Luanda - Porque as alternâncias democráticas em Africa são difíceis e dolorosas para os Estados? Porque geralmente, uma vitória eleitoral é encarada como sendo “a nossa vez de comer”, para os opositores, e de “não queremos perder o nosso pão”, para quem governa.

Fonte: Club-k.net

Pela natureza quase totalitária da maioria dos regimes no continente, é muito difícil se organizar eleições em que todos os partidos partam em pé de igualdade. A linha que separa os recursos dos Estados a dos partidos que governam é muito ténue. Logo, quem governa geralmente parte na “pole position” em relação aos demais concorrentes.

 

Em nome da “preservação do nosso pão” e do “chegou a nossa vez de comer”, os países sofrem, porque se torna difícil a construção de verdadeiras agendas nacionais onde todos os interesses são salvaguardados.

 

Ao contrário daquilo que acontece nas democracias mais desenvolvidas, onde a maior motivação para se vencer as eleições é a implementação de um plano de sociedade de acordo à perspetiva de cada partido, em África “o nosso pão” joga o papel central. Os que governam têm fobia de perder o poder por recearem perder toda as facilidades socioeconómicas que o poder individualmente lhes proporciona. Logo, para defender o seu lado, os políticos e seus apoiantes, estão dispostos a fazer qualquer coisa. O clima de tensão com o qual normalmente se caracteriza a maioria das eleições em África se deve, em grande medida, ao receio de se perder tudo.

 

Entretanto, a realidade é que existe um fraco compromisso para com o país por parte de muitos políticos. Os governos, por mais que usem dos slogans “unidade nacional”, “combate à pobreza”, “distribuição da riqueza” e outros slogans, a verdade é que muitos só pensam no bem-estar deles e das suas famílias. Os da oposição, também pretendem governar para chegar a sua vez de se beneficiarem das oportunidades que o país oferece. A prova disso é que muitos opositores são facilmente aliciados e abandonam as suas convicções.

 

A mobilidade de políticos entre os partidos é algo normal nas democracias. No entanto, quando se sai de um partido para se juntar ao partido que governa, falando mal dos seus antigos companheiros e depois de um curto tempo aparecendo como empresário ou como nomeado para um cargo, demonstra que afinal nunca se teve convicção para além da ambição pessoal de querer buscar melhores condições de vida para si e para seus familiares. Homens de convicções lutam até às últimas consequências e quando resolvem abandonar nunca se juntam ao partido adversário que governa (como se finalmente tivessem descoberto que aqueles últimos eram os santos) como geralmente acontece no nosso cenário político.

 

Este é o momento em que os partidos concorrentes às eleições devem colocar de forma efetiva os interesses do povo a frente dos seus próprios e não sacrificarem todo país em nome das suas apetências de querer “pôr as mãos na massa do povo”.


O desejável é que se construa um sistema democrático em que o que ganha não ganha tudo e o que perde não perde tudo. Para isso, quem ganha as eleições deve ter uma visão suficientemente ampla que o ajude a olhar a sociedade, no geral, e identificar homens e mulheres capazes para ocuparem cargos de responsabilidade no aparelho do Estado e não se fiarem somente na militância no partido vencedor. É necessário que o derrotado nas eleições não sinta que os seus membros e militantes irão passar por momentos difíceis até às próximas eleições pois, o sentimento de humilhação, sofrimento, e dificuldades no acesso às oportunidades socioeconómicas são as que tornam as democracias em África instáveis e daí os conflitos pós-eleitorais.

 

Outrossim, a cultura do cartão de militância vs. oportunidades que tem dominado a nossa sociedade é um grande inimigo ao processo de desenvolvimento. Uma vez que muitos decisores preferem estar rodeados de “yes men”, e de bajuladores do que de pessoas que podem efetivamente contribuir com ideias e know-how que podem ser uteis para ajudar a construir um país melhor para todos. A maioria dos sectores estão exageradamente politizados, prejudicando o sentido crítico e o contraditório que, quando bem explorado, produz a criatividade e a inovação. A excessiva politização, a bajulação e o espirito de “yes- men” está a destruir jornalistas, académicos, gestores, engenheiros, juristas e outros quadros que perderam o seu sentido crítico em nome da salvaguarda do “pão”. Portanto, ser angolano deve ser mais importante que a militância partidária. O próximo governo saído das eleições de 23 de agosto, deve ter a coragem de estancar este cancro da excessiva politização que tem contribuído para o fraco aproveitamento dos quadros do país.

 

Quando conseguirmos chegar ao ponto em que quem ganha, não ganha tudo e quem perde, não perde tudo, as eleições serão de facto a festa da democracia e não haverá receios de instabilidade pós-eleitoral.

 

Botswana e Cabo Verde são bons exemplos de países onde as eleições não produzem vencedores de tudo e nem perdedores de tudo.