Luanda - Tenho convicção profunda que a pessoa humana começa a partir da concepção. Por isto sou contra a despenalização, descriminalização, liberalização do aborto ou de qualquer outra forma de banalização, de matança da vida humana intrauterina. Estando em fase de discussão e aprovação da Proposta de Lei que aprova o novo Código Penal e sendo a questão da despenalização do aborto a mais fraturante, decidi dar, a partir de hoje, as minhas respostas aos principais argumentos que são apresentados para a despenalização do Aborto.

Fonte: Club-k.net

1. O embrião e o feto “não são pessoas”; “são pessoas humanas de segunda classe” “são apenas pessoas em potência ou em formação”, “são apenas projectos de vida.” “são apenas amontoados de células.”

 

Os dados científicos provam inequivocamente que a partir da conceção estamos perante um novo ser humano, com um património genético próprio (único e irrepetível, distinto da mãe e do pai), dotado de capacidade de evoluir, conservando sempre a mesma identidade (é sempre o mesmo até à idade adulta e à morte), através de um processo autónomo e coordenado sem qualquer quebra de continuidade. O embrião não é um amontoado de células, é aquilo que cada um nós já foi e nenhum de nós teria atingido a fase da vida que hoje atravessa se não tivesse passado por essa fase inicial da vida, ou se tivesse impedido tal processo de evolução natural.


A dignidade da pessoa existe desde a concepção, não se adquire a partir de determinado momento (as dez ou doze semanas de gestação, o nascimento ou a idade adulta), nem se vai adquirindo progressivamente. A dignidade própria da pessoa humana ou se tem, ou não se tem. É a mesma antes ou depois do nascimento, como é a mesma na infância, na juventude, na idade adulta ou na velhice. Porque se trata de um processo contínuo, é arbitrário e absurdo estabelecer qualquer fronteira (a actividade racional, a auto-suficiência, a capacidade de sentir dor ou de interagir socialmente) só a partir da qual se possa falar em dignidade de pessoa. Qualquer destas qualidades já existe em “germe” desde a concepção, vai sendo adquirida progressivamente e vai evoluindo antes e depois do nascimento.

 

A partir da concepção, não pode falar-se em “projecto de vida” ou “pessoa em potência”. A vida já existe, a pessoa já existe, não são simples projectos ou potencialidades (como eram, sim, antes da concepção). E é assim não apenas no momento da concepção, também é assim ao nascer e ao longo de toda a vida. Em suma, desde a concepção, o novo ser tem a dignidade de pessoa humana e, como tal, é merecedor de protecção. «Toda a gente é pessoa». Negar a qualidade de pessoa a seres humanos na fase inicial da sua vida é tão inaceitável como negar essa qualidade a certas categorias de seres humanos (a escravatura, o racismo ou o apartheid). É recuar na Roma e Grécia antiga onde os escravos e estrangeiros não eram pessoas humanas, mas simples objetos.


2. O relatório de fundamentação da Proposta de Lei que aprova o Código Penal apresenta argumentos técnicos sólidos que justificam a despenalização do aborto, isto é, a exclusão da ilicitude e punibilidade.

 

O relatório de fundamentação da Proposta de Lei que aprova o Código Penal peca por defeito. Para justificar a despenalização do aborto apresenta essencialmente, no geral, três razões: i) “estado de necessidade justificante, permite-se que se sacrifique um bem jurídico de menor valor (a vida do feto) para preservar ou salvaguardar um bem jurídico de maior valor (vida da mulher grávida) “!, ii) “Princípio da não exigibilidade” e iii) “tendência da generalidade dos códigos modernos em clarificar todas as situações de conflitualidade de valores”.


O legislador com a despenalização do aborto, fundada nos sistemas de indicações (terapêuticas, fetopáticas e criminológicas) e de prazos consagra verdadeiras causas de exclusão da ilicitude específicas. Mas não explica porque razão cria estas causas de exclusão da ilicitude, quando na parte geral da proposta do Código Penal já estão tipificadas causas gerais de exclusão da ilicitude (artigo 30.º e seguintes) que podem ser perfeitamente aplicáveis para justificar a interrupção da gravidez. Significa que independentemente da não despenalização do aborto qualquer mulher grávida pode, no caso concreto, socorrer-se da parte geral do Código Penal para justificar a ilicitude da sua conduta e consequentemente a não punição, sempre que a interrupção da gravidez seja praticada com fundamento em situações terapêuticas, fetopáticas e criminológicas.

 

Assim, acompanhando o pensamento de (LOBO MOUTINHO, in JURIS, Penal e Processo Penal, 2016: 153 e ss), a mais ampla exclusão da ilicitude que é conferida a interrupção de gravidez, relativamente ao que sucede nos restantes crimes e, desde logo, no homicídio, não tem uma justificação objectiva e racional. É, antes uma diferenciação discriminatória, uma desigualdade de tratamento materialmente infundada, sem fundamento razoável, traduzindo-se numa discriminação do embrião violadora do princípio Constitucional da igualdade (art. 23º da Constituição Angolana) e, nela e por ela, da dignidade humana que a Constituição aponta como base da República de Angola (art. 1º).

 

3.A não despenalização do aborto viola o Protocolo à carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos relativos aos Direitos da Mulher em África (Protocolo de Maputo) que Angola aprovou para adesão através da Resolução n.º 25/07 de 16 de Julho da Assembleia Nacional.

 

A al. c) do n.º 2 do artigo 14.º do Protocolo de Maputo estabelece que, os Estados partes devem tomar medidas apropriadas para “proteger os direitos de reprodução da mulher, particularmente autorizando abortos médicos em casos de agressão sexual, violação, incesto e quando a gravidez põe em perigo a saúde mental e psíquica da mãe ou do feto.”

 

Será que este preceito tem aplicação imediata na ordem jurídica angolana? O Protocolo de Maputo entra ou não em contradição com o artigo 4.º da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos “a pessoa humana é inviolável. Todo o ser humano tem direito ao respeito da sua vida (...)”.

 

Olhando para o artigo 13.º da CRA, “o direito internacional geral ou comum, recebido nos termos da Constituição, faz parte integrante da ordem jurídica angola.” Mas como se trata de direito comum, só é aceite como parte integrante desde que não viole o direito interno. A partida o Protocolo de Maputo, no que diz respeito à questão em causa, viola o direito à vida, Direito Fundamental previsto no artigo 30.º da CRA, segundo o qual (o Estado respeita e protege a vida da pessoa humanam que é inviolável). A CRA não faz distinções em relação a protecção da vida da pessoa humana. Significa que ela protege a vida intrauterina e a vida pós nascida de igual forma.

 

Só as normas do ius cogens, isto é, normas imperativas de direito internacional, cuja derrogação é proibida, pois fazem parte do património jurídico da humanidade têm aplicação directa e imediata na ordem jurídica angolana. O “direito” ao aborto (“direito” a matar) previsto no Protocolo de Maputo, não é uma norma de ius cogens. É um “direito” como lhe chamam, mas não um direito fundamental, um ius cogens como é o direito à vida.

 

O artigo 26.º da CRA (Âmbito dos direitos Fundamentais), estabelece que: 1. “os direitos fundamentais estabelecidos na presente Constituição não excluem quaisquer outros constantes das leis e regras de direito internacional”. 2. Os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos e os Tratados Internacionais sobre a matéria, ratificados pela República de Angola.”

 

Fica claro que o “direito” ao aborto previsto no Protocolo de Maputo não é um direito fundamental, como muitos pretendem dizer, e muito menos se deve entender a expressão “interpretação e integração” do artigo 26.º da CRA como sendo uma equiparação de direitos de direitos fundamentais. Aliás, ainda que exista, por hipótese, um conflito de direitos, entre o “direito” ao aborto (“direito” a matar) e o direito à vida, prevalecerá sempre o ius cogens, o direito fundamental que é o Direito à Vida, visto que mais do que um direito configura um princípio.

Por isto, invocar o Protocolo de Maputo para justificar a despenalização do aborto é pretender ganhar um “direito” ao assassínio de pessoas humanas inocentes e indefesas, pois a análise do problema não se resume na lei, mas é também uma questão cultural, sociológica, bioética, religiosa e antropológica.

4. O “Código Penal de 1886 é mais favorável ao aborto”. Previa-se “como causa de justificação da ilicitude, o aborto praticado como único meio de remover o perigo de morte ou lesão grave irreversível para a integridade física ou psíquica da mulher grávida”.

Há somente uma verdade nesta afirmação. De facto, o Código Penal de 1886 pune o crime de aborto consentido e não consentido com uma penalidade de 2 a 8 anos (358.º) contrariamente a Proposta do Código Penal cuja moldura penal é de 4 a 10 anos sem o consentimento da mulher grávida e 2 a 5 anos com consentimento. Toda segunda parte da afirmação supra não consta do texto do artigo 358.º do actual Código Penal e é uma grosseira falácia para iludir os incautos.

O artigo 358.º do Código Penal tipifica o crime de aborto, pune – o em todas as suas dimensões sem excepções. Significa que não apresenta nenhuma causa de justificação da ilicitude, resultante de aborto terapêutico, eugénico e criminológico. Há única situação de atenuação consta do parágrafo terceiro, do mesmo artigo que é o chamado aborto privilegiado (se, porém, no caso do parágrafo antecedente, a mulher cometer o crime para ocultar a sua desonra, a pena será a de prisão). Trata-se de uma circunstância modificativa atenuante especial. Aqui a penalidade é reduzida de 2 a 8 anos de prisão maior para 3 dias a 2 anos de prisão. Traduz apenas uma atenuação da penalidade e não uma causa de exclusão da ilicitude e consequente exclusão da punibilidade. Eis o texto integral do artigo 358.º (Aborto) do Código Penal:

Aquele, de propósito, fizer abortar uma mulher pejada, empregando para este fim violência ou bebidas, ou medicamento, ou qualquer outro meio, se o crime for cometido sem o consentimento da mulher, será condenado na pena de prisão maior de dois a oito anos.

§ 1.º - Se for cometido o crime com consentimento da mulher, será punido com a pena de dois a oitos anos de
prisão maior.

§ 2.º - Será punida com a mesma pena a mulher que consentir e fizer uso dos meios subministrados, ou que voluntariamente procurar o aborto a si mesma, seguindo-se efectivamente o mesmo aborto.


§ 3.º - Se, porém, no caso do parágrafo antecedente, a mulher cometer o crime para ocultar a sua desonra, a pena será a de prisão.


§ 4.º - O médico ou cirurgião ou farmacêutico que, abusando da sua profissão, tiver voluntariamente concorrido para a execução deste crime, indicando ou subministrando os meios, incorrerá respectivamente nas mesmas penas, agravadas segundo as regras gerais.

 

A lei é esta e não existe outra, salvo opinião contrária.

 

Por tudo quanto foi exposto nossa conclusão é única. Por um lado, o legislador justificou apenas a opção pela despenalização do aborto com argumentos legais. Não se preparou e muito menos preparou a sociedade para discussão da problemática do aborto, tudo por falta de um estudo profundo de impacto legislativo prévio, como mandam as boas práticas de feitura de lei, que acautelasse não só as questões legais e as melhores opções, mas acima de tudo as implicações culturais, religiosas, bioéticas, sociológicas e antropológicas que o tema envolve. Portanto, a questão do aborto ultrapassa a lei.

 

Por outro lado, o Estado é pessoa de bem e a sua vocação principal é proteger e defender o direito à vida dos seus membros, princípio e direito estruturante de qualquer Estado. Por isto, despenalizar o aborto significa cumplicidade do Estado na banalização e assassínio de pessoas humanas inocentes e que a história de Angola já mais apagará.