito no dia 18 de janeiro na Operação Marquês depois de ser constituído arguido por alegadamente ter corrompido José Sócrates, a possibilidade das mais altas esferas da classe política do regime do MPLA estarem envolvidas no desaparecimento de 5,7 mil milhões de euros no BESA. Foi a primeira vez que Salgado não responsabilizou exclusivamente Álvaro Sobrinho, ex-presidente do BESA, pelo buraco detetado na sucursal angolana do BES.

 

Como o Observador já tinha escrito, quando foi interrogado no âmbito da Operação Marquês, Ricardo Salgado sugeriu que Álvaro Sobrinho tinha tido cúmplices. Sobre o empresário angolano, disse que ele “devia ter ido logo para a cadeia” e que “devia ter sido preso em Angola”. Porém, “ninguém lhe tocou”. “Portanto, eu só posso concluir que houve mais pessoas em Angola que beneficiaram com o prejuízo do BESA”, concluiu.

 

Na semana passada, na reportagem “Assalto ao Castelo” emitida pela SIC, alegou-se que o general Manuel Vieira Dias, chefe da Casa Militar do Presidente José Eduardo dos Santos e também conhecido como “Kopelipa”, ajudou na fuga de 300 milhões de dólares (281 milhões de euros, à taxa de câmbio atual) do BESA.

As revelações do interrogatório de Salgado


Se há homem em Angola que é detestado por Ricardo Salgado, esse homem é definitivamente Álvaro Sobrinho, ex-presidente do Banco Espírito Santo Angola e ex-protegido do próprio Salgado. Tal como já tinha acontecido nos inquéritos do Monte Branco e do BES/GES, Salgado voltou a responsabilizar Sobrinho pelo ‘buraco’ de mais de 5,7 mil milhões de euros do BESA. Com duas novidades:

 

Tal como o Observador já tinha noticiado, colocou Hélder Bataglia (que era igualmente administrador do BESA) no mesmo patamar que Sobrinho;

E levantou a hipótese de outros responsáveis angolanos terem beneficiado dos 5,7 mil milhões de euros de crédito concedido alegadamente de forma irregular pelo BESA.


Este último ponto merece desenvolvimento porque demonstra uma inflexão de Ricardo Salgado em relação a Angola.


Tal como o Observador noticiou em exclusivo, a equipa liderada pelo procurador José Ranito, o titular dos diversos inquéritos do caso Universo Espírito Santo, está a investigar não a concessão de 5,7 mil milhões mas sim de 6,8 mil milhões de euros. Pela primeira vez, Ricardo Salgado levantou a hipótese de outros responsáveis angolanos, além do próprio Sobrinho e da sua família, terem alegadamente beneficiado de tais créditos.

 

E fê-lo no contexto das suas críticas à gestão de Sobrinho. Recordando as duas assembleias-gerais do BESA que levaram em 2013 ao afastamento de Álvaro Sobrinho daquele banco devido precisamente a alegadas irregularidades na concessão de tal montante de crédito, Ricardo Salgado afirmou que alegadamente Álvaro Sobrinho teria comprado à Escom de Hélder Bataglia as Torres Escom (o prédio mais alto de Luanda) por cerca de 400 milhões de dólares, tendo vendido a outra entidade por si dominada por cerca de 800 milhões de euros. Estas operações terão alegadamente sido financiadas, segundo o MP e Salgado, pelo BESA. Salgado, que afirmou não ter tido conhecimento antecipado da situação, classificou a história, soletrando de forma enfática, como “es-can-da-lo-sa!”

 

Devido aos alegados créditos irregulares do BESA, argumentou Salgado, Álvaro Sobrinho "devia ter ido logo para a cadeia. O homem devia ter sido preso em Angola", mas "ninguém lhe tocou. Isso é inconcebível!”, afirmou. “Portanto, eu só posso concluir que houve mais pessoas em Angola que beneficiaram com o prejuízo do BESA”, concluiu.

 

Por tudo isto, argumentou Salgado, Álvaro Sobrinho “devia ter ido logo para a cadeia. O homem devia ter sido preso em Angola”, mas “ninguém lhe tocou. Isso é inconcebível!”, afirmou. “Portanto, eu só posso concluir que houve mais pessoas em Angola que beneficiaram com o prejuízo do BESA”, concluiu.

 

Ricardo Salgado não quis adiantar qualquer nome de cidadãos angolanos que tenham recebido créditos que, numa auditoria encomendada pelo próprio Salgado e por acionistas angolanos do BESA , foram classificados como irregulares.

 

Aliás, a equipa do procurador José Ranito entende que, nos inquéritos do Universo Espírito Santo, já tem fortes indícios de três grupos de destinatários desses créditos de mais de 6,8 mil milhões de euros:

 

Entidades do interesse de Álvaro Sobrinho;
Entidades ligadas a titulares de cargos políticos e públicos de Angola;
Entidades ligadas ao GES que terão sido financiadas pelo BESA.
Recorde-se que os acionistas angolanos do BESA eram as seguintes entidades em 2010/2011:

 

Geni, com 18,99% do capital, representada pelo general Leopoldino Nascimento ‘Dino’; e Portmill com 24% do capital, representada pelo general Hélder Vieira Dias ‘Kopelipa’. No processo do procurador Orlando Figueira, Manuel Vicente, vice-presidente de Angola e ex-presidente da Sonangol, é dado igualmente como acionista da Portmill.

 

Sobre as entidades do GES que terão sido financiadas pelo BESA, encontrar-se-á a ES Enterprises. O procurador Rosário Teixeira confrontou Ricardo Salgado com isso mesmo mas Salgado alegou desconhecimento face a essa matéria.

O Congo é uma forma de passar dinheiro para fora de Angola?


Ricardo Salgado não falou apenas da possibilidade de responsáveis angolanos terem tido alguma participação em circuitos financeiros alegadamente irregulares em Angola. Também em relação ao Congo Brazzville o ex-líder do BES levantou tal hipótese.


Salgado contou ao procurador Rosário Teixeira que, num determinado dia (o ex-banqueiro não concretizou a data mas deduz-se que tenha sido depois de 2011), Bataglia ter-lhe-á apresentado o ministro das Finanças do Congo Brazzaville que desejava que o BES abrisse um balcão na capital daquele país vizinho de Angola.


O então líder executivo do BES ter-se-á recusado a abrir tal balcão, por Portugal já estar viver o período da troika. Mas acusa Álvaro Sobrinho e Hélder Bataglia de terem aberto à mesma uma sucursal do BESA no país liderado por Dennis Sassou Nguesso (presidente congolês muito próximo de Bataglia) sem autorização do BES, do Banco Nacional de Angola (o banco central do país de José Eduardo dos Santos) e do Banco de Portugal (a quem o BES reportava).


Questionado pelo procurador Rosário Teixeira sobre se esta era uma forma de aplicar o tal acordo-chapéu estabelecido entre a ES Enterprises e Hélder Bataglia, Salgado terá afirmado que poderia ser mas que o próprio ex-líder do BEs tinha “muito medo” que fosse outra coisa. Que coisa? “O Congo Brazzaville é uma forma de passar dinheiro de Angola para fora. Por que ainda hoje se procura como é que houve um buraco de 5 mil milhões [de euros] no BESA”, afirmou.


Durante o interrogatório, Ricardo Salgado voltou a fazer uma última referência a Angola e ao Congo ao dar o exemplo de que Hélder Bataglia tinha o compromisso de desenvolver os projetos acordados com o GES mas que “estava constantemente a pedir recursos”, o que significa “dinheiro” na linguagem técnica dos financeiros, “para efeitos não sei do quê para contribuir para o desenvolvimento dos projetos. Se ele depois pegava no dinheiro e entregava a alguém no Congo Brazzaville ou em Angola, não faço ideia. Mas o compromisso dele era de facto desenvolver os projetos e ‘trazer’ os poços do petróleo”, afirmou.


Para concluir este tema, a pergunta óbvia foi colocada pelo procurador Rosário Teixeira: por que razão o GES demorou tanto tempo a verificar que tinha sido alegadamente enganado por Bataglia?


Como já aconteceu com outras situações semelhantes, Ricardo Salgado justificou-se com uma falha de verificação por parte das equipas do GES, já que estas não tinham capacidade para verificar o que estava acontecer no terreno.