Luanda - Sem receio de errar nem de ser considerado um exagero, Caxala Neto, director e dono do semanário Visão, é o mais ingénuo que já vi em toda a (minha curta) vida. Em Maio de 2016, fiz, a seu pedido, a revisão linguística de um dos seus textos. Trata-se de uma notícia sobre o então ministro do Ensino Superior, Adão do Nascimento, apeado recentemente do cargo.

Fonte: Club-k.net

O referido texto foi eleito como a matéria de capa da 29.ª edição, com o título: “[Adão do Nascimento] Desafiou dos Santos, quer ser sócio de tudo – o mais corrupto dos ministros de Angola”.

 

Tamanho absurdo, digo, na medida em que os Ministérios do Interior, Defesa, Educação e Saúde são tidos e havidos como os mais corruptos, segundo uma pesquisa realizada pelo Centro de Integridade Pública (CIP). No texto, Caxala Neto acusa Adão do Nascimento de querer ser sócio de algo que não é do Estado, isto é, do Instituto Superior Politécnico Tocoísta (ISPT), acrescentando que “...evite, ministro. Não se mete em coisas que não são da sua idade nem do seu nível, é pecado”.

 

Acusa-o ainda de já ter tentado fazer o mesmo com a Igreja Bom Deus, do apóstolo Simão Lutumba, quando era secretário de Estado do Ensino Superior adjunto. No entanto, Cândida Teixeira, na altura ministra do Ensino Superior, segundo a notícia de Caxala Neto, não permitiu.

 

“O ministro ordenou o encerramento dos cinco cursos, nomeadamente Química, Física, Bioquímica e Enfermagem, por causa dos laboratórios que não estão montados”, acusa o texto de Caxala, acrescentando que “O Instituto Superior Politécnico Tocoísta tem um processo de preenchimento de laboratórios que, pela conjuntura que o país vive, é impossível os estudantes usarem agora, mas usarão no 3.º ano. A igreja, através da entidade promotora, já efectuou a aquisição de todo o equipamento concernente aos laboratórios, sendo que uns já estão equipados, faltando apenas alguns detalhes. O ISPT é uma das instituições que começaram tarde as suas aulas por causa do capricho do senhor Adão do Nascimento, actual inquilino do Ensino Superior, mas em breve vai ser guindado para calendas gregas”.

 

Em reacção à notícia difamatória, fútil e sem contraditório, o ex-ministro do Ensino Superior, Adão do Nascimento, abriu, em Maio, na Direcção Nacional de Investigação e Acção Penal (DNIAP) da Procuradoria-Geral da República (PGR), o processo n.º 37/16. No entanto, somente em Janeiro do corrente ano, a DNIAP notificou Caxala Neto e Bernardo Mpinto, a pessoa que supostamente escreveu o texto, para interrogatório, uma vez que estava assinado pelo segundo.

 

Pasma-se que nem um super-homem Caxala foi à DNIAP sozinho, tendo o procurador, ao ver a ausência de Bernardo Mpinto, o suposto autor do texto, perguntado a respeito, ao que o sujeito respondeu: “Bernardo morreu”. “Morreu?!”, duvida, espantado, o procurador. “Sim, morreu”, insistiu Caxala, achando que, dizendo ao magistrado que Bernardo está morto, o caso ficaria por aí. Fazendo alusão à psicologia criminal, o homem do Ministério Público concluiu que o “madié” estava a mentir, visto que Caxala não precisou a doença de que Bernardo faleceu, assim como o dia, mês, entre outras coisas.

 

Por outro lado, não dispõe de boletim de óbito, embora tenha dito que foi um dos familiares de Bernardo que lhe deu a conhecer sobre o falecimento, familiar esse que não conseguiu dizer se é primo, filho, neto, pai, mãe, avô, enteado, enfim. Quanto à documentação do repórter, afirmou que o seu jornal, Visão, não dispõe de arquivo e, assim sendo, nunca teve acesso a nenhum documento de Bernardo. Brincadeira bem ao estilo do palhaço que brinca de jornalista!

Como é possível admitir, numa empresa, alguém sem documentação? Como? Como? Como? Não sabe nem mesmo mentir, hein! É uma vergonha! Que ingenuidade! Não sabe ele que prestar falsas declarações é crime? Alguém que frequentou direitinho a escola, mesmo que tivesse sido somente até à 3.ª classe, procederia dessa forma, amigos? Queria acreditar que não, mas Caxala, que se diz (de boca cheia) licenciado em Comunicação Social pela Universidade Agostinho Neto (UAN), fê-lo (pasmem!).

 

Embora o procurador já tivesse percebido que o referido jornalista estava a mentir, perguntou quem editou o jornal naquele dia. “Foi o Bernardo Mpinto”, mentiu pela segunda vez, acrescentando que, na edição 29, este tinha trabalhado como editor e eu, Alberto Sebastião, como revisor, alegando que eu podia confirmar isso. Dada a falsa declaração a meu respeito, a DNIAP, na pessoa da sua directora, Dra. Júlia Rosa de Lacerda Gonçalves, magistrada do Ministério Público, optou por me notificar, para prestar declarações sobre o assunto.

 

Depois de Caxala ter tido este comportamento reprovável para comigo, ligou-me, perguntando-me pela minha localização, dizendo-me gostaria de falar comigo pessoalmente, com urgência. Eu, nesse dia, estava no Instituto Superior de Ciências da Educação (ISCED). Em suma, disse onde me encontrava e, tão logo eu saísse, iria ao encontro dele.

 

Nesse mesmo dia, quando saí, fui, conforme combinado, ao encontro dele. Desci à frente do Instituto Superior Politécnico Tocoísta (ISPT), liguei, ao que me atendeu e me pediu que aguardasse. Passados cerca de três minutos, ele e um dos seus repórteres, Belchior Resende, apareceram, de carro, e entrei na viatura. O carro, convém ressalvar, é do repórter atrás citado. Daí, fomos à procura de algumas lojas para, segundo Caxala Neto, comprar cadeiras para a sua mais nova redacção.

 

Ao longo do percurso, disse-me que vinha da Procuradoria-Geral da República, onde foi submetido a interrogatório, em virtude da matéria de capa sobre o ministro do Ensino Superior, Adão do Nascimento. Informou-me que, em interrogatório, o procurador lhe perguntou pela pessoa encarregada da revisão linguística do texto, isto é, eu.

 

“Littera, se a PGR ligar para ti, no sentido de prestar declarações, diga que o Bernardo Mpinto morreu. Diga que morreu na fronteira do Congo”, disse-me dentro do carro e o Belchior Resende, dono do veículo, é testemunha. Perante isso, eu perguntei “Porquê, kota?”. Ele, em resposta, disse: “Porque o procurador quer a presença do Bernardo Mpinto, por isso, se ele te perguntar a algo a esse respeito, diga que morreu”, disse, acrescentando que: “diga que morreu. Se não disseres isso, Littera, estou mal. O procurador até me pediu o teu número, mas eu disse-lhe que não o tenho. No entanto, disse-lhe que, em breve, tu voltarás a trabalhar comigo e que podes ser localizado”.

 

“Não posso. Eu não o conheço e tu sabes disso, kota. Não posso prestar falsas declarações”, respondi-lhe. Em reacção à minha resposta, disse: “Littera, não complica as coisas. Estou a te instruir. Diga apenas o que estou a te dizer. Do contrário, estragas tudo”. Que absurdo, hein! Coagir alguém a fim de prestar falsas declarações é instrução? Sinceramente!

Como sei que prestar falsas declarações constitui crime e tem consequências graves, neguei. Não obstante isso, ele continuou a coagir-me, mas já na redacção (no seu gabinete), nestes termos: “Littera, como vais responder às perguntas do procurador, se ele te perguntar sobre o Bernardo Mpinto? Como vais responder, Littera? Diga-me”, insistia.


Eu jamais prestaria falsas declarações. Sim, porque é crime e tem consequências graves.

 

Numa quinta-feira, voltou a ligar-me, dizendo, como sempre, que gostaria de falar comigo pessoalmente. E, para isso, eu teria de ir ao encontro dele na redacção. Lá, voltou a coagir-me nos seguintes termos: “Littera, a PGR vai, a qualquer momento, te contactar”, disse-me. “Como assim? Deste o meu contacto?”, questionei. “Não, Littera. Eles disseram que vão mandar uma notificação para ti, na qualidade de revisor, lá ires depor. Por isso, vão mandar uma notificação. Como te disse, se te perguntarem a respeito do Bernardo, diga que morreu. Diga que ele existiu, mas está morto”, coagiu-me.

 

Na quinta-feira, 26 de Janeiro, recebi uma chamada dele, dizendo-me que já tinha em mãos a notificação da PGR, de que ele me falara. “Está bem, kota. Irei somente aí para pegar a notificação e, na segunda-feira, dia 30, irei à DNIAP depor”, respondi-lhe. “Certo, Littera. Mas, antes, tenho de te dar algumas dicas. Por isso, passa aqui”, disse-me.

 

Sem mais demora, fui até à redacção dele. Lá, para o meu espanto, continuou a coagir-me nestes termos: “Littera, como te disse, tens de dizer ao procurador que o Bernardo não existe. Se te perguntar se ele existiu, diga que sim, mas que já morreu”, disse, acrescentando o seguinte: “Se o procurador perguntar quem foi o editor da edição, diga que foi o Bernardo. Diga que tu, Alberto, trabalhaste na edição como revisor e ele, isto é, o Bernardo, como editor”.

 

“Diga que eu, Caxala Neto, te entreguei o ficheiro de textos e, depois, fui-me embora. Mas tu e o Bernardo permaneceram na redacção. Diga também que, depois de reveres todos os textos, deixaste o Bernardo lá e foste embora. Se te perguntarem algo a respeito do paginador, não diga nada. Aliás, diga que cabe à direcção do jornal responder a esta pergunta. Diga que não o conheces”, coagiu-me.

 

Eu, Littera, não conheço o suposto Bernardo. Nunca o vi nem nunca ouvi falar, não conheço a sua estrutura física, ou seja, se é preto, castanho, mulato, gordo, feio, cabeçudo, enfim. Nunca, em tempo algum, Caxala Neto me apresentou o gajo. Aliás, o texto foi-me enviado (por e-mail e já assinado) pelo Caxala, e não pelo Bernardo Mpinto, suposto autor da matéria. Portanto, não o conheço. Se existe ou não, eu não sei.

 

Outrossim, esse tal de Bernardo nem consta da ficha técnica do Visão, assim como assinou somente aquele texto, sendo que, nas edições anteriores e actuais, não existem textos assinados por ele. Caxala Neto prestou falsas declarações a meu respeito. Vou, portanto, processá-lo por isso e, também, por me tentar coagir, antes do meu interrogatório, a prestar falsas declarações.

 

Não houve (e nunca haverá) acordo mútuo entre mim e ele ou qualquer outra pessoa neste sentido. E, por mais que ele me tente coagir, não vou colaborar. O texto em causa foi-me dado pelo senhor Caxala Neto e não pelo suposto Bernardo Mpinto. Recebi o texto dado por Caxala e, depois de ver os aspectos ortográficos e de pontuação, devolvi-o à pessoa que me entregara, isto é, o senhor Caxala Neto.

*Sobre o autor:

Littera-Lu, pseudónimo literário de Alberto Sebastião, é licenciando em Ensino da Língua Portuguesa, pelo Instituto Superior de Ciências da Educação (ISCED) de Luanda, e é um dos mais lidos e respeitados autores da secção Gramática e Ortografia do Recanto das Letras, Brasil.


Em 16 de Julho de 2016, “comandou” um grupo de estudiosos, estudantes e professores de língua portuguesa e promoveu, em Luanda, uma marcha (manifestação) atinente ao preconceito linguístico e à petição da reedição e revisão do livro Ensaboado & Enxaguado – Língua Portuguesa & Etiqueta, de José Carlos de Almeida, tendo a manifestação causado grande repercussão, levando muitos órgãos de comunicação social, como a Rádio Despertar, Club K, revista Yetewne, o blog Angola, Ideias & Debates e TV Zimbo a noticiarem o caso.


Littera-Lu e o seu grupo foram muito criticados por terem realizado aquela manifestação, pois, na altura, Angola enfrentava (e ainda enfrenta) uma crise e, portanto, havia escassez de divisas, de modo que o preço da cesta básica subiu. Por isso – defendiam os críticos – em vez de manifestarem contra o preconceito linguístico, deveriam manifestar contra a subida do preço do pão, combustível, propinas escolares, baixo salário, enfim.
É jornalista, tendo passado por redacções de ‘n’ jornais semanais de informação, desempenhando nalguns a função de colunista, repórter e noutros, a de revisor linguístico de notícias (Jornal O Crime, A República, Agora).


Em 2015, manteve, no jornal A República, uma rubrica denominada «Corrigindo o Ensaboado & Enxaguado», tendo o autor do livro Ensaboado & Enxaguado – Língua Portuguesa & Etiqueta, José Carlos de Almeida, ameaçado levá-lo à barra do tribunal.