Luanda - Querido 2017, Como estás? Pensei que não fosse voltar a escrever-te depois da última missiva, mas preciso de desabafar… Sinto-me angustiado e sem saber bem qual a direcção a tomar e isto tem-me tirado horas de sono e também o apetite…

Fonte: Opais

Contava-te há três meses atrás que tínhamos tido problemas com o valor do preço de petróleo levando a que tivéssemos que ser parcimoniosos, pois bem a situação não melhorou e o dito valor oscila que é uma coisa doida, disseramme hoje que voltou a cair por causa do xisto, ainda não percebi muito bem o que isso é mas vou perguntar ao Soba e tenho a certeza que irá esclarecer.

 

O que sei é que a história da diversificação económica ainda tem muito pano para mangas pois se um país cresce com agricultura e indústria como se vai fazer se estamos há uns bons dias com problemas de energia e água? O meu vizinho Manucho explicou-me que isto é temporário pois está a finalizar-se um grande projecto, a barragem de Laúca, e que entrando em funcionamento lá para Julho o sistema de abastecimento vai melhorar.

 

Então eu pús-me a pensar se é só em Julho como ficamos até lá? E a agricultura e indústria ficam também à espera ou começam-se projectos prevendo um investimento inicial que tem que orçamentar “bidons” de combustível e cisternas de água até Julho e depois disso quantificam-se possíveis gastos da Ende e da Epal? Que são prestadoras de serviços eficientes como todos sabemos…

 

Outra maka mais, que tem deixado os mais velhos nervosos, foram umas mexidas na grelha de programação de uma operadora de televisão, uns dizem que é inadmissível pois os ditos canais que “tundaram” prestavam um serviço público ao país, pois segundo eles a nossa imprensa não diz as verdades, esquecem-se que a imprensa não é feita só de televisão e de que há outros meios nacionais que dizem as coisas mas não de forma sensacionalista e cheia de intenções subversivas.

 

Outros dizem tratar-se de um não tema pois existe uma outra operadora que continua a prestar o serviço, logo não há motivo para tanto “fuzuê”. Para mim, que sou pequeno nesses assuntos, parece-me importante que se há uma alteração no seu pacote de programas a operadora deve dar a conhecer aos seus clientes com alguma antecedência, dando-lhes o direito a ponderar e escolher se continuam ou não a usufruir dos seus serviços e não tomando posições unilaterais e sem aviso prévio. Fica mal e parece uma retaliação com estreitar de posições…

 

Falando em direito à escolha este Março Mulher está ao rubro pois encontra-se em discussão e possível aprovação uma lei que criminaliza o Aborto (interrupção voluntária da gravidez) deixando de ser excepção as situações em que a mulher foi vítima de violação ou má formação congénita do feto.

 

Ouvi a minha mãe a falar com a minha irmã e ambas travavam uma conversa acesa, a minha mãe debitava o que tinha aprendido com a sua mãe, avó e colegas da Igreja e a minha irmã que estuda em Luanda argumentava dizendo que a mulher deve ter o direito à escolha e a ser ouvida, pois o aborto clandestino representa uma das maiores causas de morte em África e que essa lei não beneficia quem não tem recursos e instrução…

 

A Nelita, a minha irmã, é uma jovem muito inteligente, mas fiquei sem perceber se a lei vai benefi ciar a quem, pois quando vou visitá-la a Luanda o que mais vejo são senhoras zungando com filhos nas costas e outro ainda na barriga parecendo-me que não existe um bom planeamento familiar e controlo de natalidade….

 

Deve ser por isso que as crianças de seis meses a um ano chegam aos hospitais com malnutrição grave ao ponto de serem necessárias quatro semanas para se recuperarem, a especialista dizia que esta situação ocorre porque há pobreza e porque muitas das vezes os mais pequenos são deixados aos cuidados dos irmãos mais velhos que também são pequenos não estando preparados para efectuar refeições condignas.

 

Quando li isto no jornal, lembrei-me do dia em que a Nelita contou-me que tinha ido visitar uma amiga à Centralidade do Kilamba e que ficou espantada com a quantidade de famílias que rondam os contentores do lixo, de manhã à noite. Dizia-me: “Eu e a Mary, Maria mas Mary em inglês tem mais estilo, conversávamos quando um menino pediunos do que comer, dizendo que vivia na rua desde que a sua mãe tinha falecido, a Mary deu-lhe um pão e uma banana mais um lençol para se tapar, e eu percebi que não é só no interior que existe fome e pobreza….

 

Sabes 2017, vamos ter eleições em breve e a pré-campanha ainda não iniciou oficialmente mas já começou, com apresentações oficiais dos candidatos cabeça- delista, com acusações de possível fraude no recenseamento, com intolerância para com a imprensa, acusada de privilegiar uns em detrimento de outros e com uma mistura entre o que é do foro governamental e o que é do foro partidário, é verdade que o Maioritário é o partido no governo, mas até que ponto se pode confundir isto em tempos de campanha eleitoral com membros que ainda não foram a votos? Esta carta já vai longa, percebes agora as minhas insónias?

 

Contudo não quero despedir-me sem te contar que após um comunicado ministerial o filme “As cinquentas Sombras Mais Negras” têm polícia nos estabelecimentos de cinema para verifi car se estão a ser cumpridas as regras no que concerne à idade dos cinéfi los, a ser verdade algo de muito grave se passa por cá e só me apetece dizer: “Quo Vadis Angola? “ Com Estima!