Luanda - No dia em que foi inaugurada a "Hidroeléctrica de Laúca", no rio Kwanza, na presença do Presidente José Eduardo dos Santos, a DW conversou com o analista económico e diretor do jornal Expansão, Carlos Rosado de Carvalho.

Fonte: DW

Em Angola, o chefe de Estado, José Eduardo dos Santos, lançou esta sexta-feira (04.08.) a primeira pedra da Barragem de Caculo Cabaça, na província do Cuanza Norte.


Ainda nesta sexta-feira, segundo uma nota de imprensa da Casa Civil do Presidente da República, o Chefe de Estado angolano presidiu ao ato de inauguração da Central Hidroeléctrica de Laúca, na província de Malanje.


A barragem de Caculo Cabaça foi identificada pelo Governo angolano como uma das obras estruturantes nesta área e incluída no Programa de Investimento Público. Terá capacidade instalada de dois mil e 100 megawats, um aumento de mais 30 megawatts em relação a Laúca, com 2070 MW. Os construtores dizem que a energia ali gerada seria suficiente para abastecer uma cidade com cerca de 8 milhões de habitantes.


José Eduardo dos Santos, a poucos dias do final do seu mandato e da sua retirada da política ativa quer ser recordado pelos historiadores como "arquiteto da paz", mas também como arquiteto (no sentido figurativo) de várias obras públicas de grande envergadura.


DW África: Dentro de alguns anos José Eduardo dos Santos será recordado como arquiteto da paz e como grande mestre de obras públicas, ou será que a sua era vai ser recordada como "era das vacas gordas, que infelizmente não foi aproveitada" para dar o passo decisivo rumo ao desenvolvimento de Angola?

Carlos Rosado de Carvalho (CRC): Não endeusamos o Presidente da República cessante, mas todos lhe reconhecemos um papel relevante na Angola moderna. Aliás era impossível que assim não fosse. Um Presidente que está há cerca de 40 anos no poder naturalmente que vai deixar uma marca indelével em Angola.

 

DW África: Que projetos de obras públicas destacaria na era de José Eduardo dos Santos?
CRC: Agora fala-se muito de Laúca. Um dos principais problemas de Angola, e de África em geral, é o problema da falta de energia. De alguma maneira Laúca vai ajudar a reduzir os problemas que nós temos em termos de energia. Claramente que estamos longe de poder dizer que Laúca é a solução. O país vai continuar muito deficitário em termos de energia. Mas - sem dúvida nenhuma - é uma obra interessante e imponente...


DW África: ...é também uma obra bastante cara! Uma obra que foi encomendada pelo Estado angolano por 4,3 mil milhões de dólares, envolvendo financiamento da linha de crédito do Brasil, não é assim?
CRC: De facto, no caso das obras públicas angolanas devemos também discutir os preços. Nós olhamos para as obras, sobretudo em momentos de inauguração, e muitas vezes ninguém fala dos preços. Mas é um debate absolutamente necessário e Laúca ficou cara, mais caro que o previsto: fala-se em 4,5 mil milhões de dólares. E isso está bastante acima do que são os padr­ões internacionais para barragens desse tipo.

 

DW África: José Eduardo dos Santos também é responsável pela construção de vários estádios de futebol para o CAN 2010...
CRC: Certo. E sabemos que a maior parte deles estão condenados ao abandono. Acresce que aqueles que recebem jogos estão completamente às moscas! Apesar de tudo ainda é muito cedo para um balanço final. Vamos esperar pelo fim da história para saber concretamente qual o lugar que o presidente José Eduardo dos Santos vai ocupar em Angola, sendo que será provavelmente um lugar de destaque...


DW África: Soube-se há dias que o Governo angolano vai entregar a operação e manutenção de três barragens aos brasileiros da Odebrecht, por mais de 830 milhões de euros, conforme despacho do Presidente, José Eduardo do Santos, de 1 de agosto. Houve transparência na adjudicação deste e de outros contratos?
CRC: Eu sou uma pessoa muito interessada nesses assuntos, dirijo o melhor jornal de Angola de economia, mas eu não sabia disso! Está a dar-me uma novidade. O facto de eu não saber diz bem da falta de transparência! É um hábito antigo em Angola que as adjudicações são feitas diretamente e não via concurso público. Eu não sei que tipo de ajuste foi feito exatamente, mas presumo que tenha sido feito um ajuste direto. Esse é um dos problemas de Angola! Os ajustes que são feitos são quase sempre diretos! Foi a Odebrecht que construiu agora a barragem de Laúca. A barragem de Laúca foi construída graças a uma linha de crédito do Brasil. Nós aqui em Angola andamos muito à volta disto! Quer dizer: nós não nos financiamos nos mercados internacionais, nós financiamo-nos com linhas de crédito Estado a Estado. Essas linhas de crédito, embora ajudem a fazer as obras, têm um custo muito elevado para Angola. E aqui, provavelmente, temos um desses casos: quem financia a barragem de Laúca é o Brasil. O Brasil exige, naturalmente, que sejam empresas brasileiras a fazer a barragem. Depois são também empresas brasileiras que acabam por ficar com o contrato, como acaba de me dizer...


DW África: Ouvi dizer que o próprio Presidente José Eduardo dos Santos e pessoas ligadas a ele serão acionistas, se não os maiores acionistas, da Odebrecht Angola. Será por isso que a Odebrecht ganha muitas obras em Angola? Confirma ou será boato?
CRC: É um facto que a Odebrecht fez muitas obras em Angola. Também não é surpresa para ninguém que no âmbito da operação "Lava Jato", no ambito das investigações à Odebrecht, surgem nomes de angolanos. A única coisa que eu lamento é que há tantas investigações internacionais a entidades angolanas, mas nós - da parte da nossa justiça e da nossa procuradoria - não vemos nada! O que nós gostaríamos é que houvesse uma investigação em Angola por parte da nossa justiça para ver quais são as ramificações da operação "Lava Jato" e de outras aqui no nosso país. É isso que nós todos gostaríamos que acontecesse!