Luanda - Não é a primeira vez que faço uma tal declaração, embora da última vez que me lembro de assim ter procedido, o tenha feito já na condição de vencido, se assim me posso considerar. Continuo a pensar que eu até perdi muito pouco ao lado da grande oportunidade que o país no seu conjunto deixou (uma vez mais) passar ao lado, para tentar uma nova abordagem politico-institucional dos seus problemas que continuam a ser muito graves. Se o país perdeu essa oportunidade, é evidente que todos nós, mesmo aqueles que “estão sempre a subir” e que chamam os outros de “invejosos”, também perdemos a possibilidade de ter um país diferente para melhor.

Fonte: Opais

Acredito que continua a valer muito pouco termos um país tão desigual, tão injusto, tão miserável, com a agravante do seu potencial económico permitir, mais rapidamente do que muitos outros do nosso campeonato, alcançar a tão ansiada paz social, da qual nos estamos a afastar perigosamente, por mais que os números oficiais nos queiram convencer do contrário.

 

Esta paz, permitam-nos a ligeireza da definição jornalística, consegue-se sobretudo com a erradicação da pobreza extrema e da exclusão social. O resto vem depois. Sei do que falo, pois no tempo colonial a minha família era pobre. O meu pai tinha um dos salários mais baixos da função pública. Sei o que é a pobreza com aquele mínimo de dignidade e a indigência. É bom aqui recordar que foi a própria fonte que produz estes números mais optimistas, quem acabou por reconhecer que o seu “laboratório” ainda não está técnicamente em condições de fazer uma avaliação do real estado da pobreza em Angola, sendo as cifras avançadas referentes apenas a pobreza monetária, onde terá havido a tal redução. Uma redução que, pelos vistos, diante de tanta inflação terá servido para muito pouco, para além de ser utilizada como uma arma de arremesso político contra os adversários/críticos das actuais políticas públicas.

 

Há outras fontes mais fiáveis, que os referidos números não podem esconder debaixo do tapete, mas continuam a fazê-lo com a intensa cortina de fumo lançada pela propaganda institucional e a manipulação da informação jornalística. O debate sobre o país real não se pode fazer apenas com tais estimativas que, lamentavelmente, nos estão a dar uma indicação de um rumo que não nos está a levar para o melhor e mais seguro porto. Em Angola a navegação das políticas públicas precisa urgentemente de uma outra bússola, de um outro timoneiro, de uma outra visão estratégica, mas no âmbito daquilo que Barack Obama considerou fundamental para o nosso continente.

 

De facto e depois de já ter experimentado todos os “homens fortes”, hoje o que África precisa é de instituições fortes, equilibradas e lúcidas, a começar naturalmente pela mais importa delas num Estado Democrático de Direito que é o seu Parlamento, que é aquele que os angolanos vão escolher no próximo dia 23. É com este país problemático no meu horizonte, que me preparo para utilizar dentro de duas semanas o único poder que tenho para conseguir alcançar o que acho que é melhor para Angola, depois de já ter visto e experimentado tudo o que este país já “ofereceu” aos seus cidadãos como solução política, desde que a 11 de Novembro de 1975 nos tornamos independentes. Sinceramente não gostaria de morrer sem ver Angola a ser governada por uma outra solução política. Acho que todos temos este direito. Acho que no mínimo merecemos experimentá-la.

 

Depois logo se verá. Que eu saiba a declaração de voto não é uma figura própria do direito eleitoral, não havendo mesmo na nossa legislação em vigor nenhuma norma que a consagre de forma mais positiva. As minhas declarações de voto valem pois o que valem, pelo que em circunstância alguma elas poderão interferir com o processo em curso. Já sei onde vou votar pela quarta-vez desde que em 1992 começamos esta interminável travessia. Mudaram-me de escola, mas deixaram-me ficar na minha eterna Vila-Alice.

 

Da escola do Magistério Primário, onde na primeira metade dos anos 60 fiz a quarta-classe e votei em 2012, mudaram-me para a 83, onde este ano vou continuar a apostar naquilo que o país precisa com alguma urgência. É meu entendimento que o país precisa de acertar o rumo no interesse da maioria da sua população e não apenas para salvaguardar os interesses de quem representa essa maioria com toda a legitimidade que possa ter para o fazer. O que temos de fazer hoje já não é o balanço da guerra que está mais do que feito. O que temos de fazer hoje é o inventário dos 15 anos de paz e de toda a estratégia de reconstrução numa perspectiva que tem de ser necessariamente holística. Já o disse e volto aqui a repetir. Não estou preocupado com quem vai governar, mas sim como vai governar. A minha aposta é numa situação onde o vencedor, seja ele quem for, não ultrapasse a fasquia da maioria simples.

 

Eu sei que não é fácil governar assim, mas também sei que a “governação folgada” que tivemos até agora desde que o país se tornou independente, não tem sido a melhor conselheira para quem tem a responsabilidade de gerir o dinheiro que é de TODOS NÓS. Os resultados estão à vista no brutal endividamento público e nos incompreensiveis/chocantes níveis de pobreza/miseria/ exclusão social. Prefiro ter menos marginais sumptuosas e mais angolanos sorridentes nas suas casas. O país precisa de um verdadeiro compromisso entre as suas lideranças. Conhecendo como conheço o país que tenho vindo a acompanhar desde o seu primeiro dia, não estou a ver como será possivel negociar realmente tendo como pano de fundo o compromisso nacional num outro cenário.

 

Depois de já termos “bombardeado” a CRA-2010 de todas as maneiras e feitios, chegou o momento de vermos nela algumas virtudes que podem viabilizar um novo projecto nacional. Efectivamente, ao permitir que o Presidente possa ser eleito com menos de 50% e de constituir um governo minoritário sem precisar de criar qualquer “gerigonça”, a CRA-2010 abriu o espaço para o compromisso que estamos aqui a defender, pois tudo o resto será objecto de negociação no Parlamento. Continuamos a sustentar que esta Constituição foi pensada ao pormenor para eternizar o MPLA no poder com ou sem a presença de JES. Será que o legislador também pensou neste cenário de termos um MPLA a ganhar as eleições numa situação de maioria simples? É evidente que pensou. Só não deve ter é dado muito crédito a esta hipótese considerando- a, possivelmente, de muito remota. Como sonhar não é proibido e muito menos inconstitucional, é por aí que eu quero orientar a minha declaração de voto.