Luanda - A economista e docente universitária Juliana Evangelista de Jesus defende, para o caso específico angolano, a criação de um observatório para a economia informal.

Fonte: Angop

ANGOP - Qual é a estimativa de cidadãos angolanos e estrangeiros que ganham a vida na economia informal?

Juliana Evangelista Ferraz (JEF) - O sector informal em Angola emprega cerca de 60 porcento da população economicamente activa. De acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE), dos 13,6 milhões de habitantes com idades compreendidas entre os 15 e os 64 anos, pelo menos 8,2 milhões estão desempregados e realizam actividade económica no sector informal.

 

Quem constitui o grosso desta percentagem, mulheres ou homens?

JEF - São as mulheres que constituem a principal força de trabalho do sector informal. Estima-se que nove em cada 10 trabalhadores urbanos e rurais estejam nesta área. A incidência recai, particularmente, sobre o grupo de mulheres e jovens que não têm alternativa, senão o trabalho informal para garantir a sobrevivência. No entanto, os trabalhadores envolvidos em actividades de venda ambulante prestam-se a desenvolver a sua actividade em piores condições, com exposição ao sol, chuvas e todo o tipo de risco que a situação pode acarretar.

 

 Até que ponto a informalidade na economia em Angola pode ameaçar a estabilidade social e os pilares de um Estado forte e organizado?

JEF - A informalidade é um fenómeno sociológico complexo, presente em vários domínios da vida social e económica. É bem verdade que este fenómeno se faz sentir em maior ou menor proporção, até em economias desenvolvidas. A informalidade, quando não controlada, pode constituir ameaça séria à estabilidade social, por causar distorções ao funcionamento normal dos mercados, podendo comprometer aspectos como a livre concorrência, a justiça distributiva e os direitos dos consumidores. De igual forma, a segurança nacional pode ser ameaçada, quando organizações criminosas desenvolvem actividades informais para financiar operações ilícitas. Daí que a formalização das actividades informais e a supervisão dos mercados devam ser temas importantíssimos da agenda pública.

 

 Se, antes da independência, a economia informal era quase residual, a partir de 1991, com a opção pela economia de mercado, ela ganhou proporções incontroláveis. A guerra foi uma das principais causas da agudização do problema. Que outros factores endógenos e exógenos contribuíram para este quadro?

JEF - A guerra foi, seguramente, o factor propulsor do crescimento do sector informal, particularmente em Luanda. Em contrapartida, desde o início da década de 90, estes factores podem ser enquadrados nos seguintes temas:
· Processo de diversificação económica, relativamente incipiente, ou moderado, com fraca capacidade para gerar empregos formais e absorver a população activa, maioritariamente jovem;
· Êxodo rural que trouxe para as cidades milhões de cidadãos, muitos deles oriundos do sector primário – trabalhadores agrícolas, que hoje, nas cidades, não podem contar com o apoio da segurança social, nem possuem direitos laborais, por não terem qualificações profissionais que lhes permitam aceder a um emprego formal;
· A corrupção exerce, igualmente, papel de fomento à economia informal. A existência de alto nível elevado de corrupção estimula as estruturas informais e diminui a capacidade competitiva de agentes formais que pagam impostos e agem em conformidade com a lei;
· Um processo lento de formalização de actividades informais;
· Fiscalização ineficaz e ausência de coimas pesadas.

 

 Em relação a estas matérias, indique uma das principais conclusões a que chega na sua tese de doutoramento, intitulada “Economia Informal em Angola – Os seus Efeitos no Mercado”.

JEF - A pesquisa realizada conclui que, para se reduzirem os efeitos da informalidade, é fundamental promover o cumprimento voluntário das obrigações por parte dos agentes económicos. Deve ser posta de parte uma abordagem meramente coercitiva do agente incumpridor, dando lugar a acções de sensibilização, em que o Estado e a sociedade civil têm responsabilidade.

 

Pode explicar o que são as teorias legalista e estruturalista, dois caminhos a ter em conta quando se trata da análise das especificidades da economia informal em Angola?

JEF - As teorias económicas referidas espelham formas diferentes de entender os fenómenos económicos. A teoria estruturalista, com um enfoque sistémico, refere que os sectores formal e informal são complementares, ou seja, que este último resulta da incapacidade do sector formal de gerar soluções e de dar respostas às necessidades dos consumidores. Para se reduzir o informalismo, os estruturalistas referem que o Estado deve dar ênfase ao design e à implementação de políticas de concorrência e de regulação.

A teoria legalista refere que o excesso de legislação e a carga tributária elevada, que o Estado exige aos empreendedores, são as principais razões do crescimento da economia informal. Nesta perspectiva, o Estado não deve coarctar as iniciativas dos empreendedores informais, mas, sim, estimular a formalização de actividades informais, por via da redução da burocracia e dos custos de contexto.

 

 Se é verdade que não se pode analisar a economia informal separada da formal, que passos devem dar as autoridades angolanas, no sentido da harmonização das duas, em prol do desenvolvimento sustentável de Angola?

JEF - É verdade que existe uma correlação entre os dois sectores, partindo do pressuposto de que o sector informal surge como resposta às insuficiências que o mercado formal não conseguiu colmatar. Vejamos, muitos bens e serviços que são hoje comercializados no mercado informal são produzidos por empresas formais, daí a dualidade entre os sectores. Não há dúvidas de que grande parte das iniciativas empreendedoras tem início no sector informal. Num segundo momento, o empreendedor decide expandir o seu negócio. Para que isso aconteça, a primeira iniciativa passa pela formalização da sua actividade. Por essa razão, haverá sempre esta ligação entre estas duas forças de mercado.

O Estado angolano deve formalizar, reorganizar as actividades e supervisionar os incumprimentos, nos seguintes moldes:
· Registo/cadastramento de todos os agentes informais, desde que a actividade seja lícita;
· Licenciamento, por área de negócio, em todo o território nacional;
· Controlo total do pequeno comércio, de forma a promover o desenvolvimento, o ordenamento e a modernização das infra-estruturas comerciais, através de procedimentos mais organizados;
· Formalizar as empresas informais que já desenvolvem actividades económicas lícitas;
· Controlar a actividade por via de fiscalizações periódicas, a nível das obrigações sanitárias, fiscais, entre outras;
· A redução acentuada dos custos de constituição de empresa fará crescer o número de novas empresas contribuintes;
· Acelerar o processo de formalização de empresas, através da redução significativa da carga fiscal para as empresas unipessoais;
· É importante sensibilizar os agentes económicos dos benefícios decorrentes do processo de formalização.

 

Que papel deverão desempenhar os estudiosos ou investigadores deste complexo processo que, seguramente, levará bastante tempo?

JEF - Penso que a comunidade científica angolana está em condições de propor um conjunto de soluções à sociedade, em geral, e ao Governo, em particular. No caso angolano, sou de opinião de que faz todo o sentido a criação de um observatório sobre a economia informal, com a finalidade de acompanhar a evolução do fenómeno, propor soluções aos poderes públicos, realizar estudos, entre outras soluções.

 

Está confiante de que se venham obter resultados animadores nesta caminhada?

JEF - Estou confiante. Acho que, se houver maior engajamento entre a sociedade e os poderes públicos, rapidamente conseguiremos melhores resultados neste domínio.