Lisboa - O jornalista e ativista Rafael Marques vai a julgamento a 5 de março, por um artigo de 2016 que levantava suspeitas de corrupção contra o então PGR. O pedido de Paul Ryan não foi ouvido em Angola.

Fonte: Lusa

O jornalista e ativista angolano Rafael Marques vai mesmo a julgamento por “ultraje a órgão de soberania e injúrias contra autoridade pública” na sequência de um artigo que escreveu em novembro de 2016 no jornal “Maka Angola”, no qual levantava suspeitas de corrupção sobre o então Procurador-Geral da República de Angola, João Maria Moreira de Sousa. Um mês depois da acusação do Ministério Público angolano, o presidente da Câmara dos Representantes dos EUA, Paul Ryan, apelou a que fosse retirada a acusação contra Rafael Morais e Mariano Lourenço (que publicou um follow-up do artigo no jornal que dirige, “O Crime”). Ao que o Observador apurou, o processo vai mesmo avançar e Rafael Marques até já foi notificado para depor no julgamento no dia 5 de março.


Tudo começou com a publicação do artigo “Procurador-Geral da República envolvido em corrupção”, de Rafael Marques, no ‘Maka Angola’, a 26 de outubro de 2016. Depois disso, Mariano Lourenço publicou um outro artigo com o mesmo assunto e um título idêntico: “Procurador-Geral da República acusado de corrupção”. A notícia descrevia que o PGR angolano teria alegadamente pagado um valor inferior por um terreno de três hectares considerado rural, mas que se destinava à construção de um condomínio em Porto Amboim, província do Cuanza. Ora, se iria ter um “uso urbano”, o valor pago deveria ter sido superior. O PGR da altura, João Moreira de Sousa, foi entretanto substituído por Hélder Pitta Grós em dezembro de 2017.

Na notícia existem várias críticas ao regime angolano, que o Ministério Público destaca no processo: “Ao longo do exercício da função de PGR, o general João Maria Moreira de Sousa tem demonstrado desrespeito pela Constituição, envolvendo-se numa série de negócios (…) Nesse seu comportamento, tem contado com o apadrinhamento do Presidente da República, José Eduardo dos Santos, que lhe apara o jogo. Aqui se aplica o princípio informal e cardeal da corrupção institucional em Angola, segundo a qual uma mão lava a outra.”

No processo, ao qual o Observador teve acesso, o Ministério Público admite que João Moreira de Sousa obteve o título de concessão de direito de superfície daquele terreno em maio de 2011, mas que o perdeu a favor do Estado um ano depois por “falta de pagamento dos emolumentos”. Os procuradores angolanos reconhecem que os jornalistas “têm o dever de investigar qualquer facto, para posterior divulgação ao público geral”, mas acrescentam que “ao dever de informar cabem critérios de objetividade e verdade”. E depois tentam dar uma lição de jornalismo: “Como qualquer outra profissão, no jornalismo imperam igualmente os princípios da ética e deontologia profissional, sendo que a violação de qualquer um deles importa a aplicação de sanções, que traduzem-se em responsabilidade civil, disciplinar e/ou criminal”.

Seis dias depois da acusação, a 26 de maio de 2017, Paul Ryan apelou ao fim das acusações contra Rafael Marques e Mariano Lourenço.


“A liberdade de expressão é uma forma básica de controlo da corrupção. Deixem cair a acusação contra Rafael Marques de Morais e Mariano Brás Lourenço”, escreveu Paul Ryan num tweet publicado a 26 de junho de 2017.

Havia a expectativa de que, com o novo Presidente João Lourenço, acabassem os julgamentos de jornalistas. Em novembro de 2017, durante a cerimónia de tomada de posse dos novos conselhos de administração dos órgãos de comunicação social públicos, João Lourenço afirmou mesmo: “Não há democracia sem liberdade de expressão, sem liberdade de imprensa. Direitos consagrados na nossa Constituição e que o executivo angolano, primeiro do que quaisquer outras instituições do Estado angolano, tem a obrigação de respeitar e cumprir”. Isto, apesar de dizer que os administradores deviam definir uma linha editorial “que sirva de facto o interesse público”.