Luanda - Discurso do Presidente Isaías Samakuva na Abertura da III Reunião da Comissão Política

Estimados companheiros:

Saúdo calorosamente a todos os presentes, dirigentes e quadros do nosso glorioso Partido, provenientes de todas as províncias do país, que vieram a Luanda para a III Reunião Ordinária da Comissão Política da UNITA. Sejam todos bem-vindos!

Esta reunião do órgão máximo de direcção do nosso Partido no intervalo dos Congressos ocorre num momento em que no espaço de uma semana, ou seja, entre os dias 2 e e 9 de Dezembro, perdemos dois companheiros que dedicaram a maior parte das suas vidas na defesa dos oprimidos deste País. Firmes nos princípios que constituem o fundamento da existência do nosso Partido, os companheiros que nos deixaram nunca vacilaram na defesa da nossa Causa. Estamos a falar dos companheiros Carlos de Oliveira Fontoura e João Marques Tiama, ambos membros deste órgão do nosso Partido. Em vida, ambos representaram o partido na Assembleia Nacional e serviram-no com zelo e muita dedicação, nas várias funções que desempenharam. Como forma de honrar a memória destes nossos companheiros e ilustres filhos de Angola, peço que lhes prestemos um minuto de silêncio.


O momento político no país é particularmente dramático porque após vários anos de má governação e já depois de consolidada a paz, o país caiu numa crise generalizada sem precedentes: a corrupção foi institucionalizada e o Estado foi capturado por um partido político que com ele se confunde. Este partido, por sua vez, foi sequestrado e instituiu a oligarquia que controla a economia e funciona como força de bloqueio da sã concorrência e da fiscalização dos actos da oligarquia.


Nos últimos anos, os crimes de peculato, quadrilha, fugas de capital e de corrupção foram mesmo branqueados pelos poderes públicos à luz do dia, sendo as aplicações do produto do roubo rebaptizadas de “acumulação primitiva de capital» ou mesmo de “investimentos privados”. Tais práticas, junto com a impunidade dos agentes públicos envolvidos, agravaram os níveis de pobreza material e espiritual dos angolanos e colocaram o nosso país no topo dos países mal governados do mundo.


Pouco a pouco, ano após ano, o nosso Partido, a UNITA, foi denunciando este drama, contribuindo para a formação da opinião pública e da consciência nacional e política, rumo à mudança. Activistas e outras forças da sociedade civil também o fizeram, até que, finalmente, os angolanos estão a testemunhar, pela primeira vez, o MPLA a fazer meia culpa e vir reconhecer, finalmente, que foi ele quem instituiu a corrupção em Angola.


Afinal, a UNITA tinha razão quando dizia que o Estado angolano dirigido pelo MPLA funda-se na corrupção, vive na corrupção e promove a corrupção. Mais vale tarde do que nunca.


Mas atenção, já no passado decretou-se a tolerância zero contra a corrupção. Mas qual foi o resultado? A corrupção agravou-se e estendeu-se por, praticamente toda a sociedade.


Deve ser notado que antes mesmo das eleições de 2017 serem convocadas, já a grande maioria dos angolanos tinha decidido mudar o rumo do país. Este sentimento generalizado de mudança foi percebido pelo Partido estado, que, para sobreviver, não teve outra alternativa senão abraçar o sentimento nacional de mudança e apresentar-se às eleições gerais sob o lema “corrigir o que está mal, melhorar o que está bem”.


O Presidente João Lourenço parece ter entendido o clamor do povo por mudança, pelo que, nos primeiros 100 dias de governação, tem estado a dar alguns sinais de que pretende corresponder aos anseios dos angolanos pela mudança.


Confrontados com o patriotismo e a coragem política do novo Presidente da República para corrigir o que está mal, as forças da continuidade e do bloqueio à mudança não têm outra alternativa senão fazer meia culpa e implementar mesmo as reformas políticas que os angolanos reclamam.


Esta situação, naturalmente, coloca o Presidente da República mais próximo das aspirações do povo, tal como interpretadas pela UNITA, do que das forças de bloqueio no seio do Partido estado. Por isso, algumas pessoas afirmam erradamente que o Presidente deixou a oposição sem discurso.


Estão enganadas porque é exactamente o contrário. É o Presidente da República que vem ao encontro dos anseios do povo por mudança. E é assim que deve ser. Se o Presidente adopta como Agenda do Estado a agenda do povo, então, concretiza-se a democracia, porque democracia significa governo do povo, pelo povo e para o povo. De facto, quando o Presidente resolve e cito: “reforçar a democratização, priorizar a agricultura, a educação, a saúde e a acção social, reduzir a despesa do Estado com o seu funcionamento, assegurar a qualificação e modernização da Administração Pública; a Transparência e igualdade nos concursos públicos; o reforço do associativismo e da sociedade civil; a reforma do Estado, a reforma da Justiça e, principalmente o combate à corrupção e o fim da impunidade”, o Presidente está a implementar a agenda nacional, proposta pela oposição, em particular a UNITA.


Agora, os angolanos esperam que o Presidente passe das palavras para os actos. Quando o Presidente da República diz, por exemplo, e cito: “Queremos ver o Parlamento a assumir as suas reais funções de fiscalização do Executivo”, os angolanos esperam que o líder do MPLA instrua a sua bancada parlamentar para solicitar ao Tribunal Constitucional a anulação do Acórdão que impede o Parlamento de fiscalizar o Executivo. Ou, alternativamente, que legisle especificamente sobre o assunto com urgência para não permitir que as forças de bloqueio continuem a utilizar o poder judicial como veículo instrumental para subverter a Constituição e legislar, ao invés de simplesmente interpretar a lei.


No mesmo sentido, os angolanos esperam que o MPLA viabilize no Parlamento os sucessivos pedidos da UNITA para a constituição de Comissões Parlamentares de Inquérito para fiscalizar os actos do Executivo, em particular as contas da SONANGOL, o papel do Estado na recuperação de uma banco privado, o Banco Espírito Santo Angola e o desempenho do Fundo Soberano.


Em segundo lugar, os angolanos esperam que o Senhor Presidente da República apresente ao país o relatório que terá recebido do seu antecessor, o Presidente José Eduardo dos Santos, sobre o estado das finanças públicas, em particular a indicação expressa sobre onde estão os cerca de 130 mil milhões de dólares que o Parlamento colocou sob sua guarda entre 2011 e 2014, no quadro das reservas especiais criadas fora do Orçamento Geral do Estado com base no diferencial entre o preço real do barril de petróleo vendido e o preço utilizado nos cálculos do OGE e registado nas contas do Estado.


Naquela altura, o Titular do Poder Executivo fez questão de escrever nas propostas de Leis que aprovaram os respectivos OGE´s que o Parlamento colocava as reservas criadas sob sua gestão exclusiva, mas na hora da prestação de contas por via da conta do Estado não evidenciou com igual destaque o destino dado a tão avultadas somas. Onde está esse dinheiro? São cerca de 130 mil milhões de dólares!


O Presidente da República afirmou recentemente que o país tem dinheiro, tem divisas, mas estas estão fora do circuito oficial. Quem são as entidades oficiais que mantêm as divisas fora do circuito oficial? Em que país estamos? Quem capturou o Estado e suas divisas? Os angolanos esperam que o Presidente da República utilize os seus poderes constitucionais e assuma o controlo do Estado e suas divisas. E que inclua tais fundos numa rubrica específica do OGE de 2018, como por exemplo, «receitas extraordinárias», no âmbito do regresso ao país dos fundos referidos pelo Senhor Presidente da República. O exemplo deve vir de cima!


Em terceiro lugar, os angolanos concordam com o senhor Presidente e esperam que as outras fortunas acumuladas primitivamente sejam declaradas para serem legitimamente investidas no país. Segundo os pesquisadores, Angola tem uma riqueza líquida privada estimada em 75 mil milhões de dólares, a sexta maior do continente. Esta riqueza foi gerada pela economia nacional mas não está registada nas contas nacionais. Uma parte está aqui mesmo no país e outra está no estrangeiro, sob as mais diversas formas e disfarces. Pertence à cerca de 320 entidades multimilionárias, isto é, que detêm um património individual superior a 10 milhões de dólares e 6.100 entidades milionárias, isto é, com fortunas de um milhão de dólares.


Todas elas pertencem ou estão ligadas à mesma família política, ao MPLA, o partido que subverteu o Estado para institucionalizar a corrupção e que agora vem dizer aos donos do dinheiro que pretende combater a corrupção!


O MPLA reconhece agora que violou a lei, subverteu o Estado e enganou os angolanos. Não quer, naturalmente, responsabilizar os autores destes roubos ou fugas de capitais. Aliás já se auto amnistiaram. Não nos vamos pronunciar sobre a legitimidade ou moralidade dessa medida. Mas os angolanos estão atentos e saberão julgar a seriedade da meia culpa do MPLA.


Vão declarar a totalidade do que realmente levaram? Quem vai fiscalizar o MPLA? É o próprio MPLA?


Não basta decretarem-se amnistias e fazerem-se exonerações. O país precisa de medidas urgentes e efectivas para se travar a fuga de capitais, legitimarem-se os investimentos e concretizar-se a justiça social.


É preciso ter presente que o dinheiro roubado não é propriedade do MPLA, é dos angolanos todos. Se o MPLA quer mesmo ser sério no combate à corrupção que origina a fuga de capitais e a fraude fiscal, os primeiros passos práticos devem ser dados já agora, na aprovação da proposta de lei do Orçamento Geral do Estado para o ano económico de 2018.


Primeiro, o MPLA deve juntar-se aos parlamentares da UNITA e aprovar o Projecto de Lei sobre o REGIME EXTRAORDINÁRIO DE REGULARIZAÇÃO PATRIMONIAL (RERP) que a UNITA já tem pronto e vai submeter ao Parlamento para possibilitar o retorno ao país dos capitais levados ao exterior, a seu registo nas contas nacionais e a tributação dos respectivos rendimentos.


Seguidamente, uma estimativa dos fundos a arrecadar deve ser incluída como receita extraordinária do OGE para 2018 e uma instituição multidisciplinar ad hoc deve ser criada para gerir este dossier do Estado. Um Orçamento Geral do Estado que inclua tais receitas extraordinárias; que tenha como objectivos o reforço da democratização, o resgate da cidadania, a redução da fome e da pobreza, o combate à criminalidade, incluindo à alta corrupção e que inclua medidas para a renegociação da dívida, para a actualização da subvenção do Estado aos partidos políticos, para a gestão financeira dos Tribunais pelo Poder Judicial e para o financiamento pelo Estado da formação dos primeiros autarcas, merecerá certamente a aprovação de todos.


Se o MPLA não der estes passos concretos para enterrar de vez a impunidade e combater a corrupção, então os angolanos irão concluir que todo este discurso de combate à corrupção não passa de retórica e de um expediente para proteger o produto dos roubos, enganar mais uma vez os angolanos e sobreviver politicamente.


E nesse sentido, temos de reconhecer, o Presidente João Lourenço surpreendeu-nos, porque tendo sido eleito pela CNE a mando do Partido estado, tem-se comportado até aqui como Presidente de uma República, e não como Presidente imposto por uma oligarquia que sequestrou o Partido estado. Esperamos agora, que passe da teoria à prática!

Despartidarização do Estado


Prezados companheiros:


Ainda é cedo para afirmar se a mudança de cerca de 130 pessoas no aparelho de Estado e os discursos vão resultar na mudança de atitudes, comportamentos e políticas, ou seja num movimento contínuo, decisivo e sustentável de reformas conducente à necessária mudança do regime que governa Angola há 42 anos.

Não haverá reforma efectiva do Estado nem combate efectivo à corrupção nem progresso social sem se fazer primeiro a despartidarização do Estado.


Tudo gira à volta de um partido político que se confunde com o Estado. A corrupção só chegou aos níveis em que está, porque não há separação de poderes. E não há separação de poderes, porque o país é governado por um Partido estado. A justiça só chegou ao estado calamitoso em que se encontra, porque o país é governado por um Partido estado. As eleições têm vencedores antecipados e resultados manipulados, porque o país é governado por um Partido estado. A improbidade e a impunidade só são realidades incontornáveis em Angola porque o país é governado por um Partido estado. A economia é dominada por monopólios e cartéis porque o país é dominado por um Partido estado.


Num Estado democrático de direito não pode haver um Partido estado. Este é um momento decisivo para o nosso país porque, se Angola pretende mesmo corrigir o que está mal o ponto de partida é a despartidarização do Estado. A despartidarização do Estado não é, por isso, uma questão partidária, a ser dirigida pelo líder de um partido político. É uma questão nacional, a ser dirigida pelo Presidente da República e para a concretização da qual todos temos o direito e o dever de participar.


Enquanto partido político de um Estado democrático, o MPLA não se sobrepõe ao Estado. Quem define a orientação política do País e dirige a política geral de governação é o Presidente da República, e só ele. Angola só tem um Chefe de Estado, e não dois. E por isso mesmo é urgente que o país deixe de ser definitivamente um Partido estado.


A Constituição, no seu artigo 120, atribui exclusivamente ao Presidente da República a competência de definir a orientação política do país, nos seguintes termos: “Compete ao Presidente da República, enquanto titular do Poder Executivo definir a orientação política do País…e dirigir a política geral de governação do País e da Administração Pública”.


Por outro lado, a despartidarização do Estado não se confunde com o fim daquilo que alguns chamam era Eduardista. Não basta substituir pessoas ou garantir lealdades. É preciso mudar atitudes, mudar políticas, alterar comportamentos e mudar a cultura de governação. É preciso afirmar a República, ampliar e fortalecer a democracia para se consolidar o Estado de direito.


A despartidarização do Estado exige, por isso, mais cooperação do que incriminações, mais diálogo directo do que críticas indirectas. Exige mais acção, mais inclusão e mais participação.


Nesse sentido, a UNITA está pronta para estabelecer canais adequados de comunicação para aprofundar o diálogo com as estruturas do
Poder Executivo visando consolidar o Estado de direito e aperfeiçoar a qualidade da governação.


A mensagem sobre o imperativo da despartidarização do Estado deve ser clara e inequívoca: a eliminação dos monopólios e o combate à corrupção só acontecerá se a sua motivação for o bem comum, a justiça, o respeito pela cidadania e pela Constituição, e não apenas conveniências políticas momentâneas ou de grupo.


É preciso reconhecer, em primeiro lugar, que a natureza dos monopólios no nosso país é primeiramente política, ou melhor, é político-partidária, porque os monopólios, duopólios e cartéis existentes nas telecomunicações, na Banca, nos combustíveis, nos diamantes e no grande comércio, foram concebidos pelo Partido-estado e são mantidos por ele para fins políticos e hegemónicos.
É preciso reconhecer, em segundo lugar, que acabar com os monopólios e combater a corrupção significa acabar primeiro com a hegemonia económica do Partido-Estado e sua visão de um Estado segregacionista e uma economia hegemónica assente no clientelismo, nos monopólios e na corrupção.


O fim dos monopólios implica necessariamente um novo paradigma nas relações de poder. Implica inclusão, harmonização e reconciliação.


Se o MPLA não estiver preparado para ir tão longe em corrigir o que está mal, o Estado não pode esperar. Angola já perdeu muito tempo. O tempo para agir é agora!


A Assembleia Nacional, enquanto órgão de soberania que exprime a vontade soberana do povo, poderá mesmo elaborar uma Resolução que consagre um Plano de Acção para a Despartidarização do Estado.


No decurso desta reunião, a Comissão Política deverá aprofundar este assunto e aprovar uma Resolução específica sobre a dimensão político-cultural das reformas que os angolanos reclamam e esperam que o seu Presidente concretize.

Autarquias
Companheiros,
Minhas senhoras e meus senhores:

Notamos com alguma preocupação que o Senhor Vice-Presidente da República, ao abordar o programa do Executivo para a transferência de competências para as autarquias locais, realçou a desconcentração no lugar da descentralização. Priorizou a transferência de competências da Administração central do Estado para a Administração local do Estado, ou seja, do Titular do Poder Executivo para o Titular do Poder Executivo.


Não nos parece ser esta a orientação constitucional. A Constituição estabelece claramente que a realização das atribuições e dos interesses específicos da administração do Estado concretiza-se apenas a nível provincial e não deve prejudicar a autonomia das autarquias locais, que são os únicos órgãos de administração local previstos para os municípios.


A Constituição manda transferir certas atribuições da Administração central do Estado para as autarquias locais, que são órgãos autónomos do poder local, não subordinados ao poder executivo. Esta transferência é feita com base nos princípios da descentralização político-administrativa e da autonomia local. Só as Autarquias locais, e não a Administração Local do Estado, têm o direito de gerir e regulamentar, nos termos da Constituição e da lei, sob sua responsabilidade e no interesse das respectivas populações, os assuntos públicos locais.


Não podemos falar em municipalização dos serviços públicos sem estabelecer primeiro as autarquias no plano prático, sob pena de subverter a Constituição, atrasar ainda mais o desenvolvimento do país e defraudar as expectativas dos cidadãos.


Os municípios, nos termos da Constituição, não são pessoas colectivas territoriais correspondentes ao conjunto de residentes na circunscrição municipal. Apenas as autarquias o são e só elas podem assegurar a prossecução dos interesses dos munícipes, mediante órgãos representativos das respectivas populações. É com as autarquias que o Estado deve repartir a titularidade e gestão do equipamento público existente nos municípios. É para elas que a lei deve estabelecer o regime de finanças locais tendo em vista a justa repartição dos recursos públicos pelo Estado e pelas autarquias e a consagração da arrecadação de receitas e dos limites de despesa.

No decurso desta reunião, a Comissão Política deverá discutir este assunto e aprovar uma Resolução específica sobre os passos a dar em sede da Assembleia Nacional e junto do Titular do Poder Executivo para se “passar as autarquias locais do texto constitucional para a realidade dos factos”, nas palavras do Presidente da República.

Questões partidárias
Prezados companheiros


A nossa reunião vai pronunciar-se também sobre questões da vida interna do Partido, designadamente o calendário político para 2018, o orçamento e contas do Partido e sobre o momento para a eleição do Presidente e demais órgãos de direcção do Partido. Creio que esta reunião vai produzir decisões que vão contribuir para criar uma nova dinâmica no seio do nosso partido de forma a alavancá-lo para patamares mais altos e para a consolidação do movimento da mudança. Desejo, por isso, que o nosso trabalho tenha bons êxitos.
Declaro assim aberta a III Reunião da Comissão Política da UNITA.