Luanda - Entre as dicas e desdicas, citações e excitações em volta do Dia da Liberdade de Imprensa, retive três coisas que a meu ver dão um paradigma de às quantas andamos no que à dita diz respeito: o discurso do Presidente da AN, Fernando da Piedade Dias dos Santos por ocasião do workshop organizado pela Comissão que trata entre outras coisas da Comunicação Social; a entrevista do Ismael Mateus a´O PAÍS; e o Programa Janela Aberta de dia 4 de Maio sobre o novo (?) Código de Estrada.
 
O discurso de Nandó é um exemplo acabado da maneira como o regime – com as salvaguardas que o Ismael teve o cuidado de fazer – subscreve as teorias mais avançadas de uma determinada área da vida nacional, consciente que poderá atropelá-las quando lhe der na real gana. É que, só quem não quer não vê a flagrante contradição entre a concordância do nº. 1 da AN com o princípio do contraditório, e a prática dos órgãos públicos de comunicação social. O último exemplo foi da cobertura da ida de Isaías Samakuva ao Zango aquando do penaltie do Governo de Luanda em relação ao desalojamento das populações da Ilha de Luanda: A RNA, TPA, JANGOLA e ANGOP não cobriram nem as condições verdadeiramente desumanas em que as populações foram deixadas, nem a visita do líder da oposição que apenas cumpria – e bem, diga-se de passagem – o seu papel. Mas quando Fragata de Morais em nome de Bento Bento para lá se deslocou, todos lá estiveram a dar espaço nobre às declarações daquele acusando o presidente da UNITA de ter instigado as populações – o que convenha-se, da parte do MPLA foi uma autêntica aberração. E nem Samakuva, nem ninguém da UNITA foi contactado para dar a sua versão, o que certamente seria um exercício do contraditório. As idas dos directores dos órgãos públicos algumas vezes em plena madrugada para censurar matérias vistas por indivíduos ligados ao Poder como lesivas aos seus interesses já fazem até parte do anedotário jornalístico da capital, para não falar das «diligências» do «Sinfo» nas províncias, contra jornalistas que dêm voz à oposição ou sejam críticos demais aos actos da governação. O mínimo que se pediria a Nandó seria assim, pelo menos instruir as já famosas «visitas de inspecção e controlo» que as comissões parlamentares, a da Comunicação Social incluída se dedicam agora, nas suas conclusões não nos venham dizer, ao arrepio do seu Presidente que está tudo bem. Que tenham a coragem de apontar as falhas na mídia no final das tais visitas...
 
O Ismael Mateus escalpelizou o estado da nossa liberdade de imprensa através d´O PAÍS de uma forma verdadeiramente magistral, do meu ponto de vista. Com a frontalidade, patriotismo e sentido pedagógico que o caracteriza, levantou o véu sobre algumas práticas que torna-se preciso cada vez mais encarar de frente: O incompreensível marasmo na regulamentação da nova(?) Lei de Imprensa, a falta do estatuto e carteira do jornalista, a sua pouca formação a facilitação do surgimento e funcionamento de novos órgãos de comunicação social desde que colados ao regime, a auto-censura dos próprios jornalistas, a hermeticidade das fontes e as pressões políticas sobre órgãos e jornalistas, entre outros, sem esquecer que o princípio do contraditório parece ter sido deliberadamente riscado da cartilha dos nossos jornalistas.
Esses factores – negativos, diga-se – enfermam de facto o funcionamento da nossa comunicação social e acabam por dar razão àqueles que – Repórteres Sem Fronteiras incluidos – dizem que vai mal a nossa liberdade de imprensa. De facto, quando a Rádio Ecclésia e outras não podem emitir para o país porque o regime acha que a sua linha editorial é crítica demais ao Governo e a TV Zimbo – que até está a fazer um belíssimo trabalho – já o faz mesmo sem a Lei nova estar regulamentada porque conta com influências do alto, algo vai mal. São dois pesos e duas medidas, do ponto de vista do Direito à Informação que cada angolano goza por força da Constituição. Mas isso simboliza o contexto real em que acontece a nossa comunicação social.
 
No dia 4 de Maio, eu e alguns jovens residentes na África do Sul sentámo-nos em frente a um televisor para ver o Janela Aberta sobre o novo Código de Estrada. É que, eles tinham acabado de gastar boa parte do dia ajudando’me a procurar as famosas cadeiras para as crianças (eu tenho uma de 2, outra de 6 e ainda outra de 10) e no final tinham deciddo que o kota – eu, no caso – estava confuso porque ora contradizia-me ora dizia coisas que para eles não faziam sentido. Então decidimos ouvir o programa para esclarecer todas as dúvidas.
 
Acabámos por ficar ainda mais confusos, no final. Entre as contradições dos participantes – fiquei a saber que os coletes que comprei no único sítio onde os havia, na rua, afinal não servem (ó Ismael, a próxima vez que escrevas que nós, os ditos líderes de opinião devemos dar o exemplo no cumprimento das leis, mesmo das mais difíceis, esgano-te!), os capacetes que mandei a empresa comprar para os estafetas idem aspas; fiquei sem saber quem afinal deve ser responsabilizado se um passageiro adulto não apertar o cinto de segurança (uns diziam o motorista, outros o passageiro) e o que acontece com os carros velhinhos que vieram sem os ditos cujos, enfim. Um sarrabulho como só a DNVT com o Director Albino sabe às vezes nos brindar – o mais constrangedor foi mesmo a actuação da apresentadora. Ciente das lacunas do processo, e da impaciência dos poucos cidadãos que conseguiram fazer ouvir a sua voz, era patético vê-la desdobrar-se em esforços para «proteger» os oficiais da Polícia que lá estavam. Era vê-la repreendendo um telespectador que reclamava da disparidade dos preços das taxas de circulação e o estado das estradas, sob o pretexto de ter viajado para Malanje por estrada e ter constatado o bom estado da dita cuja. Como se Angola fosse só isso. Foi ao cúmulo de dizer que estava bem que no Kuando Kubango as estradas não estavam bem assim, mas... (é claro que para aquela jovem isso não era Angola, pensei cá com os meus botões). Alguém por acaso já pensou se 30 dias chegam para vender cadeirinhas para todos os utentes de viaturas em municípios como Maquela do Zombo, Mavinga,  Luau, Chipindo, etc? A apresentadora nem se lembrou (não mesmo?) de perguntar isso...
 
A verdade é que aquela jovem, que certamente não tem o polémico critério do Ismael (curso superior de jornalismo) mas apresenta um dos programas de maior audiência do Canal 1 apenas tem uma escola: a tarimba segundo os cânones da Escola Marxista de Comunicação. Sem querer embrenhar-me nos postulados da Teoria da Comunicação, bastará dizer que para esta escola os media devem estar ao serviço da ideologia encorpada no Estado, protegendo-a se necessário dos próprios cidadãos  Ora não tendo sido confrontada com os pensadores da escola de Frankfurt que hoje sustentam a escola europeia, ou com os de Palo Alto que enquadram a americana, ou ainda com os comunicólogos do jornalismo cívico nas quais o cidadão ocupa o lugar central – algumas vezes exageradamente, diga-se –  não surpreende que na escolha entre o cidadão que tem o direito constitucional de ser informado de maneira plural e os representantes do regime, a nossa jovem apresentadora opte por estes. A não ser que tendo tido esse confronto intelectual imperativo para o tal jornalismo baseado no contraditório, tenha conscientemente evitado dissabores como o que Ernesto Bartolomeu – um (tu)barão da própria TPA – sofreu ainda há bem pouco tempo. Assim vai o Evangelho da Liberdade de Imprensa segundo Santa Angola...
 
Não respondo à questão se existe liberdade de imprensa ou não em Angola. Nem concordo nem condeno quem defenda uma ou outra opinião. O que defendo – aí sim, assumo-me como adepto da escola do jornalismo cívico -- e que os direitos do cidadão devem estar sempre em primeiro lugar. Que ele, cidadão, possa participar nos processos de tomada das decisões que lhe digam respeito; que como o patrão dos órgãos públicos – é ele quem paga, afinal – tenha mecanismos para ser servido pluralmente, de formas a ser ele a fiscalizar a acção governativa, e não o inverso como acontece entre nós.
 
Voltando aos exemplos que utilizei, se é verdade que a Assembleia Nacional pugna pelo princípio do contraditório – e não há que duvidar da segunda figura do Estado – algo vai muito mal quando os órgãos públicos abafam as vozes críticas do regime, castigam jornalistas que denunciam isso e promovem os quadros mais pela militância partidária que competência profissional. Quando uma reunião de um comité de acção do partido no Poder de um bairro qualquer tem o triplo de exposição mediática que o congresso de um partido da oposição.
 
Algo vai muito mal mesmo, na nossa comunicação social em relação à liberdade de imprensa. Não dizer isso seria enganar-nos a nós mesmos e perder a moral – eu, o Ismael, e outros tantos – de praticar a docência nos tais cursos superiores de comunicação social. No modismo das conferências nacionais (as tais em que só se ouvem os convenientes) está-se para ver quando, quem participará e o que sairá de uma hipotética Conferência Nacional da Comunicação Social...
 
 
Fonte: SA