Luanda - 1. Nota Prévia: No âmbito dos processos mediáticos em curso em Angola, onde se encontram indiciados na prática de crimes de natureza económica e patrimonial, várias figuras da elite política, militar e social, levantou-se a questão da violação do segredo de justiça por parte da Procuradoria Geral da República, durante uma conferência de imprensa onde revelou os nomes de conhecidas figuras públicas, constituídas arguidas em dois conhecidos processos: o denominado caso dos 500 milhões transferidos de forma irregular e o caso conhecido como tentativa de burla de 50 mil milhões de dólares ao Estado angolano.

Fonte: Club-k.net

Sendo uma matéria que hoje tem feito correr rios de tinta em vários países, onde o confronto entre o dever de informar e a necessidade de manter-se sob sigilo, certas matérias em fase de investigação criminal, é uma constante.

Para que não hajam dúvidas, vamos, embora não sendo uma matéria do nosso campo de eleição de investigação cientifica, oferecer algumas ideias centrais sobre o tema em apreço. Não é, de todo, uma verdade absoluta, mas os conceitos e ideias que vamos emprestar nesta apresentação, constituem as definições mais consensuais na doutrina geral.

2. Segredo de Justiça
2.1. Conceito

O segredo de justiça, é uma situação em que se mantém sob sigilo processos judiciais ou investigações policiais (sobretudo investigações criminais), que geralmente são públicos. Estas situações estão, em regra, relacionadas com o risco de exposição de informações privadas do arguido, na fase de investigação criminal (inquérito e instrução preparatória) ou, em certos casos, do réu, na fase judicial, quando se trata de documentos classificados, extractos bancários, escutas telefónicas, etc.

2.2. Ambito de aplicação

Geralmente, o segredo de justiça aplica-se em duas situações, a saber: a) fase de instrução preparatória - no processo penal, a fase de instrução preparatória está submetida ao segredo de justiça, para evitar a obstrução ao normal desenrolar do processo. Neste período de recolha de prova, deve decorrer com o secretismo que se impõe, para que os suspeitos não possam destruir provas ou praticarem certos actos que possam prejudicar as investigações. Por outro lado, a divulgação do curso das investigações não acrescenta vantagens, muito pelo contrário, para além de antecipar possíveis actos dos investigados, contribui para uma condenação pública antecipada dos cidadãos visados; b) fase judicial - embora seja uma fase essencialmente pública, excepcionalmente, há matérias da fase judicial que são submetidas sob sigilo. É o caso de documentos classificados como segredo de Estado.


Desse modo, podemos afirmar que o segredo de justiça aplica-se, essencialmente, na fase de inquérito e instrução preparatória, quando decorre a fase de investigação policial de recolha de provas e, excepcionalmente, na fase judicial. Isto ocorre para evitar perturbações na referida recolha de prova. Nesta fase, não podem ser divulgados a terceiros, ou seja, a pessoas que não estão envolvidas no processo, informações sobre o mesmo. O Ministério Público que dirige a ação penal e os Serviços de Investigação Criminal, devem guardar a informação do andamento do processo e das provas que vão recolhendo, até que haja matéria suficiente para acusação. Caso não haja provas suficientes para a produção da acusação, o Ministério Público arquiva.

2.3. Em que termos e até quando há segredo de Justiça num Processo Penal?

O objectivo do segredo de justiça é, por um lado, permitir o êxito da investigação criminal (recolha de prova) e, por outro, dar protecção a algumas pessoas envolvidas no processo, nomeadamente, o arguido (que goza da presunção de inocência e a devassa dos dados do processo podem atingir a sua honra) e a vítima, para garantir a sua segurança e, nalguns casos, a sua própria honra (exemplo: vitimas de violação). Não obstante, o regime regra do Processo Penal seja a publicidade dos processos, excepcionalmente, a lei estabelece que no decurso da fase de inquérito e de instrução preparatória, os órgãos de justiça intervenientes possam sujeitar o processo ao segredo de justiça. Assim, o Ministério Público, deve submeter em segredo de justiça, quando os interesses da investigação ou os direitos dos sujeitos processuais (arguido, vitima, etc), assim o justificarem. Em alguns países, o Ministério Público pode retirar do segredo de justiça, a fase de inquérito, por iniciativa própria ou a pedido de qualquer das pessoas referidas. Nestes países, o inquérito, instrução preparatória e as fases subsequentes (de julgamento e de recurso), são sempre públicas. A publicidade, é um requisito, sobretudo na fase de audiência de julgamento, que contribui para a transparência da justiça e transmite ao cidadão a confiança na sua boa realização. Sendo a justiça a última razão de ser do estado democrático e de direito, entende-se que ela deva ser conhecida e acompanhada por todos os cidadãos. Contudo, mesmo na fase de julgamento que é, essencialmente, público, o juiz pode impedir a assistência do público ou que determinado acto processual, parcialmente ou na sua totalidade, não seja do conhecimento público. São os casos de matérias ligadas ao segredo de estado, crimes de tráfico de pessoas, contra a liberdade ou autodeterminação sexual, violação, etc. Todavia, em qualquer dos casos, a leitura e a sentença são sempre públicas, sem excepção.

2.4. Actos e elementos sujeitos ao segredo de justiça

O segredo de justiça abrange todos os elementos do processo na fase anterior ao julgamento, inquérito e instrução preparatória, relativamente ao público em geral. Todavia, o arguido, o assistente e a vitima, podem obter autorização para tomar contacto com algum desses elementos, ficando estes, sujeitos ao segredo de justiça. No decurso de um inquérito ou na fase de instrução preparatória, os sujeitos processuais, arguido, assistente, ofendido, lesado, em regra, podem consultar um processo sujeito ao segredo de justiça e extrair cópias ou certidões dos seus elementos ouextractos excepto se, o Ministério Publico considerar que o conhecimento daqueles pode prejudicar a investigação ou o direito das pessoas constantes no processo. Quando o Ministério Público autoriza os sujeitos processuais a tomarem contacto com elementos do processo ficam estes, sujeitos a guardar o segredo de justiça em relação à informação obtida. Terminado o inquérito e ultrapassado o prazo para requerer a fase de instrução preparatória, os sujeitos processuais podem consultar todos os elementos do processo. Todavia, o Ministério Público pode prorrogar uma única vez o segredo de justiça, para o prazo máximo de 3 meses em casos de terrorismo, de elevada complexidade processual, ou de criminalidade organizada. Entretanto, em hipótese alguma, é permitido a consulta de elementos da vida privada de outra pessoa que não constituam meios de prova. Cabe às autoridades judiciárias (Ministério Público ou juíz), determinar, em cada processo, as matérias relativamente às quais se mantém o segredo de justiça e, em alguns casos, decidir pela sua destruição ou entrega à pessoa a quem diz respeito os elementos da vida privada. Por fim, no que tange ás pessoas que não são sujeitos e intervenientes processuais, público em geral, só podem tomar contacto com as provas processuais (cópias de documentos, extractos ou certidões de processo), se não estiverem sob segredo de justiça.

 

2.5. Quem está vinculado ao segredo de justiça e a que proibições fica sujeito?

Todas as pessoas directamente envolvidas no processo, nomeadamente, Ministério Público, serviços de investigação criminal (polícia), o arguido, a vitima, o assistente, o lesado e os advogados, estão sujeitos ao segredo de justiça. Estão ainda sujeitos ao segredo de justiça, todos aqueles que, por qualquer meio, acederem a informações ou documentos ligados a um processo judicial, incluindo os jornalistas. Em regra, as pessoas que não têm, por lei, contacto directo com o processo, obtêm informação através dos sujeitos processuais (pessoas que tem contacto directo com o processo). Daí que, é proibido a essas pessoas, sobretudo aos jornalistas, divulgarem informação sobre o processo de modo a não prejudicarem o andamento da investigação criminal. O segredo de justiça pressupõe, por um lado, a proibição de assistir a determinados actos processuais tais como, interrogatórios, perícias, buscas e apreensões, àqueles que não tem direito nem dever de assistir, de tomar conhecimento do respectivo conteúdo e, por outro, a proibição de divulgar a existência de actos processuais e/ou o conteúdo dos mesmos. Estas proibições não impedem, por parte das autoridades judiciárias (Ministério Publico ou serviços de investigação criminal), de virem a público esclarecer determinadas informações, mas que nunca ponham em causa o bom andamento das investigações criminais. Em regra, os esclarecimentos ocorrem em duas situações: a pedido de quem tenha sido publicamente exposto em virtude de estar envolvido num determinado processo; ou por iniciativa das autoridades judiciárias, quando visam garantir a segurança de pessoas e bens, tranquilidade pública ou restabelecer a verdade quando há rumores ligados a entidades públicas. Foi o caso da conferência da imprensa que a Procuradoria Geral da República realizou, onde se esclareceu rumores sobre titulares de cargos públicos envolvidos em processos crime. A Procuradoria Geral da República, limitou-se a informar que tinham sido constituídos arguidos, titulares de cargos públicos e figuras da elite angolana, em processos crime identificados. Esse exercício de informação, visou dissipar rumores e repôr a verdade prestando uma informação útil à sociedade sendo essas figuras, figuras públicas, não há violação do segredo de justiça por parte do Ministério Público, pois para além de informar da condição de arguido e os crimes pelos quais estão indiciados, não prestou mais nenhuma informação.

2.6. Consequências da violação do segredo de justiça

A violação do segredo de justiça é um atentado contra a realização da justiça. Incorre em violação do segredo de justiça quem, ilegitimamente, divulgar, de todo ou em parte, o conteúdo de um acto ou matéria que se encontre sob segredo de justiça ou cuja realização não é autorizada a assistência do público. Para se considerar uma violação do segredo de justiça, não é necessário ter contacto directo com o processo, como ocorre, frequentemente, com os jornalistas que divulgam informações contidas em cartas anónimas, contendo matérias sujeitas ao segredo de justiça. Em muitos ordenamentos jurídicos, a violação do segredo de justiça constitui crime e é punido com uma pena de prisão de 2 anos ou com pena de multa até 240 dias, salvo quando estiver prevista outra pena. No caso de violação de segredo de justiça num processo de contra-ordenação ou disciplinar, a pena de prisão pode ir até 6 meses ou multa até 60 dias. Entretanto, a violação do segredo de justiça não tem consequências jurídicas para o processo, no qual se enquadra o acto em que foi objecto de divulgação inapropriada. Como se vê, seria inadmissível que o curso de um processo que procura a descoberta da verdade material e a consequente realização de justiça, fosse prejudicado por essa divulgação indevida.

2.7. A assistência aos actos processuais

É frequente colocar-se a questão de saber se um pessoa que nada tem a ver com um processo crime, pode assistir aos actos processuais. A resposta é positiva. A lei permite que qualquer pessoa possa assistir aos actos processuais públicos, designadamente à audiência de julgamento. Como já vimos noutro lugar, o juiz, em determinados processos pode, excepcionalmente, proibir a assistência ao público. O juiz, pode ainda restringir menores de 18 anos a assistirem a determinados processos.

2.8. Segredo de justiça vs Dever de informar

Uma das questões mais discutidas em vários países democráticos do mundo, é o conflito entre o segredo de justiça, o dever de informar e ainda o direito à informação. Em democracia, o direito à informação e o dever de informar, constituem elementos essenciais de convivência. Como vimos atrás, num processo crime há matérias e actos que estão sob o segredo de justiça (inquérito e fase de instrução preparatória) e, matéria e actos que podem ser de domínio público (fase de julgamento). Assim, se um acto processual se encontra sob segredo de justiça, é proibido aos meios de comunicação social e a qualquer outra pessoa divulgar o conteúdo do mesmo. Por outro lado, se se tratar de actos fora do segredo de justiça, os meios de comunicação social podem divulgá-los livremente. Todavia, mesmo tratando-se de actos processuais não sujeitos ao segredo de justiça, os meios de comunicação social não podem : reproduzir documentos incorporados no processo; transmitir imagens ou sons relativos à prática de qualquer acto processual, nomeadamente da audiência; publicar a identidade de vítimas de crimes de tráfico de pessoas, contra a liberdade e autodeterminação sexual, a honra ou a reserva da vida privada; publicar conversações ou escutas; narrar actos processuais anteriores à audiência de julgamento quando o juiz o tiver proibido por entender existirem factos ou circunstâncias concretas que fazem presumir que a publicidade causaria grave dano à dignidade das pessoas, à moral pública ou ao normal decurso do acto.


A violação do segredo de justiça, tal como vem explanada no artigo 70º do Código de Processo Penal, diz-nos que “o processo penal é secreto até ser notificado o despacho de pronúncia ou equivalente ou até haver despacho definitivo que mande arquivar o processo” e que “têm obrigação de guardar segredo de justiça os magistrados que dirijam a instrução e os funcionários que nela participam”. O parágrafo 1º do mesmo artigo diz que “no decurso da instrução preparatória, o processo poderá ser mostrado ao assistente e ao arguido, ou aos respectivos advogados, quando não houver inconveniente para a descoberta da verdade”.

 

Logo que a instrução preparatória seja dirigida contra pessoa determinada, a defesa tem o direito de tomar conhecimento das declarações prestadas pelo arguido e das declarações e requerimentos dos assistentes ; tanto a acusação como a defesa têm o direito de tomar conhecimento dos autos de diligências de prova que pudessem assistir e de incidentes ou excepções em que devam intervir como partes. Para estes efeitos, as referidas declarações, requerimentos e autos ficar patentes, avulsos, na secretaria, pelo prazo de três dias, sem prejuízo do andamento do processo. A todos é imposto o dever de guardar segredo de justiça.


Como se vê, no nosso ordenamento jurídico, o segredo de justiça ocorre, essencialmente, na fase de inquérito e na fase da instrução preparatória. Para a fase de audiência ou de julgamento, valem as ressalvas acima referenciadas, quando o juiz determina, tendo em conta a natureza do crime (matérias ligadas ao segredo de estado, crimes de tráfico de pessoas, contra a liberdade ou autodeterminação sexual, violação, etc.). Quanto às consequências jurídicas para as pessoas que tem obrigação de guardar segredo de justiça, a nossa legislação é muito branda. Para os magistrados do ministério publico, advogados e funcionários dos serviços de investigação criminal (SIC), são aplicáveis as respectivas leis, nomeadamente, a lei da Procuradoria Geral República, a lei de advocacia e o estatuto da ordem dos advogados e o estatuto do funcionalismo publico.


Somos da opinião que deveria criar-se uma lei especifica sobre segredo de justiça, onde estaria clarificado as situações e matérias sujeitas ao segredo de justiça e as respectivas sanções de quem as violasse.

E com isto termino.