Luanda - CARTA ABERTA A SUA EXCELÊNCIA O PRESIDENTE DA REPÚBLICA DE ANGOLA
SR. DR. JOÃO LOURENÇO


Luanda, aos 21 de Março de 2018

Excelência,

O Grupo de Cidadãos e Cidadãs que subscreveu o Alerta Público sobre o repatriamento de Capitais realizou uma manifestação sob o lema UNIDOS PELO REPATRIAMENTO JUSTO DE CAPITAIS no passado dia 17 de Março junto do Largo da Independência, na rua Ho Chi Minh em Luanda. Todavia, foi impedido de realizar a manifestação no Largo da Independência conforme comunicação atempadamente feita ao Governo Provincial de Luanda. A proibição de realizarmos a manifestação foi-nos dada a conhecer sob a forma de uma ordem verbal do senhor Gabriel Tito João, superintendente da Polícia Nacional de Angola. Foi-nos por ele dito que a Polícia Nacional não tinha recebido nenhuma comunicação da realização da sobredita manifestação (reunião e concentração) e que o busto do Presidente Agostinho Neto, fundador da Nação, não podia ser desrespeitado pelo que deveríamos ir manifestar-nos a 150 metros do Largo da Independência. Perguntámos ao superintendente Gabriel Tio João em que lei estava proibida a realização de reuniões e concentrações no Largo da Independência: não nos soube responder. Fizemos saber ao senhor superintendente Gabriel Tito João que obedeceríamos à ordem mas que daríamos continuidade ao questionamento da legalidade dessa ordem junto das instâncias competentes.

Excelência,

Eis o que reza a Lei sobre o Direito de Reunião e Manifestação no seu nº3 do artigo 4º: “Por razões de segurança, as autoridades competentes poderão impedir a realização de reuniões ou manifestações em lugares públicos situados a menos de 100 metros das sedes dos órgãos de soberania, dos acampamentos e instalações das forças militares e militarizadas, dos estabelecimentos prisionais, das representações diplomáticas ou consulares e das sedes dos partidos políticos”. A Constituição da República (CRA) é clara no que ao fundamento da acção da Polícia Nacional diz respeito: “A Polícia Nacional é a instituição nacional policial, permanente, regular e apartidária, organizada na base da hierarquia e da disciplina, incumbida da protecção e asseguramento policial do País, no estrito respeito pela Constituição e pelas leis, bem como pelas convenções internacionais de que Angola seja parte”, n.° 1 do artigo 210.° da CRA. Destaque-se, “no estrito respeito pela Constituição e pelas leis”, o que se traduz na reiteração do princípio da legalidade da administração expresso nos artigos 6.° e 198.°/1 da CRA. A Polícia Nacional faz parte da administração pública do Estado e está sujeita ao princípio da legalidade da administração. Não há administração pública sem que os seus actos imanem da lei, estando a administração pública obrigada a respeitar e a aplicar a lei!


O Governador Provincial de Luanda e o Comando Provincial de Luanda da Polícia Nacional violaram a lei. Segundo o superintendente Gabriel Tio João e o jornal O País, edição do dia 17 de Março, o Comando Provincial de Luanda não tinha sido informado da realização da manifestação UNIDOS PELO REPATRIAMENTO JUSTO DE CAPITAIS. O fim da comunicação da vontade de realização de uma manifestação à autoridade definida por lei visa assegurar da parte da polícia a protecção e o exercício da liberdade de manifestação: “As autoridades deverão tomar as providências necessárias para que as reuniões ou manifestações decorram sem a interrupção de contra-manifestações ou outros factos que possam perturbar o livre exercício dos direitos dos participantes, incluindo, sempre que se justifique, a presença de representantes ou agentes da ordem no local respectivo, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte: 2. ”Com vista a tomada das providências mencionadas no número anterior, o Governador ou o Comissário informará às autoridades, sobre a realização das reuniões e manifestações previstas no artigo 6.°”, artigo 9.° da Lei sobre o Direito de Reunião e de Manifestação.

 

O Governador Provincial de Luanda não informou a Polícia Nacional sobre a realização da reunião e concentração UNIDOS PELO REPATRIAMENTO JUSTO DE CAPITAIS. Os agentes da Polícia Nacional, em flagrante violação da sobredita Lei inventaram a regra segundo a qual as reuniões e concentrações (manifestação) não podem ter lugar no Largo da Independência por causa da estátua de António Agostinho Neto só podendo ocorrer a 150 metros da Estátua do Largo da Independência. Os mesmos agentes faltaram com o dever de proteger os manifestantes contra contra-manifestações, permitindo que um grupo de cidadãos, que nada tinha a ver com aquela manifestação, perturbasse impunemente o exercício da liberdade daqueles que haviam cumprido os requisitos legais para o efeito, obrigando-os a porem fim à manifestação que vinham legalmente realizando, sob o olhar silencioso do Guia Imortal.

Excelência,

A CRA impõe a responsabilização civil do Estado-pessoa-colectiva e a responsabilização disciplinar e criminal dos titulares de cargos públicos, agentes e funcionários do Estado: “1. O Estado e outras pessoas colectivas públicas são solidária e civilmente responsáveis por acções e omissões praticadas pelos seus órgãos, respectivos titulares, agentes e funcionários, no exercício das funçōes legislativa, jurisdicional e administrativa, ou por causa delas, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para o titular destes ou terceiros. 2. Os autores dessas acções são criminal e disciplinarmente responsáveis, nos termos da lei”, art. 75.° da CRA.

Excelência,

Estamos perante um teste à administração de João Lourenço. Vossa Excelência afirmou no discurso inaugural da Vossa administração que se deveria criar a cultura do respeito pela Constituição e pelas leis. E ao mesmo tempo pôr fim à impunidade. Que sejam, em consequência dos sobreditos actos praticados, instaurados os processos disciplinares e criminais para apuramento de responsabilidades do Governador Provincial de Luanda, do Comandante Provincial de Luanda da Polícia Nacional e do superintendente Gabriel Tito João por desrespeito à Constituição e à Lei sobre o Direito de Reunião e Manifestação e tornado público o seu resultado.

Queira, Vossa Excelência, na qualidade de Titular do Poder Executivo, mandar os serviços competentes notificar-nos da Vossa decisão em face da denúncia e reclamação que ora apresentamos, por ser de lei.

Pelo Grupo de promotores da reunião e concentração Unidos pelo Repatriamento Justo de Capitais,

Cristina Pinto

Laura Macedo

Sérgio Piçarra