Lisboa - Tudo indica que os angolanos estão perante uma fraude iminente à Constituição provisória, na medida em que se pretende dilatar o processo de elaboração e aprovação da Constituição definitiva, para, de forma artificial, justificar o adiamento da eleição presidencial.

Associação Justiça, Paz e Democracia alerta a comunidade internacional para a estratégia do MPLA
 

O alerta vem da Associação Justiça, Paz e Democracia (AJPD) - organização que mais se tem destacado na defesa dos Direitos Humanos em Angola - que vai mais longe ao afirmar, com toda (e mais alguma razão), que a alteração das regras estabelecidas pela Constituição provisória (interina) para o processo constituinte em curso só pode ser feita com um novo formato de legitimação prévia, que implicaria nova negociação em que os partidos políticos teriam a mesma força negocial, e com debate público inclusivo da sociedade civil.

Em carta enviada recentemente à redacção do NL, a Associação Justiça, Paz e Democracia (AJPD) denuncia à comunidade nacional e internacional que o Presidente do MPLA e da República de Angola de orientar a condução do partido no poder e do Estado no sentido de violar Constituição provisória em vigor no que concerne ao modo de eleição do Chefe de Estado angolano. Assinada pelo seu presidente em exercício, Serra Bango, a missiva da AJPD, com a data de 23 de Maio de 2009, sustenta a acusação contra José Eduardo dos Santos com os quatro exemplos que se seguem:

1) Há anos que o actual Presidente da República tem violado o princípio geral de Direito que estabelece a incompatibilidade do mandato de Presidente da República com quaisquer outras funções privadas ao criar a Fundação José Eduardo dos Santos em pleno exercício do cargo, violando o artigo 2.º da LCA, que consagra o princípio do Estado de direito, do qual se deriva o princípio geral de direito da incompatibilidade do mandato presidencial com quaisquer outras funções privadas;

2) Há anos que não nomeia o Vice-Presidente do Tribunal Supremo, violando o artigo 66.º/h da LCA;

3) Recentemente, nomeou o Presidente da Assembleia Nacional como membro de uma Comissão para Acompanhar a Organização do CAN 2010 (Campeonato Africano das Nações), violando o princípio da separação de poderes, artigo 54.º/-c da LCA;

4) Há anos que não cumpre cabalmente a obrigação de «cumprir e fazer cumprir a Lei Constitucional», deixando praticar actos que violam a Constituição, sem se pronunciar sobre os mesmos. Por exemplo, os artigos 18.º e 4.º/3 da LCA e consequentemente da Lei de Imprensa têm sido violados pelos órgãos de comunicação social do Estado de forma sistemática e permanente no que concerne ao igual tratamento devido aos partidos políticos e à sociedade civil em contraposição ao Governo e ao MPLA.

A carta da AJPD prossegue em discurso directo e no seguintes termos: “A não marcação das eleições, nos termos do disposto na alínea k) do artigo 66.º da Constituição provisória em vigor, constitui uma prática inconstitucional: uma inconstitucionalidade por omissão. Só com fundamento em razões de força maior, como, por exemplo, uma guerra civil, uma calamidade pública de grande dimensão pode justificar-se a não realização das eleições.

Note-se, no entanto, que mesmo no período da guerra civil, subsequente às eleições de 1992, o actual Presidente da República, numa Conferência Internacional organizada pela Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto, anunciara aos angolanos e ao mundo que as eleições teriam lugar com ou sem a participação do líder de um partido armado ao tempo.

Preste-se atenção às sucessivas declarações de membros do MPLA, alguns dos quais nas vestes de académicos, que pouco depois das últimas eleições legislativas, veiculavam a tese de que as eleições legislativas tinham sido muito caras e por esta razão a eleição presidencial não deveria ter lugar no ano 2009.

Neste contexto, o presidente do MPLA anuncia a discussão da forma indirecta de eleição do Presidente da República, que não deve ter lugar por se tratar de um princípio que não pode ser alterado, por força do artigo 159.º da Constituição provisória em vigor, e ao mesmo tempo condiciona a convocação da eleição presidencial à aprovação da Constituição definitiva, sem nenhuma base constitucional ou legal.

Tudo indica que estaremos perante uma fraude à Constituição provisória, na medida em que se pretende dilatar o processo de elaboração e aprovação da Constituição definitiva, para, de forma artificial, justificar o adiamento da eleição presidencial.

O quadro legal dentro do qual se legitima o actual processo constituinte é a Constituição provisória em vigor. A actual Assembleia Constituinte e Ordinária está legitimada pelos artigos 88.º/-a e 158.º/1 da LCA; nos quais se prevê que a actual Assembleia Constituinte seja uma Assembleia Constituinte Soberana. Isto é, tem plena capacidade para elaborar e aprovar a Constituição da República de Angola. O que significar dizer que se exclui o Referendo Constituinte do formato do procedimento constituinte em curso.

O que deve ser feito é a abertura da Assembleia Constituinte às contribuições, críticas e sugestões, da sociedade civil e dos partidos políticos sem assento parlamentar, através do debate público sério, e da capacidade, inclusive, de apresentarem propostas parciais ou totais de Constituição. Processo, aliás, que havia já sido regulado, no processo entretanto falhado, pela Resolução n.º 22/99 de 27 de Agosto.

A alteração das regras estabelecidas pela Constituição provisória (interina) para o processo constituinte em curso só pode ser feita com um novo formato de legitimação prévia, que implicaria nova negociação em que os partidos políticos teriam a mesma força negocial, e com debate público inclusivo da sociedade civil.

Note-se que o actual processo constituinte é tributário do processo de negociação da transição política e constitucional iniciado em 1990 entre o MPLA e o Governo angolano, formatado pelo Acordo de Bicesse e, ulteriormente, pela Reunião Multipartidária, que fechava a consensualização das regras que informariam as eleições de 1992 e a feitura da Constituição definitiva da República de Angola.

O desenvolvimento mais aconselhável é a realização da eleição presidencial este ano, 2009, e caso seja necessário continuar o processo de elaboração e aprovação da Constituição definitiva, que tal seja feito sem que seja posto em causa a eleição presidencial.

* Jorge Eurico
Fonte: NL