Luanda - A Cidade é só uma parte do conjunto econômico, social e político que constitui a região. Raramente a unidade administrativa coincide com a unidade geográfica, ou seja, com a região, e o recorte territorial administrativo das cidades pode ser arbitrário desde o início ou poderá vir a ser posteriormente, quando, em decorrência do seu crescimento, a aglomeração principal unir-se à outras comunidades. Esse recorte artificial se opõe a uma boa gestão do novo conjunto. De fato, certas comunidades suburbanas podem vir adquirir de forma inopinada se quisermos um valor imprevisível e, positivo ou negativo, tanto se tornando sede de residências luxuosas, quanto acolhendo centros industriais dinâmicos, ou na reunião de miseráveis populações operária, camponesa e comerciante, sobretudo. Os limites administrativos como, por exemplo, o aço que compartimenta o complexo urbano tornando-o então paralisante.

Uma aglomeração constitui o núcleo vital de uma extensão geográfica cujo limite é constituído pela zona de influência de uma outra aglomeração. As suas condições vitais são determinadas pelas vias de comunicação que asseguram as suas trocas e ligando-se intimamente na sua zona particular. Só se pode enfrentar um problema de urbanismo quando nos referirmos de forma desapaixonada acerca dos elementos constitutivos da região e, principalmente, da sua geografia, que deve ser chamada à desempenhar um papel determinante nesta questão, tendo as linhas de divisão de águas, morros vizinhos desenhados os contornos natural confirmado pelas vias de circulação, naturalmente inscritas no solo.

Nenhuma actuação, pode ser considerada se não for ligada ao destino harmonioso da região, pelo plano da cidade pode ser um dos elementos do todo constituído pelo plano regional. 


Sobreposto ao econômico, ao social e ao político, os valores de ordem psicológica e fisiológica são próprias do ser humano, devendo introduzir nos nossos debates acadêmicos, preocupações de ordem individual e de ordem coletiva. A vida só se desenvolve na medida em que são conciliados os dois princípios contraditórios que regem a personalidade humana: o individual e o coletivo.

Isolado, o homem sente-se desarmado; por isso liga-se espontaneamente a um grupo. Entregue somente as suas forças, ele nada construiria além de sua choça e levaria, na insegurança, uma vida submetida a perigos e a fadigas agravados

por todas as angústias da solidão. Incorporado ao grupo, ele sente pesar sobre si o constrangimento de disciplinas inevitáveis, mas, em troca, fica protegido em certa medida contra a violência, a doença, a fome: pode aspirar a melhorar

sua moradia e satisfazer também sua profunda necessidade de vida social. Transformado em elemento constitutivo de uma sociedade que o mantém, ele colabora direta ou indiretamente nas mil atividades que asseguram sua vida fisica e desenvolvem sua vida espiritual. Suas iniciativas tornam-se mais frutíferas, e sua liberdade, melhor defendida, só se detém onde ameace a de outrem. Se os empreendimentos do grupo são sábios, a vida do indivíduo é ampliada e enobrecida. Se a preguiça, a estupidez e o egoísmo o assolam, o grupo, enfraquecido e entregue à desordem, só traz a cada um de seus membros rivalidades, rancor e desencanto. Um plano é sábio quando permite uma colaboração frutífera, propiciando ao máximo a liberdade individual. Irradiação da pessoa no quadro do civismo.

3 - Essas constantes psicológicas e biológicas sofrerão a influência do meio: situação geográfica e topográfica, situação econômica e política. Primeiramente, da situação geográfica e topográfica, o caráter dos elementos água e terra, da natureza. do solo, do clima.

A geografia e a topografia desempenham um papel considerável no destino dos homens. Não se pode esquecer jamais que o sol comanda, impondo sua lei a todo empreendimento cujo objetivo seja a salvaguarda do ser humano. Planícies, colinas e montanhas contribuem também para modelar uma sensibilidade e colinas e determinar uma mentalidade. Se o montanhês desce voluntariamente para a planície, o homem da planície raramente sobe os vales e dificilmente transpõe os desfiladeiros. Foram os cumes dos montes que delimitaram as áreas de aglomeração onde, pouco a pouco, reunidos por costumes e usos comuns, os homens se constituíram em povoações. A proporção dos elementos água e terra, quer atue na superfície, opondo as regiões lacustres ou fluviais às extensões de estepes, quer se expresse em densidade, produzindo aqui gordos pastos e, ali, pântanos ou desertos, conforma, ela também, atitudes mentais que se inscreverão nos empreendimentos e encontrarão sua expressão na casa, na aldeia ou na cidade. Conforme a incidência do sol na curva meridiana, as estações se contrapõem brutalmente ou se sucedem em passagens imperceptíveis e, ainda que em sua esfericidade contínua, de parcela em parcela, a Terra não experimente ruptura, surgem inúmeras combinações, cada uma das quais com seus caracteres particulares. Enfim as raças, com suas religiões ou suas filosofias variadas, multiplicam a diversidade dos empreendimentos e cada uma propõe seu modo de ver e sua razão de viver pessoais. 


4 - Em segundo lugar, da situação econômica. Os recursos da região, contatos naturais ou artificiais com o exterior...

A situação econômica, riqueza ou pobreza, é uma das grandes forças da vida, determinando-lhe o movimento na direção do progresso ou da regressão. Ela desempenha o papel de um motor que, de acordo com a força de sua pulsações, introduz a, prodigalidade, aconselha a prudência ou impõe a sobriedade; ela condiciona as variações que traçam a história da aldeia, da cidade ou do país. A cidade cercada por uma região coberta de cultivos tem seu abastecimento assegurado. Aquela que dispõe de um subsolo precioso se enriquece com matérias que lhe servirão como moeda de troca, sobretudo se ela é dotada de uma rede de circulação suficientemente abundante para permitir-lhe entrar em contato útil com seus vizinhos próximos ou distantes. A tensão da engrenagem econômica, embora dependa em parte de circunstâncias invariáveis, pode ser modificada a cada momento pelo aparecimento de forças imprevistas, que o acaso ou a iniciativa humana podem tornar produtivas ou deixar inoperantes. Nem as riquezas latentes, que é preciso querer explorar, nem a energia individual têm caráter absoluto. Tudo é movimento, e o econômico, afinal, é sempre um valor momentâneo.


5 - Em terceiro lugar, da situação política, sistema administrativo. Fenômeno mais variável do que qualquer outro, sinal da vitalidade do país, expressão de uma sabedoria que atinge seu apogeu ou já toca seu declínio. Se a política é de natureza essencialmente variável, seu, fruto, o sistema administrativo, possui uma estabilidade natural que lhe permite, ao longo do tempo, uma permanência maior e não autoriza modificações muito freqüentes. Expressão da dinâmica política, sua duração é assegurada por sua própria natureza e pela própria força das coisas. É um sistema que, dentro de limites bastante rígidos, rege uniformemente o território e a sociedade, impõe-lhes seus regulamentos e, atuando regularmente sobre todos os meios de comando, determina modalidades uniformes de ação em todo o país. Esse quadro econômico e político, cujo valor embora tenha sido confirmado pelo uso durante um certo período, pode ser alterado a qualquer instante em uma de suas partes, ou em seu conjunto. Algumas vezes, basta uma descoberta científica para provocar uma ruptura de equilíbrio, para fazer surgir a incompatibilidade entre o sistema administrativo de ontem e as imperiosas realidades de hoje. Pode ocorrer que algumas comunidades, que souberam renovar seu quadro particular, sejam asfixiadas pelo quadro geral do país. Este último pode, por sua vez, sofrer diretamente a investida das grandes correntes mundiais. Não há quadro administrativo que possa pretender a imutabilidade.


6 - No decorrer da História, circunstâncias particulares determinaram as características da cidade: defesa militar, descobertas científicas, administrações sucessivas, desenvolvimento progressivo das comunicações e dos meios de transporte (rotas terrestres, fluviais e marítimas, ferroviárias e aéreas).

A história está inscrita no traçado e na arquitetura das cidades. Aquilo que deles subsiste forma o fio condutor que, juntamente com os textos e os documentos gráficos, permite a representação de imagens sucessivas do passado. Os motivos que deram origem às cidades foram de natureza diversa. Por vezes era o valor defensivo. E o alto de um rochedo ou a curva de um rio viam nascer um pequeno burgo fortificado. Ás vezes, era o cruzamento de duas rotas, unia cabeça de ponte ou uma baía do litoral que determinava a localização do primeiro estabelecimento. A cidade era de formato incerto, mais freqüentemente em círculo ou semicírculo. Quando era uma cidade de colonização, organizavam na como um acampamento, com eixos de ângulos retos e cercada de paliçadas retilíneas. Tudo nela era ordenado segundo a proporção, a hierarquia e a conveniência. Os caminhos partiam dos portões da muralha e estendiam-se obliquamente na direção de alvos distantes. Podemos encontrar ainda no desenho das cidades o primeiro núcleo compacto do burgo, as muralhas sucessivas e o traçado dos caminhos divergentes. As pessoas aí se aglomeravam e encontravam, conforme o grau de civilização, uma dose variável de bem-estar. Aqui, regras profundamente humanas ditavam a escolha dos dispositivos; ali, constrangimentos arbitrários davam origem a injustiças flagrantes. Sobreveio a era do maquinismo. A uma medida milenar, que se poderia crer imutável, a velocidade do passo humano, somou-se uma medida em plena evolução, a velocidade dos veículos mecânicos. 


7 - As razões que presidem o desenvolvimento das cidades estão, portanto, submetidas a mudanças contínuas.Aumento ou redução de uma população, prosperidade ou decadência da cidade, demolição de muralhas que se tornaram asfixiantes, novos meios de transporte ampliando a zona de trocas, benefícios ou malefícios de uma política escolhida ou suportada, aparecimento do maquinismo, tudo é movimento. À medida que o tempo passa, os valores

indubitavelmente se inscrevem no patrimônio de um grupo, seja ele cidade, país ou humanidade; a vetustez, não obstante, atinge um dia todo conjunto de construções ou de caminhos. A morte atinge tanto as obras como os seres.

Quem fará a discriminação entre aquilo que deve subsistir e aquilo que deve desaparecer?

O espírito da cidade formou-se no decorrer dos anos; simples construções adquiriram um valor eterno na medida em que simbolizam a alma coletiva; constituem o arcabouço de uma tradição que, sem querer limitar a amplitude dos progressos futuros, 


condiciona a formação do indivíduo, assim como o clima, a região, a raça, o costume. Por ser uma pequena pátria, a

cidade comporta um valor moral que pesa e que lhe está indissoluvelmente ligado. 


8 - O advento da era da máquina provocou imensas perturbações no comportamento dos homens, em sua distribuição sobre a terra, em. seus empreendimentos, movimento desenfreado de concentração nas cidades a

favor das velocidades mecânicas, evolução brutal e universal sem precedentes na História. O caos entrou nas cidades. O emprego da máquina subverteu condições de trabalho. Rompeu um equilíbrio milenar, aplicando um golpe fatal no artesanato, esvaziando o campo, entupindo as cidades e, ao desprezar harmonias seculares, perturbando as relações naturais que existiam entre a casa e o locais de trabalho. Um ritmo furioso associado a uma precariedade desencorajante desorganiza as condições de vida, opondo-se ao ajuste das necessidades fundamentais. As moradias abrigam mal as famílias, corrompem sua vida íntima, e o desconhecimento das necessidades vitais, tanto físicas quanto morais, traz seus frutos envenenados: doença, decadência, revolta. O mal é universal, expresso, nas cidades, por um congestionamento que as encurrala na desordem e, no campo, pelo abandono de numerosas terras. 

 

ESTADO ATUAL - CRÍTICO DAS CIDADES

HABITAÇÃO

OBSERVAÇÕES

9 - No interior do núcleo histórico das cidades, assim como em determinadas zonas de expansão industrial do século XIX, a população é muito densa (chega a mil e até mil e quinhentos habitantes por hectare). 


A densidade, relação entre as cifras da população, e a superfície que ela ocupa, pode ser totalmente modificada pela altura dos edifícios. Até então, porém, a técnica de construção tinha limitado a altura das casas a aproximadamente seis

pavimentos. A densidade admissível para as construções dessa natureza é de 250 a 300 habitantes por hectare. Quando essa densidade atinge, como em vários bairros, 600, 800 e até 1000 habitantes, tem-se o cortiço, caracterizado pelos seguintes sinais: 


1 - Insuficiência de superfície habitável por pessoa;

2 - Mediocridade das aberturas para o exterior;

3 - Ausência de sol (orientação para o norte ou conseqüência da sombra projetada na rua ou no pátio);

4 - Vetustez e presença permanente de germes mórbidos (tuberculose);

5 - Ausência ou insuficiência de instalações sanitárias;

6 - Promiscuidade proveniente das disposições internas da moradia, da má orientação do imóvel, da presença de vizinhanças desagradáveis.

O núcleo das cidades antigas, cerceado pelas muralhas militares, era em geral cheio de construções comprimidas e privadas de espaço. Mas, em compensação, ultrapassada a porta da muralha, os espaços verdes eram imediatamente acessíveis, dando às proximidades um ar de qualidade. Ao longo dos séculos, foram sendo acrescentados anéis urbanos, substituindo a vegetação pela pedra e destruindo as superfícies verdes, pulmões da cidade. Nessas condições, as altas densidades significam o mal-estar e a doença em estado permanente.

10 - Nos setores urbanos congestionados, as condições de habitação são nefastas pela falta de espaço suficiente destinado à moradia, pela falta de superfícies verdes disponíveis, pela falta, enfim, de conservação das construções (exploração baseada na especulação). Estado de coisas ainda agravado pela presença de uma população com padrão de vida muito baixo, incapaz de adotar, por si mesma, medidas defensivas (a mortalidade atinge até vinte por cento). É o estado interior da moradia que constitui o cortiço, cuja miséria, entretanto, é prolongada no exterior pela estreiteza das ruas sombrias e total falta de espaços verdes, criadores de oxigênio e que seriam tão propícios aos folguedos das crianças. A despesa comprometida numa construção erguida há séculos foi amortizada há muito tempo; tolera-se, todavia que aquele que a explora possa considerá-la ainda, sob forma de moradia, uma mercadoria negociável. Ainda que seu valor de habitabilidade seja nulo, ela continua a fornecer, impunemente e às expensas da espécie, uma renda importante. Condenar-se-ia um açougueiro que vendesse carne podre, mas a legislação permite impor habitações podres às populações pobres. Para o enriquecimento de alguns egoístas, tolera-se que uma mortalidade assustadora e todo tipo de doenças façam pesar sobre a coletividade uma carga esmagadora.


11 - O crescimento da cidade devora progressivamente as superfícies verdes limítrofes, sobre as quais se debruçavam as sucessivas muralhas. Esse afastamento cada vez maior dos elementos naturais aumenta proporcionalmente a desordem higiênica.


Quanto mais a cidade cresce, menos as "condições naturais" são nela respeitadas. Por "condições naturais" entende-se a presença, em proporção suficiente, de certos elementos indispensáveis aos seres vivos: sol, espaço, vegetação. Uma expansão sem controle privou as cidades desses alimentos fundamentais, de ordem tanto psicológica quanto fisiológica.

O indivíduo que perde contato com a natureza é diminuído e paga caro, com a doença e a decadência, uma ruptura que enfraquece seu corpo e arruína sua sensibilidade, corrompida pelas alegrias ilusórias da cidade. Nessa ordem de idéias, a medida foi ultrapassada no decorrer dos últimos cem anos, e essa não é a causa menor da penúria pela qual o mundo se encontra presentemente oprimido.

12 - As construções destinadas à habitação são distribuídas pela superfície da cidade em contradição com os requisitos da higiene. O primeiro dever do urbanismo é pôr-se de acordo com as necessidades fundamentais dos homens. A saúde de cada um depende, em grande parte, de sua submissão às "condições naturais". O sol, que comanda todo crescimento, deveria penetrar no interior de cada moradia, para espalhar seus raios, sem os quais a vida se estiola. O ar, cuja qualidade é assegurada pela presença da vegetação, deveria ser puro, livre da poeira em suspensão e dos gases nocivos. O espaço, enfim, deveria ser distribuído com liberalidade. Não nos esqueçamos de que a sensação de espaço é de ordem psicofisiológica e que a estreiteza das ruas e o estrangulamento dos pátios criam uma atmosfera tão insalubre para o corpo quanto deprimente para o espírito. O 4o Congresso CIAM, realizado em Atenas, chegou ao seguinte postulado: O sol, a vegetação, o espaço são as três matérias-primas do urbanismo. A adesão a esse postulado permite julgar as coisas existentes e apreciar as novas propostas de um ponto de vista verdadeiramente humano. 


13 - Os bairros mais densos se localizam nas zonas menos favorecidas (encostas mal orientadas, sectores invadidos por nevoeiros, por gases industriais passíveis de inundações etc.). 


Nenhuma legislação interveio ainda para fixar as condições habitação moderna, que devem não somente assegurar a proteção da pessoa humana mas também dar-lhe meios para um aperfeiçoamento crescente. Assim, o solo urbano, os bairros residenciais as moradias são distribuídos segundo a circunstância, ao sabor dos interesses mais inesperados e, às vezes, mais baixos. Um geômetra municipal não hesitará em traçar uma rua que privará de sol milhares de casas. Certos edis, infelizmente, acharão natural destinar à instalação de um bairro operário uma zona até então negligenciada porque as névoas a invadem, porque a umidade é excessiva ou porque os mosquitos nela pululam. Ele considerará que uma encosta voltada para o norte, que, em decorrência de sua orientação, nunca atraiu ninguém, que um terreno envenenado pela fuligem, pela fumaça de carvão, pelos gases, deletérios de alguma indústria, às vezes ruidosa, será sempre bom o bastante para acomodar as populações desenraizadas e sem vínculos sólidos, a que chamamos de mão-de-obra comum.

14 - As construções arejadas (habitações ricas) ocupam as zonas favorecidas, ao abrigo dos ventos hostis, com vista e espaços graciosos dando para perspectivas paisagísticas, lagos, mar, montes, etc. ... e com uma insolação

abundante.

As zonas favorecidas são geralmente ocupadas pelas habitações de luxo; prova-se assim que as aspirações instintivas do homem o induzem, sempre que seus recursos lhe permitem, a procurar condições de vida e uma qualidade de bem estar cujas raízes se encontram na própria natureza.


15 - Essa distribuição parcial da habitação é sancionada pelo uso e por disposições edílicas que se consideram justificadas: o zoneamento.

O zoneamento é a operação feita sobre um plano de cidade com o objetivo de atribuir a cada função e a cada indivíduo seu justo lugar. Ele tem por base a discriminação necessária entre as diversas atividades humanas, cada uma das quais reclama seu espaço particular: locais de habitação, centros industriais ou comerciais, salas ou terrenos destinados ao lazer. Mas se a força das coisas diferencia a habitação rica da habitação modesta, não se tem o direito de transgredir as regras que deveriam ser sagradas, reservando só para alguns favorecidos da sorte o benefício das condições necessárias para uma vida sadia e ordenada. É urgente e necessário modificar certos usos. É preciso tornar acessível para todos, por meio de uma legislação implacável, uma certa qualidade de bem-estar, independente de qualquer questão de dinheiro. É

preciso impedir, para sempre, por uma rigorosa regulamentação urbana, que famílias inteiras sejam privadas de luz, de ar e de espaço.


16 - As construções edificadas ao longo das vias de ao redor dos cruzamentos são prejudiciais à habitação:

barulhos, poeiras e gases nocivos. Se se quiser levar em consideração esta interdição, atribuir-se-á, doravante, zonas independentes à habitação e à

circulação. A casa, então não estará mais unida à rua por sua calçada. A habitação se erguerá em seu meio próprio, onde gozará de sol, de ar puro e de silêncio. A circulação se desdobrará por meio de vias de percurso lento para o uso de pedestres, e de vias de percurso rápido para o uso de veículos. Cada uma dessas vias desempenhará sua função, só se aproximando ocasionalmente da habitação.

17 – O alinhamento tradicional das habitações à beira das ruas só garante insolação a uma parcela mínima das moradias. 

 

O alinhamento tradicional dos imóveis ao longo das ruas acarreta urna disposição obrigatória do volume construído. Ao serem cortadas, ruas paralelas ou oblíquas desenham superfícies quadradas ou retangulares, trapezoidais ou triangulares, de capacidades diversas que, uma vez edificadas, constituem os "blocos". A necessidade de iluminar o centro desses blocos engendra pátios internos de dimensões variadas. As regulamentações edílicas deixam, infelizmente, àqueles que buscam o lucro, a liberdade de restringir esses pátios a dimensões verdadeiramente escandalosas. Chega-se então a este

triste resultado: uma fachada em quatro, seja ela voltada para a rua ou para o pátio, está orientada para o norte e não conhece o sol, enquanto as outras três, em conseqüência da estreiteza das ruas, dos pátios e da sombra projetada disso

resultante, são também parcialmente privadas de sol. A análise revela que nas cidades, a proporção de fachadas não ensolaradas varia entre a metade e três quarto total. Em certos casos, essa proporção é ainda mais desastrosa. 


18 - É arbitrária a distribuição das construções de uso coletivo dependente da habitação. A moradia abriga a família, função que constitui por si só todo um programa e coloca um problema cuja solução – que outrora já foi, por vezes, feliz – está hoje entregue, em geral, ao acaso. Mas a família reclama ainda a presença de instituições que, fora da moradia e em suas proximidades, sejam seus verdadeiros prolongamentos. São elas: centros de abastecimento, serviços médicos, creches, jardins de infância, escolas, às quais se somarão organizações intelectuais e esportivas destinadas a proporcionar aos adolescentes a possibilidade de trabalhos ou de jogos adequados à satisfação

das aspirações próprias dessa idade e, para completar, os "equipamentos de saúde", as áreas próprias à cultura física e ao esporte cotidiano de cada um. O benefício dessas instituições coletivas é evidentes, mas sua necessidade é ainda mal compreendida pela massa. Sua realização está apenas esboçada, da maneira mais fragmentária e desvinculada das necessidades gerais das habitações.

19 - As escolas, muito particularmente, não raro estão situadas nas vias de circulação e muito afastadas das habitações.

As escolas, limitando-se o julgamento a seu programa e a sua disposição arquitetônica, estão em geral mal situadas no interior do complexo urbano. Muito longe da moradia, elas colocam a criança em contato com os perigos da rua. Além disso, é freqüente que nelas só se dispense a instrução propriamente dita, e a criança, antes dos seis anos, ou o adolescente, depois dos treze, são regularmente privados de organizações pré ou pós-escolares que responderiam às necessidades mais imperiosas de sua idade. O estado atual e a distribuição do domínio edificado prestam-se mal às inovações por meio das quais a infância e a juventude seriam não somente protegidas de inúmeros perigos, mas, ainda, colocadas nas únicas condições que permitem uma formação séria, capaz de lhes assegurar, ao lado da instrução, um pleno desenvolvimento, tanto físico quanto moral.


20 - Os subúrbios estão organizados sem plano e sem ligação normal com a cidade. Os subúrbios são descendentes degenerados dos arrabaldes. O burgo era outrora uma unidade organizada no interior de uma muralha militar. O falso burgo contíguo a ele pelo lado de fora, construído ao longo de uma via de acesso desprovido de proteção, era o escoadouro da população excedente que, bom ou mau grado, devia acomodar-se em sua insegurança. Quando a criação de uma nova muralha encerrava um dia o falso burgo, com seu trecho de via, no seio da cidade, ocorria uma primeira alteração na regra normal dos traçados. A era do maquinismo é caracterizado pelo subúrbio, área sem traçado definido, onde são jogados todos os resíduos, onde se arriscam todas as tentativas, onde se instalam em geral os artesanatos mais modestos, com as indústrias julgadas de antemão provisórias, algumas das quais, porém, conhecerão um crescimento gigantesco. O subúrbio é o símbolo, ao mesmo tempo, do fracasso e da tentativa. 


É uma espécie de onda batendo nos muros da cidade. No decorrer dos séculos XIX e XX, essa onda tornou-se maré, e depois inundação. Ela comprometeu seriamente o destino da cidade e suas possibilidades de crescer conforme uma

regra. Sede de uma população incerta, destinada a suportar inúmeras misérias, caldo de cultura de revoltas, o subúrbio é com freqüência, dez vezes, cem vezes, mais extenso do que a cidade. Desse subúrbio doente, onde a função distânciatempo suscita uma difícil questão que continua sem solução, alguns procuram fazer cidades-jardins. Paraísos ilusórios, solução irracional. O subúrbio é um erro urbanístico, disseminado por todo o universo e levado a suas conseqüências extremas na América. Ele se constitui em um dos grandes males do século.

21 - Procurou-se incorporar os subúrbios ao domínio administrativo.

Muito tarde! O subúrbio foi incorporado tardiamente ao domínio administrativo. A legislação imprevidente deixou que se estabelecessem, em toda sua extensão, direitos de propriedade por ela declarados imprescritíveis. O proprietário de um terreno vago onde tenha surgido algum barraco, galpão ou oficina não pode ser desapropriado sem inúmeras dificuldades. Sua densidade populacional é muito baixa e o solo dificilmente explorado; entretanto, a cidade é obrigada 


Laboratório de Planejamento Municipal – LPM – IGCE/UNESP

www.rc.unesp.br/igce/planejamento 7

a prover a área dos subúrbios dos serviços necessários: vias públicas, canalização, meios transporte rápidos, polícia, iluminação e limpeza pública serviços hospitalares ou escolares, etc. É chocante a desproporção entre as despesas ruinosas causadas por tantas obrigações e a pequena contribuição que pode dar uma população dispersa. Quando a administração intervém para corrigir a situação, choca-se com obstáculos insuperáveis e se arruina em vão. É antes do nascimento dos subúrbios que a administração deve apropriar-se da gestão do solo que, cerca a cidade para assegurarlhe os meios para um desenvolvimento harmonioso. 


22 - Freqüentemente os subúrbios nada mais são do que uma aglomeração de barracos onde a infra-estrutura indispensável dificilmente é rentável.

Casinhas mal construídas, barracos de madeira, galpões onde se misturam bem ou mal os materiais mais imprevistos, domínio dos pobres diabos que oscilam nos turbilhões de uma vida sem disciplina, eis o subúrbio! Sua feiúra e sua

tristeza são a vergonha da cidade que ele circunda. Sua miséria, que obriga a malbaratar o dinheiro público sem a contraparte de recursos fiscais suficientes, é uma carga sufocante para a coletividade. Os subúrbios são a sórdida

antecâmara das cidades; enganchados às grandes vias de acesso por suas ruelas, a circulação aí se torna perigosa; vistos de avião, expõe aos olhos menos avisados a desordem e a incoerência de sua distribuição; cortados por ferrovias, eles são, para o viajante atraído pela reputação da cidade, uma penosa desilusão! É preciso exigir.


23 - Doravante os bairros habitacionais devem ocupar no espaço urbano as melhores localizações, aproveitandose a topografia, observando-se o clima, dispondo-se da insolação mais favorável e de superfícies verdes adequadas.

As cidades, tal como existem hoje, estão construídas em condições contrárias ao bem público e privado. A história mostra que sua criação e seu desenvolvimento obedeceram a razões profundas, superpostas ao longo do tempo, e que elas não apenas cresceram, mas freqüentemente se renovaram no decorrer dos séculos, e sobre o mesmo solo. A era da máquina, ao modificar brutalmente determinadas condições centenárias, levou-as ao caos. Nossa tarefa atual é arrancálas de sua desordem por meio de planos nos quais será previsto o escalonamento dos empreendimentos ao longo do tempo. 


O problema da moradia, da habitação, prevalece sobre todos. Os melhores locais da cidade devem-lhe ser reservados; e se eles foram devastados pela indiferença ou pela concupiscência, tudo deve ser feito para recuperá-los.

Muitos fatores concorrem para a quantidade da moradia. É preciso buscar ao mesmo tempo as mais belas paisagens, o ar mais saudável, levando em consideração os ventos e a neblina, os declives melhor expostos, e, enfim, utilizar as superfícies verdes existentes, criá-las, se não existem, ou recuperá-las, se foram destruídas. 


24 - A determinação dos setores habitacionais deve ser ditada por razões de higiene.As leis de higiene universalmente reconhecidas fazem uma grave acusação contra as condições sanitárias das cidades.

Não basta, porém, formular um diagnóstico e nem sequer encontrar uma solução; é preciso, ainda, que ela seja imposta pelas autoridades responsáveis. Bairros inteiros deveriam ser condenados em nome da saúde pública. Alguns, fruto de uma especulação prematura, só merecem a picareta; outros, em função das memórias históricas ou dos elementos de valor artístico que contêm, deverão ser parcialmente respeitados; há modos de preservar o que merece ser preservado, destruindo implacavelmente aquilo que constitui um perigo. Não basta sanear a moradia, mas é preciso, ainda, criar e administrar seus prolongamentos exteriores, locais de educação física e espaços diversos para esporte, inserindo, antecipadamente, no plano geral, as áreas que lhes serão reservadas.

25 - Densidades razoáveis devem ser impostas, de acordo com as formas de habitação postas pela própria natureza do terreno.

As densidades populacionais de uma cidade devem ser ditadas pelas autoridades. Elas poderão variar segundo a destinação do solo urbano e resultar, de acordo com seu índice, numa cidade ou muito extensa ou concentrada sobre si mesma. Fixar as densidades urbanas é realizar um ato de gestão pleno de conseqüências. Quando surgiu a era da máquina, as cidades se desenvolveram sem controle e sem freio. A displicência é a única explicação válida para esse crescimento desmesurado e absolutamente irracional, que é uma das causas de seus males. Tanto para nascer como para crescer, as cidades têm razões particulares, que devem ser estudadas e que levarão a previsões que abarquem um certo espaço de tempo: cinqüenta anos, por exemplo. Poder-se-á pressupor uma certa cifra de população. Será necessário

alojá-la, sabendo-se em que área útil, prever qual "tempo-distância" será seu quinhão cotidiano, fixar a superfície e a capacidade necessárias à realização desse programa de cinqüenta anos. Quando a cifra da população e as dimensões do terreno são fixadas, a "densidade" é determinada. 
 


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O urbanismo tem quatro funções principais, que são: primeiramente, assegurar aos homens moradias saudáveis, isto é, locais onde o espaço, o ar puro e o sol, essas três, condições essenciais da natureza, lhe sejam largamente asseguradas; em segundo lugar, organizar os locais de trabalho, de tal modo que, ao invés de serem uma sujeição penosa, eles retomem seu caráter de atividade humana natural; em terceiro lugar, prever as instalações necessárias à boa utilização das horas livres, tornando-as benéficas e fecundas; em quarto lugar, estabelecer o contato entre essas diversas organizações mediante uma rede circulatória que assegure as trocas, respeitando as prerrogativas de cada uma. Essas quatro funções, que são as quatro chaves do urbanismo, cobrem um domínio imenso, sendo o urbanismo a conseqüência de uma maneira de pensar levada à vida pública por uma técnica de ação. 


78 - Os planos determinarão a estrutura de cada um dos setores atribuídos às quatro funções-chave, e eles fixarão suas respectivas localizações no conjunto.

Desde o congresso dos CIAM, em Atenas, as quatro funções-chave do urbanismo reivindicam, para manifestar-se em toda a sua plenitude e trazer ordem e classificação às condições habituais de vida, trabalho e cultura, disposições particulares que ofereçam a cada uma delas as condições mais favoráveis ao desenvolvimento de sua atividade própria. 


O urbanismo, levando em consideração essa necessidade, transformará o aspecto das cidades, romperá a opressão esmagadora de usos que perderam sua razão de ser e abrirá aos criadores um campo de ação inesgotável. Cada uma das funções-chave terá sua autonomia, apoiada nos dados fornecidos pelo clima, pela topografia, pelos costumes; elas serão consideradas entidades às quais serão atribuídos territórios e locais para cujo equipamento e instalação serão acionados todos os prodigiosos recursos das técnicas modernas. Nessa distribuição, serão consideradas as necessidades vitais do indivíduo e não o interesse ou o lucro de um grupo particular. O urbanismo deve assegurar a liberdade individual e, ao mesmo tempo, favorecer e se aproveitar dos benefícios da ação coletiva.


79 - O ciclo das funções cotidianas - habitar, trabalhar, recrear-se (recuperação) - será regulamentado pelo urbanismo dentro da mais rigorosa economia de tempo, sendo a habitação considerada o próprio centro das

preocupações urbanísticas e o ponto de articulação de todas as medidas.

O desejo de reintroduzir na vida cotidiana as condições naturais parece, à primeira vista, aconselhar uma maior extensão horizontal das cidades; mas a necessidade de regulamentar as diversas atividades segundo a duração do trajeto solar se opõe a essa concepção, cujo inconveniente é impor distâncias que não têm relação com o tempo disponível. É a habitação que está no centro das preocupações do urbanista e o jogo das distâncias será regulamentado de acordo com a sua posição no planejamento, em conformidade com a jornada solar de vinte e quatro horas, que ritma a atividades dos homens e dá a justa medida a todos os seus empreendimentos.


80 - As novas velocidades mecânicas convulsionaram o meio urbano, instaurando o perigo permanente,

provocando o engarrafamento e a paralisia dos transportes, comprometendo a higiene.

Os veículos mecânicos deveriam ser agentes liberadores e, por sua velocidade, trazer um ganho apreciável de tempo.

Mas sua acumulação e concentração em certos pontos tomaram-se, a um só tempo, uma dificuldade para a circulação e a ocasião de perigos permanentes. Além disso, eles introduziram na vida citadina inúmeros fatores prejudiciais à saúde. 
 


81 - O princípio da circulação urbana e suburbana deve ser revisto. Deve ser feita uma classificação das velocidades disponíveis. A reforma do zoneamento, harmonizando as funções-chave da cidade, criará entre elas

vínculos naturais para cujo fortalecimento será prevista uma rede racional de grandes artérias. 


O zoneamento, levando em consideração as funções-chave - habitar, trabalhar, recrear-se - ordenará o território urbano. A circulação, esta quarta função, só deve ter um objetivo; estabelecer uma comunicação proveitosa entre as outras três. São inevitáveis grandes transformações. A cidade e sua região devem ser munidas de uma rede exatamente proporcional aos usos e aos fins, e que constituirá a técnica moderna da circulação. Será preciso classificar e diferenciar os meios de transporte e estabelecer para cada um deles um leito adequado à própria natureza dos veículos utilizados. A circulação assim regulamentada torna-se uma função regular e que não impõe nenhum incômodo à estrutura da habitação ou a dos locais de trabalho. 


82 - O urbanismo é uma ciência de três dimensões e não apenas de duas. É fazendo intervir o elemento altura que será dada uma solução para as circulações modernas, assim como para os lazeres, mediante a exploração dos

espaços livres assim criados. 


As funções-chave habitar, trabalhar e recrear-se desenvolvem-se no interior de volumes edificados submetidos a três imperiosas necessidades: espaço suficiente, sol e aeração. Esses volumes não dependem apenas do solo e de suas duas dimensões, mas sobretudo de uma terceira, a altura. É levando em o consideração a altura que o urbanismo recuperará os terrenos livres necessários às comunicações e os espaços úteis ao lazer. É preciso distinguir as funções sedentárias, que se desenvolvem no interior de volumes - onde a terceira dimensão desempenha o papel mais importante - das funções de circulação, as quais, utilizando apenas duas dimensões, estão ligadas ao solo, para as quais a altura só intervém excepcionalmente e em pequena escala, no caso, por exemplo, de mudanças de nível destinadas a regularizar certos fluxos intensos de veículos. 


83 - A cidade deve ser estudada no conjunto de sua região de influência. Um plano de região substituirá o simples plano municipal. O limite da aglomeração será função do raio de sua ação econômica.

Os dados de um problema de urbanismo são fornecidos pelo conjunto das atividades que se desenvolvem não somente na cidade, mas em toda a região da qual ela é o centro. A razão de ser da cidade dever ser procurada e expressada em cifras que permitirão prever, para o futuro, as etapas de um desenvolvimento plausível. O mesmo trabalho aplicado às aglomerações que fixarão para cada cidade envolvida por sua região um caráter e um destino próprios. Assim, cada uma tomará seu lugar e sua classificação na economia geral do país. Resultará disso uma delimitação clara dos limites da região. Este é o urbanismo total, capaz de levar o equilíbrio à região e ao país. 


84 - A cidade, definida desde então como uma unidade funcional, deverá crescer harmoniosamente em cada uma de suas partes, dispondo de espaços e ligações onde poderão se inscrever equilibradamente as etapas de seu

desenvolvimento.

A cidade adquirirá o caráter de uma empresa estudada de antemão e submetida ao rigor de um planejamento geral.

Sábias previsões terão esboçado seu futuro, descrito seu caráter, previsto a amplitude de seus desenvolvimentos e limitado, previamente, seu excesso. Subordinada às necessidades da região, destinada a enquadrar as quatro funçõeschave, a cidade não será mais o resultado desordenado de iniciativas acidentais. Seu desenvolvimento, ao invés de produzir uma catástrofe, será um coroamento. E o crescimento das cifras de sua população não conduzirá mais a essa confusão desumana que é um dos flagelos das grandes cidades. 


85 - É da mais urgente necessidade que cada cidade estabeleça seu programa, promulgando leis que permitam sua realização. 


O acaso cederá diante da previsão, o programa sucederá a improvisação. Cada caso será inscrito no planejamento regional; os terrenos serão aferidos e atribuídos a diversas atividades: clara ordenação no empreendimento que será

iniciado a partir de amanhã e continuado, pouco a pouco, por etapas sucessivas. A lei fixará o "estatuto do solo", 


dotando cada função-chave dos meios de melhor se exprimir, de se instalar nos terrenos mais favoráveis e a distâncias mais proveitosas. Ela deve prever também a proteção e a guarda das extensões que serão ocupadas um dia. Ela terá o direito de autorizar - ou de proibir -, e favorecerá todas as iniciativas adequadamente planejadas, mas velará para que elas se insiram no planejamento geral e sejam sempre subordinadas aos interesses coletivos, que constituem o bem público.


86 - O programa deve ser elaborado com base em análises rigorosas, feitas por especialistas. Ele deve prever as etapas no tempo e no espaço. Deve reunir em um acordo fecundo os recursos naturais do sítio, a topografia do conjunto, os dados econômicos, as necessidades sociológicas, os valores espirituais.

A obra não será mais limitada ao plano precário do geômetra que projeta, à revelia dos subúrbios, os blocos de imóveis na poeira dos loteamentos. Ela será uma verdadeira criação biológica, compreendendo órgãos claramente definidos, capazes de desempenhar com perfeição suas funções essenciais. Os recursos do solo serão analisados e as limitações à quais ele se obriga, reconhecidas; a ambiência geral, estudada e os valores naturais, hierarquizados. Os grandes leitos de circulação serão confirmados e instalados no lugar adequado, e a natureza de seu equipamento fixada segundo o uso

para o qual serão destinados. Uma curva de crescimento exprimirá o futuro econômico previsto para cidade. Regras

invioláveis assegurarão aos habitantes o bem-estar da moradia, a facilidade do trabalho, o feliz emprego das horas livres. A alma das cidades será animada pela clareza do planejamento.


87 - Para os especialistas, ocupado aqui com as tarefas do urbanismo, o instrumento de medida será a escala humana.

A arquitetura, após a derrota, desses últimos cem anos, deve ser recolocada a serviço do homem. Ela deve deixar as pompas estéreis, debruçar-se sobre o indivíduo e criar-lhe, para sua felicidade, as organizações que estarão à volta,

tornando mais fáceis todos os gestos de sua vida. Quem poderá tomar as medidas necessárias para levar a bom termo essa tarefa, senão o arquiteto, que possui o perfeito conhecimento do homem, que abandonou os grafismos ilusórios, e que, pela justa adaptação dos meios aos fins propostos, criará uma ordem que tem em si sua própria poesia? 


88 - O número inicial do urbanismo é uma célula habitacional (uma moradia) e sua inserção num grupo formando uma unidade habitacional de proporções adequadas.

Se a célula é o elemento biológico primordial, a casa, quer dizer, o abrigo de uma família, constitui a célula social. A construção dessa casa, há mais de um século submetida aos jogos brutais da especulação, deve torna-se uma empresa humana. A casa é o núcleo inicial do urbanismo. Ela protege o crescimento do homem, abriga as alegrias e as dores de sua vida cotidiana. Se ela deve conhecer interiormente o sol e o ar puro, deve, além disso, prolongar-se no exterior em diversas instalações comunitárias. Para que seja mais fácil dotar as moradias dos serviços comuns destinados a realizar comodamente o abastecimento, a educação, a assistência médica ou a utilização dos lazeres, será preciso reuni-las em "unidades habitacionais" de proporções adequadas.

89 - É a partir dessa unidade-moradia que se estabelecerão no espaço urbano as relações entre a habitação, os locais de trabalho e as instalações consagradas às horas livres.

A primeira das funções que deve atrair a atenção do urbanismo é habitar e... habitar bem. É preciso também trabalhar, e fazê-lo em condições que requerem uma séria revisão dos usos atualmente em vigor. Os escritórios, as oficinas, as fábricas devem ser dotados de instalações capazes de assegurar o bem-estar necessário ao desempenho desta segunda função. Enfim, não se pode negligenciar a terceira, que é recrear-se, cultivar o corpo e o espírito. E o urbanista deverá prever os sítios e os locais propícios.

90 - Para realizar essa grande tarefa é indispensável utilizar os recursos da técnica moderna. Esta com a ajuda de seus especialistas, respaldará a arte de construir com todas as garantias da ciência e a enriquecerá com as invenções e os recursos da época.


A era do maquinismo introduziu técnicas novas, que são uma das causas da desordem e da confusão das cidades. É a ela, no entanto, que é preciso pedir a solução do problema. As modernas técnicas de construção instituíram novos

métodos, trouxeram novas facilidades, permitiram novas dimensões. Elas abrem verdadeiramente um novo ciclo na história da arquitetura. As novas construções serão não somente de uma amplitude, mas, ainda, de uma complexidade desconhecidas até aqui. Para realizar a tarefa múltipla que lhe é imposta, o arquiteto deverá associar-se a numerosos especialistas em todas as etapas do empreendimento.

Fonte: Club-k.net