Luanda - O novo Presidente angolano, de acordo com especialistas ouvidos pela Lusa, enfrentará o desafio de realizar mudanças necessárias para permitir a diversificação da sua economia, sendo primordial terminar com a dependência das receitas da produção de petróleo.

Fonte: Lusa

"Tem de ser feita uma grande reforma de natureza fiscal e, de facto, tem de haver uma diversificação na economia, com um aumento de investimentos ao nível agrícola", declarou hoje à Lusa Fernando Jorge Cardoso, especialista em estudos africanos e doutor em Economia.

 

Angola realiza eleições gerais, que escolherá o Parlamento e o Presidente no dia 23 de agosto, e assinalará a saída de José Eduardo dos Santos de uma nova corrida presidencial, mas este irá manter-se como presidente do partido no poder, o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), presumivelmente até 2018.

 

A campanha eleitoral do MPLA é liderada por João Lourenço, cabeça-de-lista e que concorre à eleição, por via indireta, para Presidente da República, sendo o sucessor indicado por José Eduardo dos Santos.


Segundo Fernando Jorge Cardoso, "isto (da diversificação da economia) é fácil de dizer e tem sido dito, mas tem que haver quem invista e depois tem que haver quem consuma estas produções a preços competitivos em relação a produções de outros países".

 

"O que a diversificação da economia exige são condições muito maiores de pluralismo, de liberdade democrática, de liberdade de investimento, de um sistema de justiça verdadeiramente e independente e que funcione eficazmente na resolução de conflitos", referiu João Paulo Batalha, presidente da associação Transparência e Integridade.

 

"Os esforços até agora feitos no sentido da diversificação da economia tiveram resultado menores, particularmente na diversificação da produção interna, quer para consumo interno quer para a exportação", disse Jorge Fernando Cardoso.

 

Segundo o economista, "Angola é um país profundamente dependente das exportações de petróleo" e isso tem de terminar para que o país se possa prosperar noutras áreas.

 

"Como os preços do petróleo mantiveram-se relativamente favoráveis, Angola até cerca de 2013 teve uma capacidade de sustentar o seu tipo de endividamento e o seu tipo de investimento em infraestruturas, assim como as receitas provenientes das exportações do crude alimentaram o orçamento de Estado", indicou Cardoso.

 

"Depois da baixa do preço do petróleo, a partir de 2013, houve uma grande quebra na economia e, inclusivamente, uma modificação do cenário político em Angola", disse o investigador.

 

De acordo com o economista, "houve cortes orçamentais realizados obrigatoriamente pelo Governo de José Eduardo dos Santos ao longo destes anos, o que criou um conjunto de dificuldades económicas, e criou uma degradação do ambiente e do clima político".

 

"Desde o final da guerra que se fala na diversificação da economia e a razão pela qual isso não acontece é porque uma economia concentrada no petróleo e nos diamantes nas mãos de poucos decisores é uma economia em que não é preciso partilhar o poder", declarou João Paulo Batalha.

 

Para Batalha, "se o Governo angolano tivesse feito uma diversificação da economia, teria criado outros polos de poder económico, outros polos de influência e de interesses, que colocariam em causa a concentração do poder que tem sido feita nas mãos de poucas pessoas".

 

"A economia baseada no petróleo e nos diamantes tem uma capacidade muitíssimo maior de dar dividendos imediatos para as pessoas que vivem do saque e da corrupção", declarou o responsável da Transparência e Integridade.

 

De acordo com dados de janeiro da Transparência Internacional, Angola é um dos países mais corruptos do mundo, tendo ficado em 164º. lugar no ranking da organização, sendo a Somália (na 176ª. posição) o mais corrupto do mundo.

 

Para Jorge Fernando Cardoso, em simultâneo com a situação política, "a pressão sobre a economia angolana, ou seja, as questões do endividamento angolano, as questões das restrições orçamentais que irão ter de continuar a ser feitas vão recair nos ombros do novo Presidente".

 

"Ele (o futuro Presidente) não terá um momento de folga no sentido de poder, digamos, distanciar-se através de uma melhoria substancial no nível de vida das pessoas por que já não tem condições e nem tem margem de manobra para o poder fazer", avaliou Cardoso.

 

Segundo João Paulo Batalha, "os sinais que o próximo Governo der em matéria de abertura económica e diversificação da economia têm de ser paralelos com uma verdadeira vontade de democratizar o Estado".

 

"Entretanto, se as eleições gerais estão a ser organizadas num contexto de enorme condicionamento (levado a cabo pelo MPLA, no poder), estando absolutamente em dúvida se serão eleições livres e justas, isso já indica um mal começo", acrescentou.

 

"Não será no final deste mês, nos vamos ter uma verdadeira democratização, mas pode ser que estas eleições abram o caminho para a democratização da política e da economia", complementou o presidente da associação cívica Transparência e Integridade.

 

O economista também acredita que João Lourenço, virtual vencedor das eleições, é considerado "uma figura de consensos" e poderá realizar algum apaziguamento em relação aos protestos da sociedade civil pela liberdade de expressão e liberdades políticas.

 

Entretanto, Fernando Jorge Cardoso apontou novos riscos: "quando começarem os despedimentos e quando começar, de facto, a não haver dinheiro para pagar os trabalhadores que neste momento estão empregados ao nível do Estado".

 

"Aí sim, nós vamos ver protestos que já não são protestos de natureza, digamos que tenham a ver com liberdades políticas, mas protestos que terão a ver com as condições de vida e de sobrevivência das pessoas e este Presidente vai enfrentá-los com certeza", declarou Cardoso.

 

Seis formações políticas estão a concorrer nestas eleições de 23 de agosto: MPLA, UNITA, CASA-CE, PRS, FNLA e APN - contando com 9.317.294 eleitores em condições de votar.