Luanda - O MPLA tem conseguido, mal ou bem, vender a imagem de um partido coeso e disciplinado onde raramente despontam vozes que assumem publicamente alguma divergência de fundo com a sua direcção e muito particularmente com o seu líder, o Presidente José Eduardo dos Santos (JES).

Fonte: RA

Sabemos que estas divergências existem, mas para consumo da opinião pública e publicada, de facto muito pouco tem transpirado, embora os poucos que já disseram não à liderança de JES sejam destacados dirigentes, que acabam por ter um valor muito acima da média que tem vindo a caracterizar o nosso “mercado das transferências políticas”.


Se nos permitirem uma gracinha, diremos que têm sido “ muito poucos mas muito bons.”


O facto do MPLA ter conseguido conservar o poder, mantendo-se como o “partido-estado” ao longo destes mais de 40 anos de independência, explica em grande parte este nível relativamente baixo das suas tendências mais centrífugas, que marcaram a ferro e fogo os primeiros da República Popular.


Não temos hoje a menor dificuldade em admitir, que um MPLA a fazer uma “cura de oposição”, teria em termos de coesão e disciplina um outro desempenho, bem diferente do actual.


As fracturas escondidas de hoje que raramente se transformam em casos de dissidência, iriam certamente evoluir de uma forma mais exposta.


Se quisermos adiantar mais qualquer coisa a respeito, diríamos o que nos parece ser uma evidência, ou seja, que o segredo mais bem guardado do MPLA é ser um partido governante, que nunca experimentou até ao momento qualquer travessia no deserto e pelos vistos tudo fará para evitar que tal cenário algum dia venha a transformar-se em realidade.


Falar de oposição ao MPLA, mesmo só como hipótese, é daqueles assuntos que provoca de imediato uma intensa azia aos seus dirigentes.


Apesar de já ter abandonado a política activa, Lopo do Nascimento continua a suscitar um grande interesse da opinião pública e publicada, como se voltou a verificar agora com a entrevista concedida esta segunda-feira à TPA.


Isto acontece exactamente porque ele faz parte do restrito naipe de vozes afectas ao MPLA que tem assumido publicamente as suas divergências com o “pensamento do Camarada Presidente”.


Em relação a Lopo Nascimento, estamos recordados que depois daquele espectacular e estranho afastamento verificado no Congresso da FILDA, a certa altura até se chegaram a alimentar outras expecativas quanto a possibilidade dele vir a trilhar rumos mais independentes no âmbito de uma candidatura concorrente ao próprio JES.


Nada se veio a concretizar, porque também nenhum compromisso tinha sido assumido pelo próprio, para além do que se especulava a seu respeito.


Apeado da hierarquia partidária, Lopo fez a sua última travessia no deserto mantendo-se no parlamento como deputado do maioritário até ao último dia da sua carreira política.


Por iniciativa própria protagonizou na Assembleia Nacional uma despedida inédita para os “gostos e os feitios” de um partido que até então nunca tinha testemunhado um gesto tão independente de um militante seu.


Uma verdadeira afronta na opinião de alguns camaradas seus, por sinal até bem mais jovens.


Na entrevista de ontem à TPA que soube a muito pouco, mesmo assim, Lopo do Nascimento conseguiu uma vez mais pensar pela sua própria cabeça e dizer em voz alta o que muita gente no MPLA pensa mas não diz e se diz, é sempre no círculo restrito dos almoços, dos jantares e dos “kombas”.


A esta hora acreditamos que a sua crítica a possibilidade de JES se manter na liderança do MPLA depois de abandonar a Presidência da República, conforme deixou entender recentemente o porta-voz da Cidade Alta, Manuel Rabelais, já deve ser um dos temas mais debatidos entre os “camaradas”.

Esta bicefalia já será nesta altura o novo tabu dos camaradas, tendo como limite o ano 2018, altura em que JES se comprometeu com a sua retirada total da vida política activa.


Nesta altura como é fácil de perceber, tudo ainda está dependente dos resultados das eleições e da forma como o país deverá reagir no dia seguinte.


Não menos importante do que esta questão, foram as referências igualmente críticas feitas por Lopo do Nascimento a concentração de poderes na pessoa do PR, de acordo com o que está estatuído na CRA-2010, que, quer se queira quer não, foi feita com medidas exactas.


Tão exactas, que as “folgas” já começaram a aparecer só com a confirmação do facto do próximo candidatado do MPLA às eleições presidenciais, que agora são gerais, não se chamar mais José Eduardo dos Santos.