Luanda  - Pressionado por uma onda de contestação de mulheres angolanas, que se preparam para sair à rua hoje para protestar contra um novo código penal proibindo cabalmente o recurso ao aborto, o MPLA fez ontem marcha-atrás. Na sequência de uma reunião de um grupo de mulheres parlamentares com as promotoras da manifestação, o partido que detém a maioria na Assembleia, prepara-se agora para congelar a sua aprovação.


*Gustavo Costa
Fonte: Expresso

O próprio Secretariado do MPLA reconheceu o carácter fraturante deste tema, pois concluiu ser “uma receita explosiva misturar eleições com aborto”. Alguns analistas acham que o MPLA corre agora o risco de ver a UNITA tirar partido deste recuo junto da Igreja Católica que, monopolizando uma franja significativa de fiéis cujo voto é determinante para os partidos políticos, encostou à parede os defensores do aborto.

 

As manifestantes vão ao cemitério da Santa Anta homenagear as mulheres ali enterradas que foram vítimas de abortos clandestinos. Será uma manifestação de oposição à aprovação de uma lei que, segundo a jurista Ana Paula Godinho, significa “uma dupla violação: primeiro da própria lei e depois dos que presumivelmente a violam”. As manifestantes reivindicam a reposição do artigo 144 do antigo código penal colonial, que remonta a 1886!

 

“É urgente quebrar os tabus e que levantemos a voz a reivindicar o direito à escolha, à saúde e à autonomia”, defende a cantora Aline Frazão. Como ela, são milhares as mulheres angolanas que querem ver consagradas no novo código penal o direito “ à interrupção da gravidez quando realizada a pedido ou com o consentimento da mulher grávida, quando constitui o único meio para evitar perigo de morte ou quando se possa estar perante uma lesão grave e irreversível para a integridade física ou psíquica”.

PRÓ E CONTRA

A médica Helena Matilde, aponta o Estado como “o novo e principal impulsionador de um velho negócio: os abortos clandestinos”. Isabel dos Santos, filha do Presidente, também já tomou posição contra a criminalização do aborto. Porém, a defesa desta causa não vai ser fácil. As mulheres angolanas vão ter de enfrentar uma forte oposição da Igreja Católica. D. Manuel Imbamba, porta voz da CEAST-Conferência Episcopal de Angola e São Tomé — condena não só a “banalização” que o tratamento deste caso está a merecer, como considera as exceções ao aborto “um matadouro”.

 

Ignorando a natureza laica do Estado angolano, os partidos políticos parecem preferir ceder às exigências da Igreja Católica e de outras forças religiosas. O sociólogo Hernâni Chitembo diz que os partidos, movidos por interesses eleitoralistas, estão a utilizar algumas dessas congregações como “postos de abastecimento das suas urnas em agosto”.

 

Pela primeira vez na história do parlamento multipartidário de Angola e a reboque da Igreja Católica, o MPLA foi apoiado pela UNITA na aprovação da lei. A deputada da UNITA Mihaela Webba chegou a propor um referendo para legitimar a defesa de posições ainda mais radicais.

 

A juíza do Tribunal Constitucional, Teresinha Lopes, escreveu na sua página do Facebook: “Jovens e mulheres ricas, incluindo filhas e esposas dos deputados que defendem a lei, continuarão a fazer abortos nas melhores clínicas do país e do mundo”. A jurista chamou a atenção para “as mulheres pobres que continuarão a ser humilhadas e a morrer em lugares infetos e indignos”.