Luanda - Por gentileza do folha8, publicamos um texto que questiona a importância e a origem do pensador – símbolo – que é tido como originário da cultura angolana, mas o jornalista e escritor Félix Miranda deixa cair por terra o Pensador nestas linhas…
 
ImageN’outros países, os símbolos são fonte de inspiração positiva para as novas gerações, são o orgulho da Nação. Para os representar são escolhidos os que ilustram os valores sublimes, a grandeza, a supremacia de um povo sobre todos os outros do planeta, nos domínios da cultura e da ciência. A esfinge do Pensador angolano não inspira nada de valor, não tem chama, é uma figura que representa tristeza, frustração, submissão; o nosso Pensador é um homem cansado, desgarrado, resignado, derrotado no tempo e no espaço. Este não é o espelho do angolano. O angolano é sagaz, tem brilho; o angolano ilumina, é robusto como o gladiador das arenas, ele é resoluto como Spartacus, mesmo sentindo-se traído e inteligente mesmo ofuscado.

Outros povos, ao tomarem consciência do impacto que tem a imagem, acautelaram-se e lapidaram as esfinges que expõem como divisas nacionais. Eis a razão do porquê que, todos aqueles que se engrandeceram cientifica, económica e socialmente, se fazem representar por símbolos ou figuras soberbas, imponentes, que não se esgotam com o modernismo e que inspiram glória para a vitória a todo o sempre. Parece não ser este o nosso caso!?

Para muitos dos angolanos que teceram considerações em volta deste polémico tema, esta figura foi concebida para que os angolanos vissem na estatueta a sua própria imagem e se resumissem a esse estado diminuto, acabrunhado. Quem concebeu a escultura do Pensador, certamente não penetrou no pulsar da alma angolana. Se um povo se revê através dos genes da sua cultura, o impacto que produz o nosso Pensador na interacção da inteligência com a consciência dos Angolanos e entre esta e a  acção prática, não gemina com “O Ser Angolano”.

O propósito velado de quem o concebeu foi para que os europeus, lá fora, ganhassem de mais-a-mais a soberba sobre os angolanos, reduzindo-os a imagem do Pensador tal e qual ela foi esculpida. São estas e outras imagens adulteradas que contribuíram para inculcar na mente de outros povos o culto de superioridade face ao africano angolano, caricaturado com o selvagem das longas noites africanas, com os kalundus, com os demónios que só amam o negativo, que só vivem da maldade e se excitam com a desgraça dos outros. Foi com este propósito que foi projectada esta estatueta que, sem o consenso dos angolanos foi também negativamente atirada para a ribalta. Corroborando com a opinião de Gervásio Manuel : « Foi sim para continuarmos inferiorizados, inibidos, e enclausurados pelo espírito de tacanhez ». Mas agora que somos independentes, que somos livres, convidamos todos a reflectir sobre isso. Angola não pode continuar embebida de abstractos, a viver de mitos e incógnitas. Devíamos descer para a realidade. Tem de haver coragem quando hoje temos tempo suficiente para refazer a Nação. Pena é que, a pátria está alicerçada por cima de qualquer coisa que em nada nos identifica. São essas insinuações enigmáticas que alimentaram a forma dúbia e politizada de pensar de alguns dirigentes e faz com que outros não consigam com o rigor exigido, explicar: que Angola estão a reconstruir e que Angola deixarão para os nossos vindouros.

Por natureza, os símbolos devem ser mitos vivos não dubitativos; devem ser figuras percursoras de energia para acção e criatividade. Quer dizer : se remontarmos o tempo, vamos encontrar nos seus traços de memória, algo de concreto com o qual tenham marcado positivamente a história. O nosso pensador é uma figura ambígua. Hoje não se aponta nada que seja inspiração do nosso Pensador.
Por exemplo, quem pode dizer, que reflexões produziu para Angola e que efeitos elas produziram para o virar de página e para a transformação e progresso das nossas vidas? O mesmo não se passa com a Rainha Ginga. A Rainha Ginga foi imponente, altiva e combativa nas lutas de resistência contra a ocupação colonialista à par com Ngola kiluange. Ela pode ser um dos símbolos de grande referência para o orgulho de todos nós. Além de congregar unanimidade, seus feitos são indesmentíveis dentro e fora do país e seus traços inelutáveis. O Rei Ndunduma é um outro exemplo de referência viva, como são o Mutuyakevela, Ekui-kui ou Mandumem do Kuamato e tantos outros cuja verdade pode ser comprovada, tanto pelos vestígios arqueológicos, como pelos arquivos dos exploradores e colonialistas. Saindo dos personagens personificados, temos o símbolo da nossa companhia aérea TAAG, a Palanca Negra que é sem igual e pela sua raridade, recebe sem contestação o beneplácito de todos os angolanos, ou com os mesmos atributos a Welwitchia Mirabilis.

Portanto, não queremos dizer que o pensador tem de ser a encarnação de um homem erudito e virtuoso; que teria de ter a têmpera do guerreiro das estepes, a argúcia e a astúcia do maquizard ou a visão do Manitu dos índios das américas. Estamos simplesmente a dizer que esta figura do Pensador não tem nada a ver com a originalidade intrínseca dos angolanos. Por isso, tem de haver coragem por parte dos exímios historiadores, antropólogos, sociólogos e hoje mais do que nunca dos políticos. A adopção desta figura para representar o pensamento e a inteligência angolana, foi um descalabro “total”, mesmo que não tivesse sido esta a realidade; mesmo que gente do ministério da cultura, alguns governantes e angolanos desatentos, naturalmente o defendam sem contudo apresentarem argumentos de grande valia.
 
Como surgiu o Pensador?

Segundo os escritos e dados antropológicos: O Pensador é hoje uma figura emblemática de Angola, que aparece inclusive na filigrana das notas de kwanza, a moeda nacional. É considerada uma obra de arte nativa fidedignamente angolana. O Pensador tem origem numa "tradição inventada" — como diria Hobsbawm — ou "convencionada". Na verdade, os primeiros pensadores angolanos foram esculpidos nas oficinas do Museu do Dundo em data posterior a 1947. Nesse ano, por iniciativa da Diamang, a então Companhia dos Diamantes da Lunda, foi criado na povoação do Dundo um museu de arte tradicional e de colecções etnográficas e arqueológicas.

Os funcionários da Diamang, na maioria belgas e portugueses, chegaram a contratar artesãos locais e instalaram-nos em oficinas, incentivando-os a esculpir na madeira ou a modelar no barro figuras que fossem genuinamente "nativas", mas ao mesmo tempo interferindo no sentido de aproximar as formas de uma estética que julgavam ser mais convencional no sentido ocidental. Houve casos, por exemplo, de figuras míticas africanas cujos pés, seguindo a tradição, eram grandes. Os pés do Pensador foram reduzidos por razões "de ordem estética". Mais, poucos sabem, como e porquê que o Pensador foi elevado e enaltecido como símbolo nacional do saber e da Cultura.

*Félix Miranda
Fonte: F8