Luanda - João Lourenço viajou para Moçambique e foi recebido pela Frelimo com “honras de Estado” porque segundo Eliseu Machava, o secretário-geral daquele partido no poder na “varanda do Índico”, como diria o poeta moçambicano Eduardo White; “o candidato que o Mpla indica, é também o candidato da Frelimo”.

Fonte: Club-k.net

Até aí tudo bem, cada um é livre de fazer as escolhas que bem entende e inclusive de se implicar em eleições nos países estrangeiros porque pensa que os seus interesses de grupo estão ligados a esse desiderato. Essa camaradagem que passou da ideologia para o puro interesse, já vem de longe.

 

Samora Machel viajou várias vezes para Luanda e Agostinho Neto retribuiu com visitas a Maputo. José Eduardo dos Santos e Joaquim Chissano não foram grandes amigos mas mantiveram-se os laços de “camaradagem” e cumplicidade, pelo menos em alguns aspectos. JES não apreciava muito a autonomia de iniciativa de Joaquim Chissamo quando este (como Mandela) procurava, por sua conta e risco, ouvir a outra parte do conflito armado angolano, sem passar por ele, sem o seu agrément prévio.

 

A chegada de Armando Guebuza ao poder trouxe relações com JES mais quentes, mais fraternas, mais cúmplices, talvez porque ambos tinham uma narrativa semelhante sobre as suas escandalosas riquezas pessoais: igualmente onírica; um dizia-se rico porque tinha criado patos e o outro porque a sua filha tinha vendido ovos.

 

Por isto, João Lourenço ir a Maputo apresentar-se aos seus “camaradas da Frelimo” e com eles concertar estratégias, tácticas, acções ou o que for para se apoiarem mutuamente, está perfeitamente no sentido das coisas. O que não é legítimo (e até é ilegal) é ir na condição de Ministro da Defesa, a custa do erário público, para uma actividade privada.

 

O que não está no sentido da história - e creio que ninguém esperava - é que o individuo fosse lá dizer: “A nossa força está na nossa unidade! Se nós não formos unidos, os malandros vão nos vencer. Porque, os malandros são unidos. Quer os de dentro, quer os de fora, eles são unidos. São unidos e não dormem, andam todos os dias a pensar na forma como derrubar a Frelimo, como derrubar o Mpla” (sic).

 

Este discurso desbragado talvez se deva ao seu sentimento de impunidade permanente. Talvez tenha pensado que falando lá fora, no interior dos muros da sede da Frelimo, em Maputo, aqui não se iria saber? Mas, o mundo é global e estamos na era da comunicação. Tudo se sabe e rápido, provocando um efeito de bola de neve nas redes sociais, onde se entende que JL define a sua cruzada política como a luta contra os “malandros”, “quer os de dentro, quer os de fora”, para a preservação do castelo de poder.

 

Mas, afinal o que é ser malandro? O dicionário que consultei, regista “malandro” como sinónimo de “vadio, preguiçoso, velhaco, patife, mandrião, gatuno, desavergonhado, biltre” (sic). A nova comunicação acrescentaria à citação desta entrada do dicionário; “risos”! Se “malandros” quer dizer “gatunos”, “desavergonhados”, entre outros sinónimos, este tiro de JL é uma bala de ricochete. A quem melhor serve esta carapuça?

 

É claro que ”malandros” na boca de JL não são os “patriotas” da “acumulação primitiva” mas todos angolanos (e moçambicanos) que não fazem parte do grupo hegemónico de poder; são as pessoas que nas oposições políticas, nos movimentos cívicos, nos sindicatos, nas igrejas ou em outras instituições não se mostram doceis às derivas do poder, à rapina do país, à repressão, à perseguição e à exclusão dos cidadãos do espaço público, das políticas (mais acções que políticas) do partido no poder. “Malandro” aqui é o denominador comum entre “bandido” e “fantoche” que eram as duas expressões utilizadas pelos regimes autoritários de um país e de outro para estigmatizar os seus adversários (inimigos) políticos.

 

Esta expressão é uma forma de desqualificar as oposições e todas as pessoas que não gravitam à volta do seu poder. Todas as ditaduras tratam as oposições desta maneira. Salazar chamou Mário Soares de “malandro”, quando este estava na oposição e penava as agruras do desterro em São Tomé e Príncipe. Os lideres nacionalistas foram apodados de malandros, pelas autoridades coloniais.

 

Esta desqualificação gratuita dos adversários (tidos continuamente como inimigos) mostra em profundidade a estrutura de pensamento de JL. O seu raciocínio fortemente maniqueísta articula-se em torno de dois pólos: o “nós” (eles) e os “malandros”, como poderia ser; por um lado, bajús, por outro, revús, sem nenhuma outra possibilidade, ressoando a máxima salazarista; “quem não está connosco, está contra nós”.

 

Santa Trindade! Estamos em 2017, em pleno século XXI e JL que alguns apresentam como a expectativa reformista do momento, recorre ao discurso da bipolarização extrema, radicalizando à direita e dividindo Angola, Moçambique e o mundo, entre o “nós” e os “malandros” (o inimigo).

 

Se é legítimo (embora imoral) que o Mpla queira continuar a ser poder e João Lourenço queira aproveitar a boleia para ser Presidente da República, não é legítimo, nem ético e tão-pouco responsável, o cabeça de lista do partido da situação ofender os seus adversários, trata-los como “malandros”, como inimigos, apresentar a aspiração legítima das oposições de remover o seu partido do poder como um crime de lesa-majestade. Isto mostra que JL continua a pensar Angola de hoje nos mesmos termos que a Angola de ontem, do tempo do partido único e que o seu raciocínio político continua formatado na lógica do “nós e o inimigo”, como teorizou Carl Schimtt (1888-1985) o cientista político do nazismo que concebia a política como conflito inconciliável (significando a guerra) e considerava que um ditador forte poderia encarnar melhor a vontade popular do que um corpo legislativo (representativo).

 

O seu pensamento tem subjacente a lógica que presidiu a guerra-fria, no mundo, a guerra civil e a política de exclusão radical, no país, impedindo que a Nação contasse com todos os seus filhos para o desenvolvimento e bem-estar dos cidadãos. A mesma lógica que faz com que o segundo da lista venha agora falar em eleições autárquicas para 2021, fazendo tabua rasa de tudo que anteriormente disse e prometeu, sem qualquer pejo ou consideração pelos cidadãos e contra a reivindicação de “Autarquias Já” que é transversal a todas as forças políticas e sociais do país com excepção do núcleo duro do partido de poder que se constituiu em força de bloqueio, abusando da sua maioria no parlamento e da confiança que os seus próprios eleitores colocaram no programa que apresentaram para a legislatura que agora termina que previa a realização das autárquicas entre 2012 e 2017.

 

Perante um JL, sem sentido de futuro, assumidamente candidato da continuidade autoritária e oposto à inclusão de todos os cidadãos no espaço público nacional e um BS arrogante e manifestando um total desprezo por aquilo que os angolanos de todas as sensibilidades políticas pensam, nomeadamente sobre as autarquias municipais, os outros (designados malandros) só têm mesmo um caminho: o da unidade de todas as sensibilidades (políticas, económicas, sociais, culturais, ecológicas ou outras) na indignação e na acção para afastar está mentalidade e política retrogradas do poder.