Luanda - Está em curso a quarta eleição da história de Angola. Ela deverá ser vencida pelo Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA).

Fonte: Club-k.net

Sob o comando do publicitário baiano Geraldo Walter de Souza Filho, trabalharam em Angola de fevereiro de 1991 a outubro de 1992 para dar a vitória ao MPLA e a José Eduardo naquela que seria a primeira eleição da história de um país colônia de Portugal até 1975 e desde então convulsionado por uma guerra civil.


O MPLA e José Eduardo ganharam a eleição. O lado derrotado retomou a guerra, que ainda se arrastaria até 2000.


“Paz, Trabalho e Liberdade?” Ou “Paz, Liberdade e Trabalho?” A dúvida ocupou a tarde do penúltimo dia do Congresso Extraordinário do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) em abril de 1991. Atentos e disciplinados, representantes do partido nas 18 Províncias do país ouviram oradores se sucederem na tribuna defendendo uma e outra proposta. Nas amplas dependências do Palácio Dez de Dezembro, em Luanda, cartazes, faixas e painéis proclamavam que Angola vivia “Tempos Novos”, tempos de “Paz, Trabalho e Liberdade”.


O Congresso serviu para mudar radicalmente o perfil político do partido que se mantinha no poder desde a independência do país em novembro de 1975. Saiu de cena o MPLA marxista-leninista, apoiado por Cuba e pela extinta União Soviética, que implantara em Angola o regime de partido único e de economia centralizada. Entrou em cena o MPLA social-democrata, defensor convicto do pluripartidarismo e das vantagens da economia de mercado. O Congresso serviu também para marcar a estréia no espaço social angolano das técnicas de publicidade e de marketing político.


Ali não se conhecia nenhuma. Havia um jornal, uma emissora de rádio e outra de televisão, todos estatais. A campanha sobre os tempos novos de paz, trabalho e liberdade fora a primeira criada por profissionais da Propeg que desembarcaram em Luanda a convite do MPLA na terça-feira de carnaval daquele ano. A princípio, éram cinco ou seis. Somaríamos 44 um ano depois. Angola estava em guerra havia mais de três décadas. Entre 1961 e 1974, os angolanos lutaram para se livrar do domínio colonial português. Desde 1975 lutavam entre si.


O país fora destroçado por um conflito que produzira até então 300 mil mortos e 80 mil mutilados e pusera frente a frente dois poderosos exércitos. De um lado, o do MPLA, da etnia quimbundo, armado pela União Soviética e reforçado por 10 mil soldados cubanos. Do outro, o da União pela Independência Total de Angola (UNITA), da etnia umbundo, apoiado pelos Estados Unidos e África do Sul. Um terceiro exército, o da Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), da etnia quicongo, se desmanchara no final dos anos 70. Angola tem pelo menos 10 etnias.


O MPLA preparava o Congresso de abril com base na palavra de ordem “1991, Ano da Reestruturação da Economia e da Democracia Multipartidária”. Alguns dirigentes do partido, os mais ortodoxos, preferiam manter a palavra de ordem ao invés de adotar sua mais moderna e completa tradução publicitária. A maioria deles gostaram de “Tempos Novos de Paz, Trabalho e Liberdade”. Só que não se punha de acordo sobre a questão da “Liberdade” vir antes ou depois do “Trabalho”.


Foi o presidente do MPLA, da Assembléia do Povo, da República, Chefe do Governo e Comandante das Forças Armadas, engenheiro José Eduardo dos Santos quem pôs fim à discussão. Ficou tudo como havíamos concebido. José Eduardo sucedera Agostinho Neto, Fundador, Pai da Pátria e Imortal Guia de todos os angolanos. Neto morrera de cirrose em 1979 durante viagem a Moscou. O corpo dele jazia embalsamado no antigo Palácio do Governo. Regularmente, um médico russo deslocava-se de Moscou para inspecionar o estado de conservação do corpo.


Manter o ex-presidente como se ele apenas dormisse, a exemplo de Lênin na Praça Vermelha, custava uma nota preta. O governo desembolsava mais alguns milhões de dólares com a construção de um mausoléu perto do mar onde o corpo repousaria para sempre. A construção acabou barrada pela força dos novos ventos que varriam Angola. O corpo de Neto baixou de vez à sepultura. Preservou-se, contudo, o status da viúva dele. Se José Eduardo tinha uma Mercedes Benz modelo 1989, a viúva desfilava em um Volvo modelo 1991 bem mais confortável.


O Comitê Central do MPLA era formado por 130 “camaradas”. Cada um tinha direito a uma Mercedes, uma boa casa, uma ou mais viagens internacionais por ano, e outras regalias. O modelo do carro dava a medida da importância do seu usuário. Mercedes com dois ou três anos de uso servia a membro do Comitê lotado em alguma Província. Mercedes do ano, a membro do Comitê morador de Luanda. Titular do Birô Político, a instância máxima do Comitê, dispunha de Mercedes com cortinas que vedavam os vidros da parte traseira.


O exercício solitário do poder durante 16 anos desgastara o MPLA. Seus muitos erros levaram os angolanos a concluir que o MPLA matava pela fome e a UNITA, pela guerra. Mas embora soubessem que o partido, o governo e o presidente fossem uma coisa só, eles simpatizavam mais com o presidente.

Domingos Sebastiao