Luanda - A segregação social é uma característica das cidades atuais, bem como suas relações sócio-espaciais, e por esse norte encontramos o adensamento populacional, o cerceamento do exercício da cidadania e as contradições sociais desencadeadas pela acumulação do capital. Assim sendo, neste trabalho algumas considerações são apontadas a respeito da cidadania, sua espécie de exercício como direito à ocupação, como alternativa à noção predatória de propriedade urbana sem quaisquer cumprimentos da finalidade social.

Fonte: Club-k.net

Considerando que os conceitos de cidadania não se restringem à lógica explícita situada no panorama legal ou jurídico-constitucional, outros modelos que dão entender de alguma maneira a dimensão da cidadania vão contrariando o entendimento clássico liberal ocidental impondo múltiplas leituras horizontais, destituindo consequentemente a noção ilimitada da propriedade fiduciário. Tal como bem frisava o professor Congolês Etienne Mbaya “ desde então os direitos humanos situam-se num combate de ideias, constituindo o florão de uma vigilância do espírito face às pressões dos poderes estabelecidos, dos hábitos mentais, dos modos de governo herdeiros de ordens mais antigas. Como o espírito, a ideia é dinâmica; ela atravessa o tecido da história para inventar algo novo; ela perturba”.

 

O direito à ocupação é congénere da cidadania emancipatória que, por sua vez, pressupõe integração socioespacial e políticas urbanas inclusivas das camadas mais desfavorecidas. A periferização (“mussequeses”) socioespacial assume várias dimensões com destaque a segregação territorial e o delicado posicionamento do Estado, que se nega reinventar meios administrativos urbanos que busquem solucionar o incalculável dano à cidadania. (exemplo, falta directrizes urbana para o tombamento dos espaços públicos, reconhecimento do património arqueológico e urbano de carácter local, directrizes urbanos não concertadas com à população local ).

 

Escolhemos o termo “exclusão territorial” com a proposta óbvia de relacioná-lo com o conceito de exclusão social, muito mais do que com pobreza ou disparidades sociais. Este conceito – que relaciona a acumulação de deficiências de várias ordens à vulnerabilidade – tem sido progressivamente utilizado em políticas públicas e pode ser entendido como a negação (ou o desrespeito) dos direitos que garantem ao cidadão um padrão mínimo de vida, assim como a participação em redes de instituições sociais e profissionais. (Castells, 1995; Paugam, 1996).

 

A exclusão social é vista como uma forma de analisar como e porquê indivíduos e grupos não conseguem ter acesso ou beneficiar-se das possibilidades oferecidas pelas sociedades e economias. A noção de exclusão considera tanto os direitos sociais quanto aspectos materiais, abrangendo portanto não só a falta de acesso a bens e serviços – que significam a satisfação de necessidades básicas – mas também a ausência de acesso à segurança, justiça, cidadania e representação política. (Rodgers, 1995) , (Raquel Rolnik ,2000).

 

Nesse sentido, Richard Sennet , considera que “existe um amplo ciclos das subjectividades na cultura Ocidental, com ênfase a valores privados, que acabam por incidir no sentido de vida pública, causando ameaças as práticas e os valores intrínsecos de uma cidade cosmopolita”. As estruturas urbanas legais Angolanas preenchem certa continuidade colonial, que é aporte do fascismo epidérmico urbano. Por esse viés, considerava Manuel Castells (1979), que o valor de uso da cidade não é senão a aparência antagônica do valor de troca capitalista. Sua função, em última instância, é a reprodução do processo de acumulação capitalista.

 

Como afirma Wacquant: “ Os efeitos da estigmatização territorial também se fazem sentir ao nível das políticas públicas. A partir do momento em que um lugar é publicamente etiquetado como uma zona de «não-direito» ou uma «cité fora da lei» e fora da norma, é fácil para as autoridades justificar medidas especiais, derrogatórias face ao direito e aos costumes, que podem ter como efeito – quando não por objetivo – desestabilizar e marginalizar mais ainda os seus habitantes, submetê-los aos ditames do mercado de trabalho desregulado, torná-los invisíveis ou escorraçá-los de um espaço cobiçado”.

 

Cabe frisar nessa perspectiva da estigmatização, o poder discricionário da polícia ganha contornos imoderados, legitimada por uma possível ordem social abstrata assegurada por invasões ao direitos fundamentais. (exemplo; “atuais níveis de encarceramento prisional de jovens proveniência dos musseques de Luanda” )

 

Como se bem argumenta (Boaventura 2003), o direito conservador neoliberal não faz mais do que fixar o quadro em que uma sociedade civil baseada no mercado funciona e floresce, cabendo ao Poder Judiciário garantir que o Estado de Direito seja amplamente aceito e aplicado com eficácia. Afinal, as necessidades jurídicas e judiciais do modelo de desenvolvimento assente no mercado são bastantes simples: há que baixar os custos das transações, definir com clareza e defender os direitos de propriedade, fazer aplicar as obrigações contratuais, e instituir um quadro jurídico minimalista.

 

Concluindo, o direito à ocupação, sendo interface dos direitos sociais igualmente exerce uma função de resguardar a cidadania não somente contra os atos imoderados do poder estatal, mas para propor prestações materiais de piso vital mínimo e os tornar oponíveis ao Estado e as pluralidades de interesses privados. À integração socioespacial correspondem as vinculações da própria noção da igualdade material no plano das diretrizes urbanas, em que a cidadania é entendida de modo difuso e coletivo.