Luanda - Na história moderna, os “esquadrões da morte” foram iniciados pelo Partido Comunista bolchevique, após o seu triunfo na Revolução Russa de 1917. Através da sua polícia política, a Cheka, os bolcheviques procediam à eliminação, sem qualquer julgamento, dos “inimigos do povo”. Este método foi aprofundado pela NKVD (Comissariado do Povo para os Assuntos Internos) de Estaline, que se destacou pela criação de listas de alvos a abater e pela imposição de quotas de assassinatos a executar2. Do lado oposto, na Alemanha nazi, as Unidades Móveis de Extermínio das SS também se especializaram nos assassinatos extrajudiciais de inimigos do Reich, de judeus e de outras minorias.

Fonte: Relatório Maka Angola

A metodologia utilizada é sempre a mesma: o assassinato baseado em listas criadas por grupos com apoio do poder político. Em Viana não é diferente: um vendedor de cartões de recarga telefónica, Simão Catequele, é responsável por elaborar a lista de extermínios do seu bairro, Mulenvos de Cima. Nessa lista, inclui dois vizinhos, que são levados para a esquadra local, onde agentes policiais lhes esfolam as costas com catanas. Aparentemente, trata-se de um ajuste de contas, um caso passional em que Catequele usou o poder arbitrário da sua lista para que as forças do Estado eliminassem os seus rivais.

 

O modelo dos “esquadrões da morte” foi adoptado em vários países, sobretudo em ditaduras.

 

Um dos casos mais próximos de Angola ocorreu no Brasil durante a Ditadura Militar de 1964-1985. O relatório brasileiro posterior aos eventos descreve-os da seguinte forma: “A formação de grupos [esquadrões da morte] se deu em São Paulo no final dos anos 1960. O Esquadrão paulista surgiu justificado numa espécie de ‘ofensiva contra o crime’. Os agentes envolvidos foram apontados como autores de tortura e morte de civis e presos políticos.” Muitas vezes, acrescenta o relatório, estes grupos estava envolvidos com a criminalidade, agindo a favor “de diversos interesses, com ligações directas com as economias criminais, como, por exemplo, o jogo do bicho, a prostituição e também o tráfico de entorpecentes, além de torturas e assassinatos”4.

 

E esta é uma primeira questão que se coloca em Angola: os “esquadrões da morte” obedecem a ordens da hierarquia e do poder político ou estão ao serviço de organizações ligadas ao crime?

 

Em todo o caso, as duas realidades, a política e a criminosa, acabam por se confundir. No Brasil, o mesmo aconteceu. Roberto Abreu Sodré, por exemplo, à época governador de São Paulo, foi um dos principais defensores dos “esquadrões da morte”, afirmando que estes acabavam com os marginais.

 

O que posteriormente se comprovou foi que estes esquadrões matavam quem quer que se lhes opusesse, marginal ou não, quem se opusesse ao governo e/ou aos interesses das organizações criminosas que patrocinavam os polícias.

 

Para demonstrar que a estratégia do extermínio não combate o crime, a Human Rights Watch reportou, em 2015, o assassinato policial de cerca de 3345 pessoas no Rio de Janeiro5, onde as estatísticas criminais aumentam todos os dias, e a insegurança também.

 

Presentemente, um dos países mais assolados por execuções extrajudiciais são as Filipinas. Segundo dados publicados7, mais de 3600 pessoas foram assassinadas nas Filipinas desde 1 de Julho de 2016, ou seja, desde que Rodrigo Duterte tomou posse como presidente e iniciou a sua guerra contra as drogas e o crime. Os assassinatos em massa provocaram preocupação internacional e geraram um clima de anarquia e de terror.

 

Para o nosso relatório, devido às semelhanças com o caso angolano, interessa revelar o esquema de funcionamento da campanha de morte promovida pelo governo e as autoridades das Filipinas. Tal como em Angola, o governo recorre às forças de autoridade para executar os seus planos de aniquilação de cidadãos indesejados.

 

De acordo com informações transmitidas por um alto oficial filipino, a polícia e os serviços secretos do seu país organizaram equipas de operações especiais que “neutralizam” (i. e. matam) os indesejáveis. Este oficial deixa bem claro: o governo criou esquadrões de morte para matar os criminosos. Existem dez equipas de operações especiais da polícia, que foram recentemente formadas e são altamente secretas, cada uma com 16 membros. Essas equipas são coordenadas para executar uma lista de alvos: suspeitos de utilização de drogas, traficantes e criminosos em geral. Nas Filipinas, os assassinatos ocorrem maioritariamente durante a noite, com os oficiais encapuçados e vestidos de preto.

 

As operações decorrem de modo simples: os polícias acertam os seus relógios, e têm um minuto ou dois para extrair os indivíduos-alvo de suas casas, matando-os de imediato — com rapidez e precisão, sem testemunhas. Depois, despejam os corpos na cidade vizinha ou debaixo de uma ponte.

 

Como veremos, em Angola o modus operandi é o mesmo. A diferença mais evidente é a maior impunidade e descontracção com que os agentes policiais angolanos actuam — à luz do dia, como os fuzilamentos no Campo da Escolinha, bairro 6, perante uma audiência de alunos em recreio, por vezes interrompendo jogos de futebol para as matanças.

 

Um dos efeitos, aparentemente contraditórios, das políticas de extermínio de “marginais” é a forma como os verdadeiros mandantes e beneficiários do crime acabam por ser protegidos pelo abate dos mais fracos.

 

Não por acaso, o filho do presidente das Filipinas foi recentemente acusado, no Senado, de ser um dos grandes traficantes de droga das Filipinas. E no entanto, assim que tomou posse, Rodrigo Duterte esclareceu as suas intenções, anunciando que ofereceria medalhas e dinheiro aos cidadãos que matassem traficantes de droga. “Cumpra com o seu dever e se, de caminho, matar mil pessoas porque está a cumprir com o seu dever, eu protegê-lo-ei.”

Noutra alocução, no mesmo dia, Duterte declarou: “Se conhece algum drogado, mate-o você mesmo, porque obrigar os pais a fazê-lo será muito doloroso.”9 Portanto, o corolário lógico dessa ordem seria a carta-branca para que as autoridades policiais matassem o seu filho sem qualquer averiguação nem julgamento. Entretanto, obviamente o filho de Duterte reagiu à acusação do Senado recorrendo à presunção de inocência e a todos os meios legais disponíveis para se defender.

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O CAMPO DA MORTE: RELATÓRIO SOBRE EXECUÇÕES SUMÁRIAS EM LUANDA