Luanda - Em causa está carta rogatória nunca enviada ao Procurador-Geral angolano, João Maria de Sousa, sobre Manuel Vicente, acusado de corrupção ativa e branqueamento de capitais.

Fonte: Lusa

As críticas são violentas. Num ofício enviado a 28 de março à Procuradoria-Geral da República (PGR) pela congénere angolana, esta última acusa Joana Marques Vidal de mentir quanto à carta rogatória enviada a Luanda sobre Manuel Vicente — o vice-presidente angolano é arguido na Operação Fizz –, exigindo ainda um desmentido por parte da Procuradora-Geral. A notícia é avançada esta segunda-feira pelo Público.


Em causa não estão, contudo, os crimes de corrupção ativa e branqueamento de capitais de que Vicente está acusado em Portugal, mas somente o envio de uma carta rogatória — que nunca chegou, garante a PGR angolana:


É com certa indignação que vemos a imprensa portuguesa noticiar, citando também o Ministério Público português, que a Procuradoria-Geral da República portuguesa terá enviado uma carta rogatória para que o vice-presidente da República de Angola fosse formalmente constituído arguido e interrogado, carta essa cujo cumprimento teria sido alegadamente recusado pela Procuradoria-Geral da República de Angola. Tais notícias não passam de pura falácia, exigindo um desmentido da Procuradoria-Geral da República portuguesa, não apenas para evitar que se vilipendie o bom nome de uma instituição congénere mas também porque se impõe o dever moral de corrigir o que não corresponde à verdade”, lê-se no ofício.


Em outubro, as duas procuradoras do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) responsáveis por investigar o alegado pagamento de Manuel Vicente a Orlando Figueira para que o ex-procurador arquivasse dois processos em que o “vice” de Angola estava envolvido, decidiram emitir uma carta rogatória para que as autoridades angolanas notificassem Manuel Vicente (vivendo o mesmo no estrangeiro, é este o formalismo legal) sobre a sua condição de arguido.


Antes de seguir para Angola, a carta teria sempre que passar pela casa de partida, ou seja, pela Procuradoria-Geral da República portuguesa. Contudo, esta nunca foi enviada para João Maria de Sousa, homólogo de Marques Vidal — e também ele em tempos investigado em Portugal por branqueamento de capitais. A Procuradora-Geral optou por simplesmente questionar (em novembro) João Maria de Sousa sobre se as autoridades angolanas poderiam ou não cumprir o que na carta rogatória era solicitado. E escrevia então Marques Vidal: “À luz da lei constitucional de Angola existe alguma possibilidade de ser levantado o regime de imunidade de que goza o vice-presidente de Angola? Em caso de um eventual pedido de extradição poderá equacionar-se a hipótese de deferimento?”


A resposta que chega à Procuradora-Geral explica que Vicente está salvaguardado por um regime de imunidade, ou seja, este só responderá por crimes que não digam respeito ao exercício das suas funções cinco anos após o fim do mandato. A carta rogatória nunca seria, pois, enviada por Marques Vidal, evitando a “prática de atos inúteis” e “previsíveis demoras processuais”, garantiria a própria, devolvendo em janeiro a Procuradora-Geral a mesma carta ao DCIAP.

Pouco depois, seria conhecida a acusação de corrupção ativa e branqueamento de capitais que recai sobre Manuel Vicente. Na acusação, as duas procuradoras do DCIAP garantiam ter sido expedida carta rogatória às “autoridades judiciárias” de Angola. Agora, e sendo público que nunca foi enviada qualquer carta rogatória à Procuradoria-Geral da República angolana — contrariando o que foi diversas vezes anunciado pelo DCIAP e pela própria Procuradoria-Geral ao longo dos últimos meses –, o caldo entornou e é Joana Marques Vidal que se “impõe o dever moral de corrigir o que não corresponde à verdade” — é pelo menos isso que Luanda pede.


Quanto ao processo que envolve Manuel Vicente, os advogados em Portugal do vice-presidente angolano, Rui Patrício e João Cluny, procuram que este venha a ser considerado nulo — o Público escreve que foi entregue no final da última semana um requerimento onde é alegado que o Ministério Público “omitiu a prática de atos legalmente obrigatórios” –, pois é obrigatório segundo a lei portuguesa o interrogatório a todos os suspeitos na fase de inquérito dos processos antes de ser deduzida uma acusação.