Luanda - A poucos dias da sua tomada de posse como terceiro Presidente de Angola, 42 anos depois do país se tornado independente, a questão que todos querem ver respondida o mais rapidamente possível tem a ver com o tipo de governação que vamos ter com João Lourenço a assumir a função de Titular do Poder Executivo (TPE).

Fonte: Vanguarda

De facto e apesar de nada de substancial ter mudado na relação de forças que prevalece em Angola desde sempre, com o MPLA a preparar-se, na sequência das eleições de 23 de Agosto, para governar nos próximos cinco anos com mais uma maioria qualificada, todos sabemos que o país não vai ser o mesmo com a saída de José Eduardo dos Santos (JES) do poder.

Resta agora saber como é que João Lourenço vai aplicar o princípio da “renovação na continuidade”, que tem sido até agora uma das pedras de toque da movimentação do MPLA conduzido por JES, com todas as rupturas que se conhecem.


Em abono da verdade, a saída de JES acaba por ser a única novidade que o recente pleito eleitoral de 23 de Agosto produziu, com a particularidade de ter sido o próprio JES a afastar-se voluntariamente da corrida à sua sucessão, pois ainda tinha a possibilidade de concorrer a mais um mandato, nos termos da Constituição aprovada em 2010.


Não é bem, note-se, um pormenor qualquer que possa passar despercebido na paisagem angolana, onde a mais conhecida árvore da sua floresta se agigantou de tal forma que passou a ser confundida com a própria floresta.
Por si só, esta desistência consentida em termos mais políticos é um activo da maior relevância para os tempos que se avizinham, na hora de se fazerem as novas avaliações da conjuntura e sempre que em causa estiver na balança o peso dos protagonistas da cena política pós 23 de Agosto de 2017.


O que seria uma mudança normal em democracia com a saída de um Presidente e a entrada de outro, em Angola ainda não é, mesmo estando este render da guarda perfeitamente programado e a acontecer no seio da mesma família político-partidária, tendo como pano de fundo uma grande convergência/estabilidade interna.


E não é, entre outras razões, porque o Presidente cessante esteve 38 anos consecutivos no poder, sendo nesta altura mais do que certo que todo este poder pessoal acumulado, vai continuar a fazer-se sentir pelo menos até ao final do próximo ano, na melhor das hipóteses.


E assim vai acontecer porque, e ainda no âmbito da programada estratégia de transição, JES vai manter-se na liderança do MPLA, o que lhe dá de imediato um controlo político directo sobre uma bancada parlamentar que é maioritária e que no plano legislativo pode fazer tudo o que bem entender, sem ter necessidade de consultar ninguém, incluindo a revisão da própria Constituição.


Em tese, JES como líder do MPLA, através da sua bancada parlamentar, pode até promover a destituição do novo Presidente da República/TPE, num cenário que para já ainda só como ficção seria possível, sem contudo nos esquecermos que a realidade angolana já deu alguns capotes às imaginações mais férteis.


Poucos serão neste momento aqueles que arriscarão fazer um prognóstico mais definitivo sobre esta Angola pós-JES, tendo como Presidente João Lourenço, exactamente porque é na única novidade destas eleições que ainda continua a estar localizada a grande incógnita dos próximos tempos.


Para os mais optimistas, todas as dúvidas existentes serão resolvidas já em Fevereiro, caso se confirme em Dezembro, de acordo com algumas fontes, a provável convocação por JES de um Congresso Extraordinário do MPLA para aquele mês.


Tendo ou não por perto a figura tutelar de JES, João Lourenço vai pegar nos comandos deste país numa situação particularmente aflitiva do ponto de vista financeiro, com destaque para os os níveis cada vez mais preocupantes do endividamento público interno e externo, tendo em conta a dimensão da crise cambial que se mantém mais ou menos inalterável, desde que o preço do barril do petróleo começou a afundar no mercado internacional já lá vão dois anos.


Antes de mais parece-nos que as expectativas imediatas de todos quantos querem antecipar o país político que teremos com João Lourenço no lugar de José Eduardo dos Santos, estão concentradas na composição do novo Executivo, começando, obviamente, pelos nomes dos seus mais directos colaboradores, ainda sem sabermos se ele vai ou não manter a actual estrutura, que tem por base a Casa de Segurança e a Casa Civil.


A manter-se esta estrutura, os dois nomes que forem nomeados para o preenchimento das referidas pastas dar-nos-ão de imediato uma ideia em relação às “linhas” que ele vai usar para começar a “costurar” o seu consulado, tendo como referência o passado recente que ainda está bem presente, a condicionar tudo e todos no seio da família política a que pertence.


Em causa está antes de mais o seu grau de autonomia em relação a herança de JES, que de imediato vai ser avaliada pelas suas apostas para os principais cargos do Executivo.

A expectativa em relação aos nomes que irão fazer parte do Executivo é ainda maior pois todos sabemos que uma das competências estatutárias do Presidente do MPLA é “propor e submeter, ao pronunciamento do Bureau Político a composição orgânica e nominal do Executivo”.

É sobretudo nesta competência que está localizada a “maka da bicefalia” que o próprio João Lourenço já tentou desdramatizar considerando que é um falso problema.


Para além da composição do próximo Executivo, de uma forma geral João Lourenço vai ter de responder a um conjunto desafios muito sensíveis para fazer o país acreditar que ele vai ser um presidente de corpo inteiro, necessariamente diferente do anterior e a pensar pela sua própria cabeça, não só no estilo mais pessoal da condução da governação, como na definição da sua própria estratégia política.

Em 1979 com 37 anos de idade, JES começou o seu consulado dizendo que a substituição de Agostinho Neto não era possível, sendo apenas necessária.

Em 2017 com 62 anos, que dirá João Lourenço quando prestar o sermão?

*Este artigo foi publicado no quinzenário “Vanguarda” (15/09/2017)