Luanda - Recebi centenas de mensagens relativas ao debate em que participei na TV Zimbo, anteontem, sobre o processo eleitoral. Agradeço todas as mensagens de apreço e respondo por esta via, em bloco, a todas as questões que me colocam:

Fonte: Facebook

1. Pelo que sei, a TV ZIMBO não é uma empresa pública de per si, no sentido estrito do termo. Mas há quem ache legítimo considerá-la uma empresa “pública” por ser titulada ou controlada politicamente por entidades que detêm cargos públicos e por seguir a orientação política-editorial ditada pelo Partido-Estado. Por isso é que a maioria dos consumidores diz que tanto os jornalistas da TPA como da TV ZIMBO estão sujeitos ao mesmo regime de censura política imposto pelo Partido-Estado.

 

2. O Dr. Gildo Matias é do MPLA, naturalmente. Mesmo que seja convidado ou apresentado como “politólovo" para falar com um português refinado, está ali para defender o ponto de vista do MPLA e as práticas do Partido-Estado. Pode falar muito de Estado de direito, mas ele sabe bem que, lá onde há Estado democrático de direito, não pode existir um Partido-Estado.


3. Há que ter sempre presente que democracia significa liberdade, igualdade. Não há ainda democracia em Angola porque não há igualdade de tratamento dos partidos políticos e das pessoas que eles congregam e representam.


4. O argumento segundo o qual é inconstitucional fornecer cópia do FICM aos partidos políticos é falso, incorrecto e falacioso. Primeiro, porque há um partido que já tem cópia do FICM. Aliás, tem os dados todos dos cidadãos, escuta as conversas telefónicas das pessoas, espreita os emails e tem acesso a todos os dados pessoais dos mais de 9 milhões de eleitores. Os secretários municipais e provinciais deste partido participaram na recolha, organização e processamento destes dado sob a direcção de um membro do seu Comité Central, o Dr. Adão de Almeida e sob o controlo de um membro do seu Bureau Político, o Dr. Bornito de Sousa. E quem é que lhes fornece assistência técnica? É uma empresa chamada SINFIC, cujos donos são generais e outros dirigentes do Partido-Estado, directamente ou por intermédio de testas de ferro. Portanto, do ponto de vista político, há um Partido que já tem os dados e pode utilizá-los para apoiar as suas actividades de mobilização do eleitorado. Então porque é que os outros não podem ter acesso aos mesmos dados?


5. Em segundo lugar, é minha opinião que o legislador constituinte, ao estabelecer o habeas data no artigo 69.* da CRA, não pretendeu proibir o acesso dos partidos políticos ao FICM, porque este ficheiro não contém informação diversa dos cadernos eleitorais, que constitui informação pública à qual os partidos políticos devem ter acesso nos termos da Lei Orgânica Sobre as Eleições Gerais (Lei 36/11, artigos 86, n.º 5, 95, n.º 1, alíneas f) e g)).


6. Mesmo que o FICM incluísse informação diversa daquela que é pública (nome, filiação, residência e número de cartão de eleitor), o MAT ou a CNE sempre podem produzir um ficheiro reduzido, contendo apenas a informação que os partidos políticos precisam para fazer o seu trabalho de mobilização do eleitor para o voto, sem incluir informação da vida privada das pessoas.


7. O que o legislador constituinte proíbe é o “registo e tratamento de dados relativos às convicções politicas, filosóficas ou ideológicas, à fé religiosa, à filiação partidária ou sindical, à origem étnica e à vida privada dos cidadãos com fins discriminatórios”. E todos sabemos que só há um partido em Angola que pode ter acesso aos dados das pessoas para tais fins.


8. Em terceiro lugar, a Constituição garante aos particulares o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos “mantidos pela Administração Pública ( CRA Artigo 200, n.º 4). Os particulares são os cidadãos, quer se apresentem individualmente ou colectivamente, como partidos políticos.


9. A CNE não só tem o dever de auditar as tecnologias de informação que o MAT utilizou, mas devia ser ela a definir e testar sua integridade, segurança e viabilidade das tecnologias, seus algoritmos, softwares, programas fontes, etc.. Este dever geral de definir, testar e auditar tudo quanto seja informática a utilizar em todas as fases dos processos eleitorais é o que está consagrado no artigo 144, alínea bb) da LOEG. E não há prazo para esta auditoria nem limites para a sua frequência.


10. O prazo de 30 dias antes da eleição referido no artigo 31.º da Lei 12/12 e a que se fez referência no debate, refere-se exclusivamente à auditoria ao sistema de transmissão dos resultados instituída pelo artigo 116 da LOEG.


11. Lembrem-se sempre que a CNE tem sempre o dever geral de auditar tudo o que diga respeito a tecnologias de informação utilizada ou a utilizar EM TODAS AS FASES DOS PROCESSOS ELEITORAIS. O REGISTO ELEITORAL É UMA DAS FASES DOS PROCESSOS ELEITORAIS. A CNE não precisava nem precisa esperar pelo FICM para proceder à auditoria dos programas fontes e softwares que foram utilizados na produção da Base de Dados dos Cidadãos Maiores (BDCM), que é o ficheiro central do qual deriva o FICM. De facto, a CNE não pode auditar o FICM, nos termos da lei, sem ter acesso aos programas fontes, softwares, regras e procedimentos que governaram e governam a produção da BDCM.


12. Sobre a alegada descredibilização do processo. São os actos de facto praticados que descredibilizam as pessoas, singulares ou colectivas. E não os comentários feitos sobre tais actos. Quem descredibilizou a Odebrech foram os seus próprios actos, e não a imprensa que os veiculou. Quem descredibilizou o BES, JES, Kopelipa, Sócrates, Manuel Vicente ou Dilma, foram os seus próprios actos, e não a divulgação deles pela imprensa livre ou pela oposição. Quem descredibilizou o Executivo angolano, ou mesmo a justiça angolana foram os seus sistémicos actos de corrupção. E quem é que não suspeita de entidades que já deram provas internacionais bastantes que vivem da corrupção e a têm no seu ADN? Quem é que vai confiar a um corrupto a organização e condução de actos eleitorais?