Luanda - Um grupo de mulheres angolanas, ao qual se juntaram alguns homens, marcharam hoje, em Luanda, de cartazes em punho e a grita palavras de ordem contra a criminalização do aborto, «um retrocesso sem precedentes» das conquistas já alcançadas.

Fonte: Lusa

Para exigir que aborto deixe de ser crime


«Voto ao aborto legal e seguro», «Sou livre, eu decido», «Não ao aborto clandestino», «Criminalizar mata», «Nem caixão nem prisão» podia-se ler em cartazes exibidos pelo grupo de mais de cem pessoas que aderiram à marcha, para pedir a despenalização do aborto, estabelecida na proposta do novo Código Penal angolano.

 

Em marcha lenta e protegido por um grande número de polícias, o grupo percorreu durante cerca de três horas um percurso de quase quatro quilómetros, entre o cemitério de Santa Ana e o Largo das Heroínas.

 

O protesto foi organizado por iniciativa da associação Ondjango Feministas, um movimento autónomo de mulheres que aborda questões sobre a mulher numa perspetiva de justiça.

 

Em declarações à imprensa, uma das porta-vozes da organização, Cisaltina Cutaia, manifestou satisfação pela adesão que teve o ato, apesar das críticas de que foram alvo na convocação da marcha por setores conservadores da sociedade angolana.

 

«Confesso que em alguns momentos tivemos medo e achamos que o conservadorismo prevalecesse, mas estamos muito satisfeitas com o número que conseguimos juntar aqui. Achamos que é uma expressão do que é que a sociedade pensa, particularmente as mulheres», frisou.

 

Segundo Cisaltina Cutaia, não é aceitável que sejam adotadas políticas penais para a resolução de problemas «que devem ser resolvidos com políticas públicas».

 

«As políticas públicas é que são as mais capazes para resolver problemas como este, o problema do aborto, que é um problema de saúde pública e é também um problema de justiça social, não é criminalizando a prática do aborto que se vai resolver o facto de que o aborto constitui a terceira maior causa de morte», frisou.

 

Por sua vez, Mónica Almeida, uma das organizadoras da marcha, referiu que apesar do adiamento da aprovação da proposta do Código Penal, em substituição do atual, de 1886, as mulheres vão continuar os seus esforços para que «o assunto não caia no esquecimento».

 

«Nós pretendemos que este assunto não caia no esquecimento, para que esta lei, que penaliza o aborto, não seja aprovada de forma clandestina, ou seja, queremos continuar a fazer mais barulho, queremos atingir a mais pessoas, para que elas estejam atentas, para que não haja aprovação de uma lei que a maioria não aprova», disse.

 

As mulheres ali presentes pedem a despenalização total do aborto, salientando que «não bastam as exceções», em casos de violações, risco de vida da mulher, má formação do feto, como apresentava a proposta inicial, «porque vai continuar a haver abortos clandestinos», disse Mónica Almeida.

 

A solidarizarem-se com o ato, estiveram presentes jovens ativistas, do processo conhecido por 15+2, julgados e condenados por atos preparatórios de rebelião e associação de malfeitores, em 2016 e entretanto amnistiados.

 

Em declarações à agência Lusa, o luso-angolano Luaty Beirão louvou a iniciativa das mulheres, defendendo uma discussão sobre o assunto, «uma coisa que não se faz» em Angola.

 

Para Luaty Beirão, trata-se de «um assunto que cabe sobretudo às mulheres», considerando que «a palavra final tem que ser da mulher e não do Estado».

 

«Simplesmente por solidariedade vim juntar-me, a minha mulher esteve na organização, e fico contento que tenha acontecido», disse.

 

Com o mesmo propósito, também se juntou à marcha Hitler Samussucro, integrante do processo 15+2, considerando a iniciativa um ato de cidadania.

 

«Vim aqui para me solidarizar com esta marcha, porque acho que antes aprovar qualquer lei devem consultar as pessoas, não só fazer passar leis sem antes ouvir as pessoas», referiu, acrescentando que aderiu ao protesto com otimismo de que tudo iria correr bem.