Luanda  - O Governador do BNA Walter Filipe admitiu recentemente em Luanda  que “as reservas líquidas internacionais são a nossa única solução, e se nós tivermos uma redução significativa destas reservas”.

Fonte: Forum Banca/Expansão

A posição do gestor público foi tomada a margem de um fórum promovido pelo Jornal Expansão ao fazer um paralelismo com a situação da Venuzuela. “ A solução, para não termos uma história como está a ter a Venezuela, é todos nós percebermos que as reservas de um país são o pilar da sua estabilidade financeira. Para que assim seja, é necessário que o país tenha uma produção nacional que garanta, no mínimo, 60% do que consome. Infelizmente, não é o caso de Angola.”

 

“Não sendo o caso de Angola, significa que as reservas líquidas internacionais são a nossa única solução, e se nós tivermos uma redução significativa destas reservas, Angola deixa de importar medicamentos, deixa de importar bens alimentares, e deixa de importar matéria-prima suficiente para a sua indústria”, afirmou no fórum banca e que cuja integra publicamos na integra.


DISCURSO DO GOVERNADOR DO BNA NO VII FORUM BANCA | EXPANSÃO


Meus Senhores,
Minhas Senhoras, Excelências aqui presentes,

Ontem e hoje preparei um discurso para encerrar este fórum, mas ao reflectir sobre as ideias, sobre as soluções e sobre os desafios que foram aqui apresentados, decidi, em vez de fazer um discurso excelente, reflectir e apresentar em menos de cinco minutos aquilo que tem sido a minha reflexão como angolano e como governador do banco central num contexto difícil mas que é ao mesmo tempo uma excelentíssima oportunidade para Angola.

 

Entendo, enquanto Angolano, que Angola não está em crise. Entendo que nós, hoje, estamos diante de um novo ciclo. Um novo ciclo que o Presidente da República, que termina em breve o seu mandato, considerou que deve ser virtuoso e que nós no Banco Central consideramos que para além de ser virtuoso deve ser produtivo, deve ser competitivo e deve ser um ciclo com a bênção divina.

 

Este ciclo, que deve ser virtuoso, é um ciclo que deve ser regulado, que deve ser supervisionado, e é um ciclo que deve ter como motor e como dinamizador o sistema bancário nacional. Um sistema bancário nacional que seja, como disse Agostinho Neto, um sistema bancário ao serviço do povo, e eu entendo que estar ao serviço do povo é estar ao serviço da prosperidade das famílias angolanas.

 

Enquanto angolano entendo também que quando nós adoptámos a economia de mercado, ou seja o capitalismo, deveríamos ter dado desde logo robustez à banca. O Estado deveria ter-lhe dado robustez e liquidez, para que o mecanismo de melhor estabilidade financeira – o mecanismo monetário e cambial para o controlo geral do nível de preços e da inflação – não fosse o mecanismo da esterilização ex-ante. Noutros termos, nós hoje para criarmos maior estabilidade, para controlarmos o nível geral dos preços e a inflação, disponibilizamos pela via do banco central divisas para a banca comercial. Do ponto de vista da economia de mercado e da minha concepção enquanto jurista – e não economista (e portanto tenho a misericórdia de errar) – dizia eu, a afectação ou o leilão ao sistema financeiro, o banco central só o deverá fazer em situação de crise. Só o deve fazer de forma muito prudente e só o deve fazer uma, duas ou, no máximo, três vezes por ano.

 

Não podemos, pela via das reservas líquidas internacionais, disponibilizar divisas regulares, permanentes e constantes ao sistema financeiro, porque isto significa dizer que o Estado está a financiar de forma barata o sistema financeiro, está a financiar as empresas e está a financiar aquelas pessoas que têm acesso às divisas de igual forma, ou seja demasiado barata.

 

Este mecanismo cria injustiças sociais, cria desequilíbrios sociais, este mecanismo faz com que tenhamos uma economia de importação porque facilitamos os mecanismos e a estrutura de custos da importação e criamos uma economia apenas vocacionada para a importação.

 

É este o contexto em que hoje estamos e que temos de saber alterar. Uma economia completamente vocacionada para a importação, uma economia cuja estrutura de custos é mais elevada, na qual temos um modelo económico completamente dependente das divisas e dependente de um único recurso – o preço do barril do petróleo.

 

Hoje, Deus e os nossos antepassados colocam-nos perante um desafio imenso, o qual nos conduzirá a um contexto – desejamos nós – bem diferente. Um contexto em que teremos de olhar para Angola no seu todo, teremos de olhar para a justiça social no seu todo, teremos de olhar para o fundamental com os olhos de quem efectivamente encontra as lágrimas do Espírito Santo.

 

Diria que temos de olhar para o sistema financeiro como um instrumento para a inclusão, mas também um instrumento para a justiça social, capaz de combater a corrupção e o favoritismo de uns e de outros digo isto desde já, porque em economia de mercado se não existir crédito pessoal, se não existir crédito à habitação, se não existir crédito automóvel, há e haverá corrupção.

 

Esta é a lógica do capitalismo, e se nós queremos prosperidade para todos, temos de combater a injustiça social. O combate à injustiça social em economia de mercado faz-se utilizando também o sistema bancário, faz-se pela via da concessão de crédito, faz-se pela via da regulação, da supervisão, faz-se pela via do combate ao branqueamento de capitais e do combate ao financiamento do terrorismo, faz-se pela via da boa gestão, faz-se pela via da ética, faz-se pela via de estarmos todos ao serviço do povo, ao serviço da prosperidade das famílias.

 

Em meu entender, este é o desafio que temos em mãos e são estes os pensamentos e as vontades que tem o conselho de administração do banco central – encontrar no diálogo com a associação dos bancos, no diálogo com os colegas da banca comercial, no diálogo com os nossos colegas da área fiscal, da área produtiva, da área comercial, soluções para que este novo ciclo da economia angolana ganhe corpo. Um ciclo que, repito, tem de ser virtuoso e que tem de ser produtivo.

 

Nós, enquanto líderes da autoridade monetária e cambial de Angola, entendemos que o país tem de caminhar para uma política monetária e cambial focada na agricultura e focada na produção nacional. Focada, sobretudo, na competitividade nacional. Por isso, entendemos que, do ponto de vista dos agregados monetários, dado que temos limitações dos seus usos, devemos caminhar para uma melhor flexibilidade destes mesmos agregados monetários para fazermos melhor uso da nossa política monetária.

 

Do ponto de vista da política monetária entendemos sim que devemos continuar a disponibilizar divisas para o mercado. Não de uma forma administrativa, como temos estado a fazer, dando maior disponibilidade para o sistema bancário, mas olhando para o plano de negócios e para o plano de crédito dos bancos comerciais, para que estas divisas sejam efectivamente canalizadas para a agricultura especificamente para o aumento da produção do milho e da soja, designadamente. Com o aumento da produção destes dois produtos, entendemos que vamos reduzir o aumento da importação da farinha e de outros derivados desses produtos, como a ração animal, e vamos também ser capazes de aumentar a produção de carne animal.

 

Desta forma, estamos a criar mecanismos de garantia para que as divisas fiquem sim disponíveis no país e, como aqui muito bem se disse, ao dispor para o investimento na agricultura.

 

No diálogo com o Executivo, chegou-se também à conclusão de que é importante reduzir a estrutura de custos da importação, porque percebemos que reduzindo- a e definindo programas específicos para a importação com vista ao aumento da produção nacional e à redução da importação, é possível Angola começar este novo ciclo que defendemos.

 

Um novo ciclo cujo motor tem de ser o sistema bancário e não o Estado, um novo ciclo cujo motor tem de ser a ética, a moral e a regulação, este é o desafio que nós temos na relação com o mercado internacional. O que nos foi exigido é que Angola faça um percurso sério e profundo no reforço da supervisão bancária, para que o seu banco central se torne uma verdadeira autoridade de supervisão, equivalente a qualquer outro banco central internacional. Para tal, aos trabalhadores do BNA exige-se rigor e disciplina, e aos gestores da banca comercial exige-se um sentido de vocação ao serviço da lei e da ética empresarial.

 

As exigências que temos para retomar as relações, quer com os bancos correspondentes quer com as operações em dólares, exigem de nós uma atitude forte e consistente de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo, uma supervisão bancária autónoma, forte e produtiva, e uma gestão da banca comercial que cumpra as normas, que implemente as normas e que torne as normas efectivas.

 

Só cumprindo isto, só criando uma diplomacia internacional única entre a banca comercial e o banco central, será possível recuperarmos a nossa credibilidade e a nossa reputação.

 

A reputação de Angola e das suas famílias depende deste trabalho, que tem de ser coeso, que tem de ser profundo. Se não fizermos este trabalho, vamos continuar a ter o quadro de dificuldades em que vivemos presentemente.

Meus Senhores, Minhas Senhoras, Excelências,

O quadro das reservas líquidas angolanas impõe-nos um desafio que exige de todos nós uma gestão sã e prudente dos recursos externos que temos, e impõe a necessidade urgente de promovermos e de aumentarmos as exportações para diversificarmos as fontes de entrada de divisas em Angola.

 

É evidente que para os empresários é saudável e agradável manter as divisas resultantes da exportação fora de Angola, mas do ponto de vista do bem comum estamos a destruir as nossas famílias, a nossa economia e a pôr em causa o futuro dos nossos filhos.

 

A solução, para não termos uma história como está a ter a Venezuela, é todos nós percebermos que as reservas de um país são o pilar da sua estabilidade financeira. Para que assim seja, é necessário que o país tenha uma produção nacional que garanta, no mínimo, 60% do que consome. Infelizmente, não é o caso de Angola.

 

Não sendo o caso de Angola, significa que as reservas líquidas internacionais são a nossa única solução, e se nós tivermos uma redução significativa destas reservas, Angola deixa de importar medicamentos, deixa de importar bens alimentares, e deixa de importar matéria-prima suficiente para a sua indústria.

 

Este é motivo pelo qual nós, no BNA, todos os dias fazemos o trabalho de manter estas reservas num patamar saudável para garantir que continuaremos a viver e a projectar um futuro melhor para Angola.

 

Como foi dito aqui, é evidente que é difícil gerir uma instituição num contexto difícil mas é também uma alegria gerir uma instituição com estas responsabilidades, quando percebemos que estamos diante de uma grande oportunidade. A oportunidade de um novo ciclo para Angola, a oportunidade de criarmos famílias e empresas mais responsáveis, mais produtivas, mais competitivas e que se colocarão ao serviço de todos.

Minhas Senhoras, Meus Senhores,

Agradeço a todos os que participaram neste evento, aos que fizeram dele uma realidade, e ao Jornal Expansão pelo convite. Peço que Deus nos abençoe a todos.

Muito obrigado!