Luanda - A UNITA pode ter apostado em tomar a maioria dos angolanos por cidadãos facilmente “instrumentalizáveis”, mas sempre pensei que o partido tivesse políticos mais fisiológicos, e incapazes de empolar situações superficiais, para desacreditar os seus adversários.

Fonte: Jornal de Angola

Isaías Samakuva é só, nos últimos processos eleitorais da história da recente democracia no país, o candidato a Presidente da República mais longevo, por exemplo, que José Eduardo dos Santos.


Nestas eleições, Samakuva concorre pela terceira vez desde 2008. José Eduardo dos Santos concorreu três vezes, mas saiu das eleições de 1992 como “agente administrativo de facto necessário”, ou seja, não foi investido num processo regular, mas exerceu funções públicas por imperativo do bem comum, porque o país regressava à guerra civil depois de uma paz frágil negociada em Bicesse.


Ora, este capital que Isaías Samakuva acumula comparativamente aos demais candidatos não devia ser desperdiçado com populismos ou fixação em questões acessórias como um debate entre candidatos na televisão.


Isaías Samakuva pode até gostar das luzes e do cenário de estúdios de televisão. Mas deve saber que aí não é o único palco em que pode apresentar melhor o seu programa ou então que ser muito atraente ou um “sexy symbol” não faz dele um anjo.


A aparente lucidez de Isaías Samakuva para apresentar o “guião” que preparou para o debate pode esconder um cinismo sobre muitas coisas que “até as mães já sabem” (no linguajar urbano em voga), como o que o partido conseguiu fruto dos acordos de paz com o Governo do MPLA e que deseja ansiosamente que não vençam os prazos. Por exemplo, ser o único partido com uma rádio comercial consentida pelo Governo nas negociações de Lusaka; ter um filho do fundador do partido que entrou directamente para os quadros das Alfândegas como chefe de uma área de importação - o Sacaíta -; as minas de diamantes atribuídas e partilhadas... Os famosos ganhos “oxigenados” da paz. Não quero discutir com ninguém...


A sociedade já convive todos os dias com as consequências da falência moral de alguns políticos cativos, sem excepção para os da UNITA. Vivemos felizmente num país de conversão livre, desde 1991. Cada um escolhe em que partido militar, por exemplo. E, no dia 23, vamos concretizar isso. Um dos seis candidatos será o aprovado publicamente pelos eleitores. O que me deixa estarrecido é o facto de um partido suportado por uma nata de intelectuais embarcar numa lógica meio estranha.


O comunicado da UNITA, em que afirma que declina o convite da TPA para uma entrevista, tinha tudo de legítimo não fosse o fundamento usado para explicar as razões e o “iter cognitivo” da decisão: “É de interesse público o debate proposto pelo candidato Isaías Samakuva ao candidato João Lourenço [na televisão], mas consideramos não ser de interesse público o expediente alternativo das entrevistas individuais organizado pelo que declinamos o convite”, lê-se na nota de imprensa assinada pelo mandatário do partido Estêvão Katchiungo.


Não existe no histórico da nossa democracia a tradição de debate (s) na televisão entre candidatos. Nem lei alguma, tal como em democracias mais amadurecidas, obriga os candidatos a tal confrontação. E mesmo em países onde existe, é mesmo um expediente das televisões e pago a preço de ouro pelos candidatos individualmente, e não pelos contribuintes fiscais. Julgo que Jardo Muekália, lá em Washington, sabe bem disso.


A fixação da UNITA no debate televisivo faz parecer que o partido do “galo negro” preparou todas as suas propostas de governação para serem apresentadas apenas num debate televisivo. Se for isso, então sofreu o seu primeiro acidente no percurso rumo às eleições.


A TPA tem os seus pecados dos quais - como profissional do jornalismo - não aceito, nem sequer indicaria o caminho do confessório aos seus estrategos. E se eu fosse quem manda naquela estação, enviava uma factura proforma onerosa aos candidatos superior ao “caché” que receberam do Estado para a campanha, só para ver quem tem coragem de pagar.


E essa de visar um único candidato - caricaturado até nas redes sociais pelo silêncio à proposta pública informal -, tem muito que se lhe diga. Não ouvimos Quintino de Moreira, Lucas Ngonda, Benedito Daniel ou Abel Chivukuvuku exigirem tal debate. Muito menos que entre estes tivesse havido já um acordo, aguardando apenas pelo opositor do MPLA.


Fazer disso a bandeira para hastear no dia do eventual triunfo, é tão arriscado como apostar que o jacaré põe os ovos na água, e não nas montanhas.