Luanda - José Eduardo Agualusa não acredita nas eleições de 23 de agosto. "Angola é uma sociedade em estado de desmoronamento", diz o escritor à DW, a propósito do seu novo livro "A Sociedade dos Sonhadores Involuntários".

Fonte: DW

Como será Angola depois das eleições de 23 agosto? José Eduardo Agualusa não faz ideia, nem consegue perspetivar qual será o futuro do país. "Não sabemos o que acontecerá nos próximos dias, mas a sensação que se tem é que vivemos um momento de desagregação do poder", afirma o que acaba de lançar "A Sociedade dos Sonhadores Involuntários" na 87ª edição da Feira do Livro de Lisboa. Uma fábula política e satírica que retrata a realidade em Angola.

 

O escritor angolano não se recenseou por não acreditar nestas eleições, nas quais não irá votar por considerar que não serão justas. "São eleições que estão a ser contestadas pelos principais partidos da oposição ainda antes de ocorrerem e já há uma série de denúncias de fraude. E a fraude principal é o facto de o partido que está no poder se ter apropriado do aparelho de Estado e usá-lo para sua própria promoção", sublinha.


Na sua perspetiva, "ou o regime avança para um processo de pacificação real do país e de demoratização real, com eleições justas, vigiadas pela comunidade internacional, ou os partido políticos deveriam recusar-se a participar no processo".

Tempo de mudança


O escritor não tem dúvidas que está iminente o fim da era do Presidente José Eduardo dos Santos, o que não indicia que haverá mudanças na postura do partido no poder, o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA).


Mas a mudança impõe-se porque há muito tempo que "Angola não é uma democracia autêntica", é "um regime totalitário mal disfarçado de democracia", lembra. "É melhor já do que antigamente quando nem se aceitava a ideia da democracia. Pelo menos hoje já se aceita a ideia de que a democracia é um regime desejável. Isso é um avanço", reconhece o autor.

O problema, explica, é que "não se está a praticar essa democracia". Para José Eduardo Agualusa, o desejável seria que "os próprios dirigentes do MPLA que fizeram esse avanço, avançassem mais ainda e compreendessem que numa democracia autêntica sairíamos todos a ganhar, inclusive o próprio MPLA".


José Eduardo Agualusa foi um dos apoiantes do movimento cívico que contribuiu para a libertação dos 17 jovens ativistas condenados pelo regime de Luanda a 28 de março de 2016. O movimento parece estar um pouco silenciado em relação a novos casos de prisão de jovens que protestam nas ruas contra as políticas governamentais.


Na opinião do escritor, é verdade que houve uma desmobilização depois dos "revús" terem sido libertados. "Eu próprio na altura acreditei que essa mobilização pudesse produzir um movimento mais vasto de democratização, mas isso realmente não aconteceu. Quem está no núcleo continuam a ser os próprios jovens que foram presos", observa.


Mais acesso a livros


É preciso mais que ter liberdade para ler um livro - a razão da prisão dos 15+2, diz Agualusa, que defende um preço justo para os livros, para que as pessoas tenham dinheiro para os comprar. "É preciso criar redes de bibliotecas públicas, que infelizmente não existem, apoiar editoras, a criação de livrarias, enfim todo um sistema de modo a facilitar o acesso das pessoas ao livro, o que não existe em Angola".


É esta Angola que está, de certo modo, retratada e ficcionada no seu novo livro "A Sociedade dos Sonhadores Involuntários", lançado sexta-feira (02.06) na capital portuguesa A apresentação contou com a presença de Luaty Beirão e Sedrick de Carvalho, dois dos jovens do grupo dos 15+2.


A obra segue a mesma linha de "Teoria Geral do Esquecimento" (2012) ou de "O Vendedor de Passados" (2004). São sátiras políticas com um pé na realidade, mas sobretudo pura ficção. No atual livro, os sonhos juntam quatro personagens num país dominado por um regime totalitário à beira da completa desagregação.