Lisboa - A Reforma dos Serviços de Inteligência e Segurança do Estado - Agência Nacional de Inteligência e Segurança do Estado (ANISE)

Fonte: Club-k.net

1. Nota Prévia:  O Presidente da República, João Lourenço, usando das suas competências constitucionais e depois de ouvir o Conselho de Segurança Nacional, nomeou no passado dia 12 de Março, o General Fernando Garcia Miala, para o cargo de Chefe de Serviço de Inteligência e Segurança do Estado.


Em vários círculos, com destaque para o académico, colocaram-se várias questões, onde destaco a relacionada ao sentido e alcance da função da Segurança de Estado. Em boa verdade, fui questionado por estudantes, sobre o significado do conceito de Segurança de Estado. No fundo, a questão mais discutida pelos estudiosos, é a de saber qual o conteúdo do conceito de Segurança de Estado e se há necessidade de reforma desse serviço público.


Sendo uma questão ligada ao meu campo de eleição nas minhas investigações cientificas (Direito Administrativo), sinto-me à vontade para, publicamente, abordar esta questão.


Para efeito, dividirei a minha apresentação em quatro momentos: no primeiro, tratarei de generalidades doutrinárias sobre segurança de estado; no segundo momento, cuidarei da evolução histórica dos serviços de inteligência e segurança de estado em Angola, no terceiro momento, tratarei da reforma dos serviços de inteligência e segurança e em quarto e último lugar, farei uma conclusão.

2. Generalidades sobre Segurança

2.1. Conceito

Segurança é o conceito que nos remete a idéia de se estar protegido de vários perigos ou perdas. A melhor forma de aferir o conceito de segurança é compará-la ou confrontá-la com outros conceitos relacionados: continuidade, confiabilidade. A diferença entre segurança e confiabilidade reside no facto de a segurança dever fazer o exame a pessoas que possam colocar em causa a paz, tranquilidade e bem estar das pessoas, numa determinada comunidade.

A segurança como bem comum, é divulgada e assegurada por um conjunto de serviços, instrumentos jurídicos e convenções sociais,denominadas medidas de segurança.


Em termos gerais, e para atender às várias áreas da actuação humana, podemos surpreender vários tipos de segurança, pois em cada situação, há um conjunto específico de medidas a serem tomadas. Alguns tipos de segurança mais frequentes são: segurança nacional (Segurança de Estado); segurança comunitária ; segurança doméstica; segurança na escola; segurança no trabalho; direcção defensiva; segurança de informação /computador; segurança pública; segurança pessoal; segurança privada; segurança condominial, segurança física das instalações, etc.

Contudo , vamos tratar, por ser o objecto da nossa abordagem, apenas da segurança nacional (Segurança de Estado).

2.2. Evolução histórica

A segurança nacional é uma função fundamental do Estado moderno que exerce em exclusividade. Isto é, o Estado em nenhuma circunstância terceriariza este serviço, ou seja, não permite que outra entidade o substitua. A ideia de segurança nacional, nasce com o conceito de Estado Nacional desde o seu surgimento no século XVII. A segurança nacional “consiste em assegurar, em todos os lugares, a todo o momento e em todas as circunstâncias, a integridade do território, a protecção da população e a preservação dos interesses nacionais contra todo o tipo de ameaça e agressão”.


Desde 1648, com o Tratado de Vestfália, o Estado passou a deter em exclusivo o monopólio do uso da força, assim como o estabelecimento e manutenção da ordem e paz social. Para atingir tal desiderato, o Estado lança mão do seu poder económico, militar e político, bem como mediante a função diplomática, celebrando alianças, tratados e acordos internacionais.


A par das forças armadas e da diplomacia, o Estado para garantir a segurança nacional usa outros mecanismos, tais como: a) criação da defesa civil e medidas preventivas de situações de emergência definidas em lei; b) promoção da resiliência ou da redundância de elementos críticos da infra-estrutura existente no território; c) criação de serviços de inteligência e contra-inteligência para defender, prevenir ou evitar espionagem ou atentados e para proteger informações confidenciais.

  

3. Origem e evolução histórica do Serviço de Informação(Inteligência) e da Segurança do Estado de Angola

3.1. Serviços de Inteligência e de Segurança do Estado antes da Independência

A actividade de informação de segurança em Angola, remonta ao período pré-colonial e está relacionado aos conflitos entre os vários povos, que ocupavam o território que hoje é Angola e, entre essas tribos e os povos expedicionários europeus, principalmente portugueses.


Desse modo, podemos constatar que alguns destes conflitos ocorriam por causa dos saques, pilhagens, quando os povos passaram a ser sedentários, cultivando e criando animais, em determinados lugares do território nacional. Muitos desses povos estavam vulneráveis aos ataques de povos com maior poderio bélico, que roubavam os seus bens, incluindo homens e mulheres,que eram amiúde transformados em escravos. Foi por isso que os povos sedentários se organizaram, formando reinos, criaram sistemas de defesa, que deram origem aos serviços de informação e segurança.


Os estudiosos nestas matérias, apontam três grandes épocas em que se pode dividir a função de informação e segurança em Angola: a) Época pré-colonial: esta engloba dois períodos distintos - o período africano pré-colonial (antes de 1482) e o período anglo-português (1490-1575); b) Época colonial: dividido em três períodos, o período da resistência à ocupação (1575 a 1940); o períodoContemporâneo (1940 a 1961) e o período de libertação (1961 a 1975); c) o período pós-independência (1975-2018).


Na vigência da idade pré-colonial, os conflitos entre povos na busca de melhores condições de vida e em defesa das suas organizações sociais, foram os principais motivos que levaram os povos a criarem estratégias para vencer os povos inimigos. Esta missão só era possível com um eficiente serviço de recolha de informações sobre o inimigo.


No decurso das referidas épocas, em especial, a época colonial, que coincide com o período de resistência à ocupação, as tribos viviam no território que é hoje a República de Angola, oriundos dos reinos africanos das áreas do Kwanza, Ciclo do Kuango, área do Planalto, área do Mataman, área do Ovambo, áreas da Lunda e área do Kuando-Cubango, que travaram várias guerras e batalhas, entre si, para conquistarem o domínio do território, bem como impedir o avanço dos invasores europeus nos seus territórios.


A feroz luta de resistência à invasão colonial, obrigou esses povos a criarem formas de defesa, novas tácticas de guerrilha e outras técnicas militares e de segurança. A informação sobre a técnica militar, os meios humanos e material do inimigo, dava vantagem para uma maior preparação para a defesa do território.


A estratégia, neste período, para obtenção de informação, consiste em interrogatórios dos prisioneiros, informações dos sobreviventes das guerras entre povos rivais, trocas de informações entre reinos, comerciantes, envio de embaixadores para estabelecer negócios com reinos rivais, incluindo reinos europeus.


A célebre Rainha Njinga Mbandi, usou esses métodos que permitiram criar o Reino do Ndongo e Matamba e travar a progressão dos portugueses.


No período contemporâneo (1940-1961), sobressai o nacionalismo angolano, que se funda no combate ao invasor potencial colonial (Portugal). Desde 1975, data em que o Rei Ngola Kismange enfrentou os invasores portugueses chefiados pelo fundador de Luanda, Paulo Dias de Novais, que a função da informação e segurança dos povos de Angola, foram ganhando outras dimensões no campo económico, cultural, entre outros. Neste período, surgem associações políticas e acontecem realizações de acções de carácter culturais, religiosas e clandestinas revolucionárias, como forma de combate ao colonialismo, de forma camuflada.

Nesta época, foram criadas escolas de alfabetização nos bairros de forma clandestina, começou-se a investigar e a disseminar a cultura nacional angolana, distribuição de panfletos, para passar informação sobre a luta pela libertação nacional.


Toda esta actividade clandestina era feita de forma profissional, e seguia as boas práticas do sistema de inteligência e de segurança, seguidas pelas congéneres em outras partes do mundo.


No período de libertação Nacional (1961-1975), foi a altura em que se deu o surgimento dos movimentos de libertação nacional. A grande maioria dos Partidos Políticos (ou movimentos nacionalistas), surgiram das associações políticas já existentes. Sem prejuízo de outras formações políticas, destaca-se o MPLA, FNLA e a UNITA, movimentos esses, que animaram e protagonizaram a luta armada de libertação nacional.


Neste período (luta armada pela libertação nacional), a actividade de inteligência e segurança ganhou outro dinamismo e dimensão. Razões ligadas às diferenças culturais, étnicas, disputas políticas internas nos partidos, a ingerência portuguesa e de outras potências estrangeiras, fizeram com que os três principais movimentos de libertação nacional, criassem serviços de inteligência e de segurança. Nesta altura, surgem as células clandestinas que actuavam nas cidades que mantinham contacto com os guerrilheiros que lutavam nas matas. Estas estruturas tinham contactos com os comandos dos Partidos e estes com todas as ramificações dos movimentos, evitando as acções do regime português, nomeadamente, da PIDE e auxiliando os guerrilheiros nos seus actos militares, sobretudo nas sabotagens económicas, militares, para dissimular a campanha e propaganda para a independência nacional. Isto não impediu que muitos dos nacionalistas fossem presos, torturados e mortos. Contudo, estas falhas não prejudicaram o trabalho meritório dos serviços de inteligência e de segurança dos movimentos nacionalistas que, de outro modo, não conduziriam estes á libertação do povo angolano do jugo colonial português.

3.2. Serviços de Inteligência e Segurança do Estado no período Pós-Independência

No período pós-independência é frequente dividir, em matéria de função, os serviços de inteligência e segurança do Estado em quatro períodos :

* período embrionário (DISA) - 1975/1979
* período ministerial (MINSE) - 1981-1992
* período de informações (SINFO e/ou SINSE/SIE/SIM) - 1991/2-2017


a) Período embrionário - A DISA (1975-1979)


Após a independência nacional a 11 de Novembro de 1975 e, passados 18 dias, foi criado o primeiro serviço de estado de inteligência e de segurança - a Direcção de Informação e Segurança de Angola (DISA), através do Decreto-Lei nº3/75, de 29 de Novembro. Este organismo do Estado surge para “combater tudo aquilo que estivesse ligado ao colonialismo bem como tudo que pudesse contrariar a orientação política do Estado que, como se sabe, era de orientação socialista marxista-leninista, caracterizada sobretudo pela existência de um partido único no poder e de uma economia centralizada”.


A organização DISA, a temível secreta angolana tinha a feição congénere dos países do antigo bloco socialista. Este serviço público, foi muito poderoso e chegou a ser dos mais temidos a nível de África e tinha as seguintes atribuições :


a) responsável pela inteligência e segurança interna e externa de Angola;


b) era um serviço independente e autónomo, tinha pessoal próprio e uma rede considerável de colaboradores secretos,relações de confiança e não precisava de outros órgãos para realizar acções operacionais;


c) o Director da DISA era membro do Bureau Político do MPLA - Partido Governo - tinha lugar no Conselho de Ministros, pertencia à Comissão Nacional de Segurança e era membro do Conselho de Revolução (Parlamento). Dito de outro modo, tinha acesso a todos os órgãos de direcção do país, incluindo o Presidente da República.


A DISA era tão poderosa, que os seus operacionais tinham apoio técnico e administrativo e era dotada de poderes de polícia. Exercia actividades de pesquisa operativa, acções operacionais, investigação e prevenção criminal, controlo, fiscalização e a protecção das fronteiras. De 1975-79, o Estado angolano estava no período de implementação , não havia Advogados, os tribunais não eram independentes , a polícia ainda estava em formação. Tudo isso permitiu que a DISA preenche-se esse vazio, instruindo processos, julgando e condenando. Em alguns casos passou mesmo a reeducar. Há muitos relatos de abuso e excessos praticados pela DISA, sobretudo na fracassada tentativa de golpe de estado em 1977 (Fraccionismo). Alega-se que, a DISA perseguiu, torturou e silenciou muitos opositores do Regime de então no poder.

b) Período Ministerial (1979-1992)


No período ministerial, que se traduziu na elevação da função de Inteligência e Segurança do Estado a nível ministerial, podemos destacar dois momentos distintos :

i) Ministério do Interior (1979-1980) - Através da Lei nº7/79, de 22 de Julho, o Conselho de Revolução, extinguiu a DISA e criou o Ministério do Interior. O Ministério do Interior possuía na altura dois Vice-Ministros - um para a Ordem Pública e outro para a Segurança do Estado. Neste período, o pessoal, o património e as actividades da extinta DISA, passam para o recém-nascido Ministério do Interior. Num período de guerra e instabilidade política, coube ao Ministério do Interior velar pela manutenção da ordem, tranquilidade pública, protecção de pessoas e bens, e da prevenção e repressão da criminalidade. Várias estruturas orgânicas complexas foram criadas para atender a segurança do Estado, a polícia nacional, a protecção da fronteira e a emigração. A complexidade destas funções concentradas no Ministério do Interior, aliado ao facto dos responsáveis pela Segurança do Estado, não terem acesso directo ao Presidente da República, levou a vários constrangimentos no seu exercício. Desse modo, em 1980, o Estado retirou a função de Inteligência e Segurança do Estado do Ministério do Interior.


ii) Ministério da Segurança do Estado MINSA (1980-1992) - Através da Lei nº5/80, de 7 de Julho, foi criado o Ministério da Segurança de Estado (adiante designado de MINSE). Assistimos também aqui à migração de pessoal e do património da antiga estrutura governamental,encarregue dos Serviços de Inteligência e Segurança do Estado para o novo departamento governativo. Com o MINSE, o Estado angolano voltou à mesma filosofia de trabalho da DISA, embora diferenciando na acção e estruturação. O MINSE tinha actividades mais amplas e possuía comandos militarizados, direcções, Departamentos e Secções, enquanto que a DISA tinha apenas uma combinação de Forças militarizadas, Departamentos Nacionais e Secções. Conservaram o seu carácter partidário e policial e desenvolviam actividades de inteligência , contra-inteligência, protecção e segurança, incluindo guarda pessoal dos principais dirigentes do Estado, do Governo e do Partido no poder, de vigilância de todo o território, em particular, locais de interesse estratégico que, sob o ponto de vista político (Presidência da República), Assembleia do Povo, Tribunais, quer do ponto de vista económico (exploração de diamantes e petróleo), ou de infra-estruturas (aeroportos, portos). A actividade do MINSE ficou célebre com o “processo 105” - sobre os diamantes e do processo dos mercenários sul-africanos. O MINSE, jogou um papel importante para assegurar as instituições públicas durante o conflito fratricida.

c) Período Híbrido (1991/2-2018)

Este período inicia com a extinção do MINSE, através da Lei nº2/91, de 23 de Fevereiro. Com a abertura democrática iniciada no ano de 1991 (com o Acordo de Paz de Bicesse), depois cristalizada com a Lei Constitucional de 1992 e a realização das primeiras eleições multipartidárias em Angola, abriu-se uma nova era para o país e para os serviços de inteligência e segurança do Estado. É voz corrente que o período de Fevereiro de 1991 a Agosto de 1993, é considerado período morto ou de turbulência da actividade de inteligência e de segurança do Estado , pois não havia nenhuma estrutura governamental vocacionada para tais serviços. Desse modo, neste hiato de sensivelmente dois anos, a inteligência e segurança do estado eram assegurados pelo Ministério do Interior (sem atribuições e estruturas específicas para este fim), polícia nacional e pelos serviços de inteligência militar. Contudo, a Segurança do Estado, foi reposta enquanto serviço estruturado com o Decreto nº28/93, que aprovou o novo Estatuto Orgânico do MININT, onde se reintroduziu novamente o exercício da actividade de inteligência a nível interno. O Vice-Ministro do Interior passa a cuidar da actividade da Segurança Interna.


No Período 1991-1994, ou seja, período pré-eleitoral (as primeiras eleições em Angola ocorreram em 1992) e pós-eleitoral, os serviços de segurança foram desenvolvidos pelos funcionários que transitaram do antigo MINSE. As actividades destes agentes, centravam-se na recolha de informação e disseminar nas instituições que tinham como missão garantir a consolidação da paz e da democracia nascente. Embora a guerra tivesse ressurgido logo após as eleições de 1992, a verdade porém, é que os serviços de inteligência e segurança, iniciaram o processo de “despartidarização”, permitindo no seu seio agentes sem o cartão do Partido MPLA.


No período 1994-2002, fruto das alterações ocorridas a nível mundial com o desaparecimento do bloco socialista e fim da Guerra Fria (desintegração da URSS, Queda do Muro de Berlim), verificou-se mudanças significativas no domínio político, económico, social, militar e de segurança dos mais diversos países, tendo-se eliminado o sistema bipolarizado do mundo e, consequentemente, o surgimento de uma Nova Ordem Mundial. Desaparecido o “inimigo imperialista”, a nova era permitiu cooperações com Estados da esfera de influência capitalista. Esta alteração a nível mundial, influenciou os sistemas de inteligência e de segurança de muitos países, incluindo Angola.

A ameaça passou dos Estados para actores não estaduais, grupos, guerrilheiros e terroristas, crime organizado, branqueamento de capitais, etc.


No nosso país, os serviços de inteligência e segurança até 1992, ocupavam-se fundamentalmente com ameaças ao poder estabelecido, nomeadamente, contra a guerrilha liderada pela UNITA, acções terroristas, bom como a oposição interna que contestava a governação do MPLA. No plano externo, as ameaças dos países vizinhos constituíam a forte preocupação dos serviços de segurança externa, assegurando militarmente a defesa do território nacional.


Depois das primeiras eleições e com a introdução do multipartidarismo, o conceito de segurança do Estado mudou. A Segurança de Estado deixou de se centrar unicamente no Estado para se concentrar também no indivíduo, na sua protecção, incluindo contra o próprio Estado, Governo ou grupo de seus concidadãos, bem como na qualidade de vida.


De acordo com a Lei nº8/94, de 6 de Maio, Lei de Segurança Nacional, a segurança nacional passou a ser definida como sendo “um actividade desenvolvida pelo Estado através dos órgãos de Ordem Interna e de Segurança Interna e Externa, com a finalidade de garantir a defesa da independência e soberania nacionais, a integridade do território, segurança, ordem e a tranquilidade pública, proteger pessoas e bens, prevenir e combater a criminalidade e assegurar o regular exercício dos direitos e liberdades dos cidadãos”.


Com essa nova conceptualização, procedeu-se a uma dicotomia dos serviços de inteligência e segurança do estado, passando a existir dois órgãos distintos : um para cuidar da segurança interna e outro para a segurança externa.


No plano interno, foi criado o SINFO - Serviços de Informação, no primeiro momento, dependentes do Ministério do Interior e, mais tarde, dependente do Chefe do Governo e, no plano externo, o Serviço de Inteligência Externa (SIE), com funções relacionadas com a segurança externa, dependente directamente do Presidente da República.


No âmbito dos serviços de segurança, há ainda o SIM - Serviços de Inteligência Militar - responsável pela colecta de informações relacionadas com a segurança no seio das Forças Armadas Angolanas, dependente do Ministério da Defesa.


São estes os três serviços de inteligência e segurança que, em coordenação com os demais órgãos do Sistema de Segurança Nacional, concorrem para a Segurança Nacional.


A Lei da Segurança Nacional de 1994, introduziu no léxico da secreta angolana a palavra “informações”, que passou a ser usada para a actividade de recolha ou colecta de dados e informação ligados à segurança do Estado e da Sociedade. Desse modo, a actividade de informação, assumiu um papel nevrálgico na Segurança Nacional, na garantia da independência nacional e da integridade do nosso território.


O SINFO - Serviços de Informação (1994-2010), criado pelo Decreto nº8/94, de 25 de Março, foi um dos mais notáveis serviços de Inteligência e de Segurança do Estado. Despido do caráter partidário e policial, o SINFO tinha como actividade principal a pesquisa , tratamento e disseminação de informações relevantes para assegurar os interesses estratégicos do Estado nas áreas económicas, tecnológica, militar, social e política, com objectivo de alcançar a paz (e preservar), a integridade territorial e a consolidação da democracia , no quadro democrático do Direito Constitucional consagrado.


3.2.3. O controlo da actividade de Inteligência e Segurança do Estado em Angola

Actualmente, nenhum estado democrático prescinde da actividade de inteligência e de segurança nacional, pois necessita de proteger o Estado, os cidadãos e o território, das ameaças internas e externas. Para tal, é necessário que possua um conjunto de informações que é obtida mediante os serviços de inteligência e segurança do estado. Contudo, a actividade do serviço de inteligência e segurança do estado , tem que ser sindicada pelos órgãos superiores do Estado. Em Angola, de acordo com o percurso histórico dos serviços de inteligência e de segurança do estado, podemos surpreender 5 tipos de controlo dos serviços de inteligência e de segurança, a saber:

a) Controlo político (1975-1991). Neste período, o Partido Único, os serviços de inteligência e segurança do estado eram controlados pelo partido no poder - o MPLA. A DISA, por exemplo, não obstante ter acesso directo ao Presidente da República, era controlada pela Comissão Nacional de Segurança do MPLA, que exercia o controlo e definia as linhas de actuação de actividade de inteligência e segurança do estado. Mais tarde, evolui para Gabinete de Segurança do Partido que igualmente controlava a actividade de inteligência e segurança do Estado;


b) Controlo parlamentar (1975-2010). Para além do controlo politico, a actividade de inteligência e segurança do estado também estava sob o controlo do poder legislativo. Podemos aqui também encontrar dois momentos. Num primeiro momento, de 1975-2001, o controlo era exercido pela Comissão de Defesa e Segurança da Assembleia do Povo, que apreciava os relatórios da actividade dos órgãos encarregues da inteligência e segurança do estado. No segundo momento, de 1992-2010, a Assembleia Nacional através do Conselho de Fiscalização eleito pelo Plenário e formado por 5 Deputados, analisavam os relatórios e, podendo mesmo interpelar os responsáveis dos serviços de informação e inteligência do Estado. Contrariamente à Assembleia do Povo, a Assembleia Nacional, tinha um poder mais abrangente e efectivo no controlo dos serviços de inteligência e segurança do estado;


c) Controlo do Executivo (1975-2018). O Presidente da República, que sempre foi Titular do Poder Executivo em Angola, exerceu e exerce o controlo dos serviços de inteligência e segurança do estado, directamente ou através dos seus órgãos auxiliares - Casa de Segurança da Presidência da República (antiga Casa Militar da Presidência da República). O Titular do Poder Executivo, exerce mediante Directivas, Ordens, Planos de Acção e mediante a prestação de contas que lhe é devido pela Direcção dos Serviços de informação e inteligência do estado, tem o maior controlo dessa actividade;


d) Controlo Judiciário (1992 - actualmente). Só com a introdução do sistema multipartidário e a realização de eleições é que o poder judicial passou a exercer um controlo sobre os serviços de inteligência e segurança do estado. Assim os magistrados autorizam a realização de operações secretas, escutas e algumas medidas policiais. Para além do controlo preventivo, os órgãos judiciais, casuísticamente, e por serem a última ratio do estado de direito , controlam todas as actividade do estado, quando lhes são submetidos para a sua apreciação.


e) Controlo profissional (1975-2018). É o controlo feito pela Direcção de Serviços de Inteligência e Segurança que consiste em cumprir e fazer cumprir as normas e procedimentos, para que sejam observados os regulamentos do funcionamento das instituições e afins. O controlo dos excessos, abusos, violação da lei e das regras elementares dos serviços de inteligência e segurança do estado, é da responsabilidade do Chefe do Serviço e demais órgãos directivos.

 

4. A Segurança do Estado noutros países

O conceito de segurança nacional mudou após os atentados de 11 de Setembro de 2001 que provocou na cena internacional a incerteza , a instabilidade, o carácter difuso, a perigosidade, não só pelo avanço do terrorismo global , mas também pelo alargamento do conjunto de ameaças e riscos , principalmente provocado por actores não estaduais. Por isso, vários estados criaram ou reformularam os respectivos serviços de segurança nacionais, com o fito de melhor se adaptarem à nova realidade, através do reajustamento dos padrões e procedimentos de segurança existentes. Os Estados Unidos, (WHUSA, 2002); O Reino Unido (GOVUK, 2003); A União Europeia (EU 2003). Este último em documento colectivo e não somente nacional; o Canadá em 2004 (GOVCAN, 2004); A Alemanha em 2006 (GOVGER, 2006); a Holanda (GOVNL, 2007); a Finlândia (GOVFIN, 2009); Russia (Schroder, 2009) e a Austrália (GOVAUS, 2009). Para além desses estados, com grande tradição de segurança de estado, há outros em processo de reajustamento, como é o caso de Espanha, Roménia, Singapura e até Portugal. Em África, depois da Primavera Árabe, países como o Egipto que tinham um serviço de inteligência e segurança do estado forte, entrou em processo de reajustamento, países da região da SADC e dos Grandes Lagos onde Angola está inserida, estão em processos de reajustamento no plano de segurança, com vista à estabilização destas regiões e no continente em geral.

 


5. Reforma do Serviço de Inteligência e Segurança de Estado - Agencia Nacional de Inteligência e Segurança de Estado (ANISE)

No momento actual de transição política em Angola, colocam-se vários desafios na consolidação do estado democrático de direito e a segurança nacional é um dos temas fundamentais. Actualmente, o sistema de segurança nacional é formado pelo Conselho de Segurança Nacional e pelos principais serviços encarregues da inteligência e segurança do estado - Serviço de Inteligência e Segurança do Estado (SINSE), Serviço de Inteligência Externa (SIE) e o Serviço de Inteligência Militar (SIM). Este modelo que já vigora há mais de uma década, não tem correspondido aos desafios que hoje a segurança nacional enfrenta, nomeadamente: corrupção, branqueamento de capitais, terrorismo (branqueamento de capitais tem servido para financiamento de acções de terrorismo), migração, entre outras. Para além disso, a estrutura e o funcionamento destes serviços, apresentam sinais de pouco profissionalismo, de influência política , de desarticulação e descoordenação das acções dos três principais serviços (SINSE, SIE e SIM), excessos e alguns abusos de poder, algum enfraquecimento do papel de inteligência externa no âmbito das organizações que Angola faz parte, nomeadamente na Organização dos Grandes Lagos e da SADC.

Aqui chegados, é altura de se reajustar o modelo de segurança nacional que se pretende para os desafios que se colocam. Assim, pensamos que a criação de uma estrutura administrativa de serviços de inteligência e de segurança do estado, com a fusão dos três serviços, permitiria a racionalização dos recursos, a concentração e profissionalização (especialização dos quadros do sector), harmonização do serviço de segurança interna, externa e militar. Essa estrutura com comando único, teria três sub-divisões : interna, externa e militar; mas sob a responsabilidade de um chefe da segurança do estado. Sugerimos para esta super-estrutura a designação : Agência Nacional de Inteligência e Segurança de Estado (ANISE), que seria um órgão apenas subordinado ao Presidente da República. Seria apartidário, sem caráter policial nem militar. A nível de controlo, este órgão não teria controlo político, apenas do Titular do Poder Executivo, controlo parlamentar (pode ser interpelado por comissões parlamentares), controlo do Conselho de Segurança Nacional e controlo judicial.

 

Conclusão

Aqui trazidos, vale a pena responder à questão no início - Qual é o sentido e alcance dos Serviços de Inteligência e Segurança do Estado ? Há necessidade da sua reforma?

Os Serviços de Inteligência e de Segurança do Estado, são serviços públicos que desempenham um papel primordial e imprescindível na defesa e segurança do Estado, dos cidadãos, dos bens e do território, desenvolvem actividades que consistem na pesquisa de informação para obtenção de conhecimentos, para melhor fundamentar e auxiliar o Titular do Executivo, na tomada de decisões referentes às ameaças, potenciais e reais, para o país.


Actualmente, Angola vive um processo de transição política, em que foram identificados inúmeras fraquezas que ameaçam a nossa soberania, nomeadamente, crimes de natureza económica (corrupção, branqueamento capitais, fuga ao fisco, peculato, etc), ou de natureza migratória, defesa do território, da vulnerabilidade das nossas fronteiras e até dos perigos da influência negativa dos conflitos, ainda existente na região dos Grandes Lagos. Desse modo, há necessidade de se repensar o sistema de segurança nacional , visando dar resposta a estes desafios. Nesta senda, sugerimos a criação da Agência de Inteligência e de Segurança do Estado - a ANISE, que seria um serviço especializado, altamente profissional, dotado de autonomia administrativa e financeira, que funcionaria junto do Presidente da República.

Tudo isso só será possível se
Pensarmos Direito!!


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