Luanda - Tem sido recorrente (e ainda bem) na nossa sociedade a advocacia da meritocracia em detrimento da da “cunha”, do compadrio, do nepotismo e do clientelismo para o exercício e/ou ascendência no exercício de funções públicas e políticas e eu não poderia estar mais de acordo! Sempre pensei deste modo até que, no início desta semana, recebi um agradável telefonema de um amigo de longa data com quem partilhei imensos debates, no 28, Lobito, sobre os mais diversos assuntos do nosso futuro e do posicionamento da juventude e o exemplo dos adultos na construção de Angola.

Fonte: Facebook

O ponto fulcral da conversa foi efectivamente se o MÉRITO seria condimento bastante para confecionar a “refeição” da nova Angola e, sendo o caso, que critérios e/ou parâmetros se deverão utilizar para aferir o mérito, enquanto via expressa e adequada para o exercício daquelas funções. A definição dos parâmetros de “mérito” é fundamental para se perceber a justiça da opção e/ou das opções. Ao longo da nossa conversa, lembrei-me então dos medos e dos receios que podem ensombrar aquele pressuposto e criar uma nova forma de solidificar as desigualdades sociais e o fosso entre os que têm/sempre tiveram oportunidades e bens e os que sempre se viram privados destes. Algumas famílias “tiveram” a oportunidade e/ou capacidade para formar os filhos e afins nas melhores escolas e universidades do “Ocidente”, designadamente entre os EUA e o Reino Unido, outras formaram os filhos na Península Ibérica, América latina e na África anglófona.


A maioria formou os filhos, quando conseguiam, nas nossas escolas públicas e outras mais reduzidas em termos de quantidade, na Primeira Universidade Pública. Quando conseguiam era em qualquer curso, pois as opções vocacionais não coincidiam com as ofertas de então. Logo, se um dos parâmetros for o território onde alguém se formou, pode criar-se uma constante no “ciclo vicioso da pobreza” e continuar a promover-se os que sempre tiveram oportunidades. De igual modo, se outro parâmetro forem as “competências” que se possuem, será necessário ter-se em conta o ambiente que existia no mercado educacional e/ou formativo e se este oferecia as competências de forma mais ou menos abrangente a todos ou à maioria dos cidadãos. Poderia citar outros tantos exemplos, creio que estes são suficientes para se perceber o “espírito desta pena”.


Muitas vezes, quando se utiliza de forma “solitária” o Mérito, acabamos por esbarrar em consequências desastrosas, basta olhar para as numerosas pessoas que tiveram acesso à “educação de qualidade” no Ocidente e não mencionam em que universidade estudaram, às vezes nem sequer constariam no Ranking das nossas 15 melhores e noutros casos, tendo frequentado universidades a sério, faltavam-lhes competências outras para acudirem aos grandes desafios que possuem as organizações onde são colocados.


É necessário olharmos para este desafio do MÉRITO sob um prisma de “salada de frutas” com outros princípios e valores, usando necessariamente uma dosimetria de equilíbrio quando for o caso de ponderar entre o cidadão A e B. Terá ou não mérito o jovem que desde tenra idade se viu enquadrado nas fileiras de um exército e enfrentou uma guerra e não teve tempo de ir à universidade? Terá mérito a parteira que mesmo no posto médico, ou do que restou dele, numa qualquer comuna no interior do país ajudou centenas de mães a darem a luz a filhos? Terá aquele jovem soldado as mesmas competências que outro da sua idade que estudou em Londres? Terá aquela parteira as mesmas competências que a sua colega que sempre trabalhou na Maternidade Lucrécia Paim? Terá o licenciado no Núcleo as mesmas competências e oportunidades que o seu colega que se licenciou na sede da Faculdade? Terá o estudante que vivendo só ou em grupo sem saber o que comer antes e depois das aulas, com preocupações de empurrões nos autocarros/táxi as mesmas competências que o estudante que vivendo com os pais, tem motorista e os livros todos para estudar? Terá o “simples” estudante a mesma oportunidade e competência do estudante do quadro de honra? Para estas interrogações podemos ter várias respostas, entretanto podemos reconhecer ao ex-soldado, à parteira e ao licenciado no Núcleo outras valências que nunca deveriam ser descuradas: a fidelidade à Pátria, o sacrifício, o amor pela profissão, a resiliência, a audácia, a verticalidade e a lealdade.


É preciso interiorizar que, em muitos casos, a avaliação pura e simples das competências académicas e/ou profissionais não é a garantia de sucesso e/ou de bem-fazer ou desempenhar uma função pública ou privada, antes pelo contrário! Às vezes podem ser sinónimo de mau ambiente de trabalho e de uma desenfreada corrida ao ter a qualquer custo e sem olhar a meios. Outras vezes, estas competências e o mérito são meras retóricas, pois na prática são incapazes de ser demonstradas e estas pessoas escudam-se na arrogância para ocultarem as debilidades e/ou as suas insuficiências.


Por isso, é fundamental que como ponto de partida estejam definidos todos os parâmetros que serão usados como recheio do Mérito e da competência. É mais fácil transformar em competente um cidadão vertical, leal, destemido, comprometido, humilde e honesto do que o contrário. Por isso é preciso ter-se cuidado quando se assume que a meritocracia deve ser o critério quando o conteúdo lá não estiver claramente identificado. De igual modo, é quase impossível transformar em honesto, vertical e probo um cidadão cuja qualidade isolada é a “competência”, quando toda a vida viveu com feitos e ideias alheias e tratou com arrogância os seus pares e colaboradores. Diz-se que «quando se está diante de uma grande personalidade, descobrimos o que queremos ser», porém, cada individuo tem dentro de si um conceito diferente de “grande personalidade” por isso, se diz também: “diz-me quem são os teus ídolos e dir-te-ei o que de ti se espera”…