Luanda. - O artigo 3.º, n.º 1, alínea e), da Convenção em referência (33.º, do Acordo bilateral), define os casos de excepção, ou seja, consagra as situações em que o auxílio é recusado, razão pela qual, por força do preceito do artigo 4.º, n.º 1, da Convenção (38.º do Acordo bilateral), nestas circunstâncias manda observar a lei do Estado requerido, que no caso "sub judice", a lei aplicável é a angolana, logo;

Fonte: JA

Não faz sentido a decisão da justiça portuguesa, mais concretamente, a proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa (adiante designado TJCL), que negou a transferência do processo para a justiça angolana, por força dos instrumentos jurídicos de cooperação existentes e que obrigam a prestação do auxílio em matéria penal, uma vez que os argumentos utilizados para fundamentar a mesma (decisão), não colhem por manifesta violação do princípio do acusatório, já que indicia uma convicção antecipada do julgador sobre os factos objecto do processo e sobre a pessoa dos visados pois, não é aceitável que num Estado democrático e de direito, o Tribunal receba uma acusação formal contra uma pessoa que nunca foi constituída arguida nos autos, salvo nos casos admissíveis por lei em processo de ausentes, cumpridas determinadas formalidades processuais, o que não é o caso, sem antes tomar conhecimento da versão dos factos da parte acusada (Manuel Vicente), em homenagem ao princípio do contraditório, tendo em atenção que não apenas as decisões condenatórias garantem a boa administração da justiça pois, este fim último só é alcançável na sua plenitude também com as decisões absolutórias e o concurso de outras causas de extinção da responsabilidade criminal e das penas, v.g., a amnistia, o perdão, e outros institutos legais consagrados, quer na lei portuguesa, como na lei angolana (Vide artigos 125.º, do Código Penal Angolano, adiante designado por de CPA e 127.º, do Código Penal Português, adiante designado por CPP), por força do princípio da legalidade, daí que;


Torna-se incompreensível a razão do porque que a justiça portuguesa se negou e se nega a cumprir um acordo, cujas normas integram a sua ordem jurídica, por força do preceito do artigo 8.º, n.º 2, da CRP, só porque Angola, no exercício do seu poder soberano, aprovou uma lei da amnistia, que constitui uma das causas de extinção do procedimento criminal, da responsabilidade criminal, das penas e das medidas de segurança, consagrada na lei angolana, como na lei portuguesa, ex vi artigos 125.º, do CPA e 127.º, do CPP, além de que;

Recomenda o princípio da aplicação da lei mais favorável, com dignidade constitucional, quer em Angola, como em Portugal, ex vi artigos 65.º, n.º 4, parte final, da CRA e 29.º, n.º 4, parte final da CRP, ainda que retroactivamente, que não confrontação de duas leis em conflito aparente para disciplinar a situação objecto do processo em análise, deve se dar preferência a lei mais favorável, no caso, a lei angolana que eventualmente já não pune as pessoas visadas, reforçando assim a tese que contraria o fundamento da decisão do TJCL, que entende que o facto de existir uma lei que eventualmente amnistiou estes crimes em Angola, não está assegurada a boa administração da justiça, razão pela qual;

Da análise feita nesta sede, podemos extrair como conclusão preliminar em relação ao cidadão angolano Manuel Vicente as seguintes:


1º- Embora os factos imputados à Manuel Vicente ocorreram quando este exercia a função de Presidente do Conselho de Administração da Sonangol, dada a sua qualidade de Vice-Presidente da República de Angola, em 2016, altura em que se despoletou este processo, nunca o mesmo (processo) deveria ser instaurado (desencadeado o procedimento criminal), por respeito não a pessoa de Manuel Vicente, como cidadão angolano, mas sim à instituição Vice-Presidência da República que ele titulava ou representava, em homenagem ao princípio da reciprocidade e do respeito mútuo da soberania e instituições de cada Estado, resultantes dos instrumentos de cooperação jurídica e judiciária existentes e, como corolário, é o processo juridicamente inexistente, por falta de um pressuposto de existência (falta de jurisdição em relação a Manuel Vivente), posição corroborada pelo Professor Germano Marques da Silva da Faculdade de Direito da Universidade Católica de Lisboa, quando diz no seu parecer sobre o caso em apreço que, “a declaração da inexistência do processo por falta do pressuposto processual decorrente da imunidade determina o arquivamento do processo (…) por falta de jurisdição, …”, logo;


2º- O Ministério Público português prestou e continua a prestar um mau serviço a justiça portuguesa, ao povo português e à nação portuguesa, por ser o mentor da crise que afecta as relações diplomáticas e de cooperação entre os povos irmãos de Angola e de Portugal, por ter desrespeitando o Acordo de Cooperação Jurídica e Judiciaria existente entre os dois países e de outros instrumentos internacionais de auxílio judiciário que são do seu conhecimento e domínio, deixado de realizar diligências de prova essenciais à descoberta da verdade material, bem como, pela inobservância de alguns pressupostos processuais de existência e de validade do processo, mas;


3º- Ainda estava e está em tempo de, em sede do Tribunal de primeira instância, corrigir as graves irregularidades processuais cometidas, num primeiro momento, quando a defesa de Manuel Vicente requereu o arquivamento do processo, dado a gravidade dos vícios que o enfermam, incluindo de inexistência jurídica e, em alternativa, a transferência do processo para a justiça angolana, ao abrigo dos instrumentos jurídicos de cooperação em matéria penal existentes entre Angola e Portugal, na parte que diz respeito ao seu constituinte, se tivesse a hombridade de reconhecer os seus erros e na sua promoção, em consequência da vista que lhe foi dado pelo TJCL, sufragasse os argumentos da defesa, daí que;


4º- Germano Marques da Silva diz ainda no seu parecer que, “a falta de pressupostos processuais impede qualquer decisão no processo, donde que a falta de algum dos sujeitos da relação jurídica processual – tribunal, Ministério Público ou arguido – impede que a relação jurídica se constitua, implicando que qualquer decisão eventualmente proferida, numa relação só aparentemente constituída, seja também inexistente”, posição que legitima a tese que aqui defendo sobre o processo em pauta, no que tange ao cidadão angolano Manuel Vicente, por nunca ter sido constituído arguido, logo, não é sujeito, tão-pouco parte da relação jurídico-processual em causa, razão pela qual, não há condições para o inicio do julgamento no dia 22 de Janeiro do ano em curso, se for cumprida a lei portuguesa sobre a matéria em referência pois, o mínimo que poderá acontecer naquela sessão é o TJCL se pronunciar sobre as irregularidades (Inexistências e nulidades) que são do conhecimento oficioso, ex vi artigos 119.º, alínea c) e 311.º, do CPP, ou, em alternativa, ordenar a separação de culpas para, por um lado, em relação à Manuel Vicente, remeter para à justiça angolana, ou aguardar produção de melhor prova e, por outro lado, possibilitar a realização do julgamento apenas dos arguidos portugueses;


5º- O Governo português através da titular do pelouro da justiça, mediante pareceres solicitados à alguns especialistas em matérias do direito processual penal, que abundam em Portugal, dentro do quadro legal do país e, à luz da segunda parte, muito ocultada, do princípio da separação e interdependência de poderes, no espaço legal de concertação e harmonização das acções dos órgãos de soberania do Estado português, ex vi artigo 114.º, da CRP e 32.º, 37.º, 43.º e seguintes, 80.º, do Estatutos do Ministério Público Português, poderia e pode ainda influenciar o Ministério Público a cumprir com o plasmado na Constituição e nas leis portuguesas, incluindo o acordo e as convicções em que os dois Estados são partes, ex vi artigo 8.º, n.º 2, da CRP, é não ficar ancorado ao teor do badalado e “oculto” parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República, que pela sua estrutura e direcção, só vai confirmar a tese até aqui defendida pelo Ministério Público Português, na situação igual à de “quem é insultado pelo porco e se vai queixar ao javali”, logo; (sublinhado é meu)


6º- Reafirmo a minha tese, segundo a qual não assiste razão ao Governo Português e ao Ministério Público de Portugal, quando se escudam no princípio da separação e interdependência de poderes para nada fazerem no sentido de se ultrapassar o “impasse” que se verifica nas relações entre Portugal e Angola em prejuízo dos interesses dos dois povos irmãos, porque unidos por laços seculares, históricos e de consanguinidade, já que;

7º- Angola, em momento algum pediu a absolvição de Manuel Vicente, ou o arquivamento do processo, mas tão-somente que a tramitação do mesmo (processo) obedeça as regras estabelecidas pelos instrumentos jurídicos de cooperação internacional no âmbito do auxílio jurídico, judiciário e judicial existentes e subscritos pelos dois Estados, quer bilateral, como multilaterais, no respeito das soberanias de cada um (dos Estados) e dos princípios, da legalidade, da igualdade, do respeito mútuo e da reciprocidade, daí a razão de o Presidente da República de Angola ter dito na sua entrevista colectiva realizada no dia 08 de Janeiro do ano em curso que, “a bola está do lado de Portugal …”, logo;


8º- Em caso de não ser admitida a primeira opção, que só é admissível por mera hipótese académica, já que, quer a CRA, como a CRP, assim impõem, à luz do Acordo de Cooperação Jurídica e Judiciário existente entre os dois Estados, bem como, em alternativa, da Convenção de Auxilio Judiciário em Matéria Penal Entre os Estados da CPLP e da Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção, deveriam ser extraídas certidões das principais peças do processo e de outros elementos de prova para que, com a separação de culpas, sem prejuízo de o processo prosseguir em relação aos arguidos de nacionalidade portuguesa e que se encontram em território de Portugal, mandar aguardar produção de melhor prova até 27 de Setembro de 2022, altura em que, por força das disposições combinadas dos artigos 127.º, n.º 3 e 131.º, n.º 4, aqui chamados a colação pelo preceito do artigo 4.º, n.º 1, da Convenção de Auxilio Judiciário em Matéria Penal Entre os Países da CPLP (38.º do Acordo Bilateral), retomar o procedimento criminal, em princípio, caso o julgamento dos arguidos (portugueses), Paulo Blanco e Armindo Pires, culmine numa decisão condenatória, o que se afigura improvável pelos últimos desenvolvimentos e revelações públicas do caso, ou;

9º- Em alternativa, remeter o processo, na parte correspondente ao cidadão angolano Manuel Vivente, para a justiça angolana titular da jurisdição sobre o território onde ele reside e se encontra, para tratamento devido e em conformidade com as leis angolanas, independentemente das soluções nelas consagradas, em respeito da soberania nacional e das suas instituições.