Luanda - ANULAÇÃO DO CONCURSO PARA PROVIMENTO DE JUÍZES -TRIBUNAL DE CONTAS - E A NECESSIDADE DE ABERTURA DE INQUÉRITO AO RESPECTIVO JÚRI

Fonte: Club-k.net

1. Como é notório, afigura-se incontornável e urgente o fortalecimento de um verdadeiro Estado de Direito em Angola, onde, como exemplificou Sua Excelência o Presidente João Lourenço “ninguém é suficientemente rico que não possa ser punido, ninguém é pobre de mais que não possa ser protegido”.

2. Simplificando, devemos ter como parâmetro uma igualdade que tem de ser entendida perante a aplicação do Direito, no acesso aos direitos, especialmente aos fundamentais e não apenas perante a lei.

3. Nesta lógica, para que se alcance o SONHO de uma Justiça que leve cada vez mais o DIREITO A SÉRIO, entre outros, existem condicionalismos de peso irrefutável pelos quais devemos incidir o nosso “fôlego” intelectual:

(i) A necessidade de alteração do paradigma na afetação dos recursos financeiros destinados à justiça, partindo de uma proposta de orçamento advinda dos próprios Magistrados Judiciais (juízes e do CSMJ) - em vez de depender da mediação do executivo como sucede actualmente - cuja aprovação e fiscalização da execução dependeria do Parlamento. Sugestão que encontra fundamento no princípio da separação e interdependência dos poderes.

(ii) POIS, “um poder dependente de decisões alheias para poder exercer as competências próprias não é nenhum poder, não está separado, nem consegue manter-se autónomo”. Numa só frase: os Tribunais devem conquistar a maioridade financeira (no mesmo sentido, Eduardo Vera Cruz, o Futuro da Justiça…). Esta importante questão será objecto de reflexão no nosso próximo artigo: A MAIORIDADE FINANCEIRA DOS TRIBUNAIS, UMA CONDIÇÃO ESSENCIAL PARA A SUA VERDADEIRA INDEPENDÊNCIA.

(iii) Igualmente é determinante a imparcialidade profissional, acima de quaisquer suspeitas sobre os juízes alicerçada na sua cultura judiciária e na elevada verticalidade e idoneidade pessoal no exercício da nobre função jurisdicional; os Tribunais cuja missão constitucional se circunscreve na necessidade soberana de administrarem a justiça, em nome do povo, só o poderão fazer com juízes COMPROMETIDOS unicamente com o Direito (vid. artigos 174.º e seguintes da CRA).

(iiii) Nas palavras de CALAMANDREI, “o juiz é o direito tornado homem, só desses homens poderemos esperar a proteção prometida pela lei sob uma forma abstrata. Só se esse homem souber pronunciar a palavra justiça a nosso favor, poderemos certificar-nos de que o direito não é uma sobra vã (…Eles, os Juízes Vistos Por Nós…).

(v) Ora, indiscutivelmente, também, constitui pressuposto para a verdadeira independência e imparcialidade dos Tribunais, estando vinculados apenas à CRA e à lei (vid. art.157.º), a forma meritória, transparente, legal, legítima e verdadeira como um cidadão atinge a magistratura judicial, ou seja, como conquista o cargo de juiz de Direito.

(vi) Do exposto no ponto anterior, emana uma afirmação fundamental: para que determinado cidadão seja juiz de Direito tem de o ser por direito. Logo, é exigível que preencha os requisitos legais fixados para o efeito, em vez de o conseguir por erro do júri do concurso.

4. Dito isto, acrescermos o seguinte, após termos partilhado algumas reflexões que sufragaram a necessidade de anulação do concurso para provimento de cinco juízes conselheiros do Tribunal de Contas:

(i) É verdade que tal anulação está alinhada com a expectativa da consciência jurídica geral, que vislumbrou nos resultados em causa indícios fortíssimos de que o concurso estava viciado. Neste sentido, é de aplaudir a deliberação do CSMJ (Conselho Superior da Magistratura Judicial) que não omitiu o seu dever legal que lhe é imposto na qualidade de órgão constitucional ao qual compete a superior gestão e disciplina da Magistratura Judicial (vid. art.1.º da Lei n.º 14/11, de 18 de março do CSMJ).

(ii) Porém, o ponto que é preciso refletir, agora, é o seguinte: sendo os membros do júri constituído por Juízes Conselheiros, experientes, hermeneuticamente habilitados para retirarem da lei e/ou dos regulamentos o seu alcance e sentido, porquê motivo dirigiram um concurso “fora” do Direito?

(iii) Nesta senda, como já o dissemos, para entendermos as motivações de tal erro dos jurados, é indispensável que se instaure um inquérito aos respectivos membros. Pois, só assim será possível aferir com SEGURANÇA, TRANSPARÊNCIA e VERDADE, o que realmente os catapultou à ilegalidade. Para isto, conceitos jurídicos tais como: culpa grave; negligência; erro desculpável; presunção de inocência; critério para aferição da culpa, entre outros, devem ser chamados à colação.

(iiii) Defendemos esta necessidade (inquérito ao júri), porquanto, perante um acto viciado, o Direito não se basta com a sua anulação, em regra, almeja, igualmente, a responsabilização do sujeito que o praticou.

(v) Por este motivo, por exemplo, o Direito penal após o apuramento da responsabilidade do agente, também pune, amiúde, o crime tentado ou o frustrado. Opção legislativa assertiva, pois, a sanção tem, também, como finalidade reeducar o criminoso e mostrar a sociedade de que o facto ilícito não compensa.

(vi) Neste sentido, basta olharmos para o tão propalado caso dos tais USD 500.000.000,00 /BNA, para entendermos que apesar de o dinheiro já ter retornado aos cofres do Estado angolano - vid. o “atípico” comunicado do MINFIN que, a nosso ver, pelos factos e juízos exteriorizados se confunde com um despacho de um titular de poderes jurisdicionais - continua em curso o processo criminal para o devido apuramento de possíveis responsabilidades.

(vii) E mais, sendo o Tribunal de Contas o órgão de soberania máximo no que tange a fiscalização da LEGALIDADE DA ACTIVIDADE FINANCEIRA DO ESTADO, por este motivo determinante no combate à corrupção, o júri do concurso por ter tido o poder de escolher quem devia ser selecionado para exercer as competências jurisdicionais neste importantíssimo fórum judicial, ficou investido de um SUPER PODER – ou seja- a “faculdade” de escolher quem devia ser titular do sobredito poder soberano de julgar os gestores públicos e não só-.

(viii) Como é sabido, quem exerce o poder deve ser responsável pelas suas consequências (princípio da responsabilidade que emerge como um corolário do princípio do Estado de Direito, entre outros, princípios jus fundamentais).

(ix) Acrescenta-se que, o facto de o concurso ter sido viciado, também violou o princípio constitucional da confiança dos concorrentes, porquanto, almejavam por um concurso justo e legal. O que não sucedeu.

(x) Apesar de o júri ter agido fora da função jurisdicional, ou seja, ter praticado um acto administrativo, os seus integrantes não perderam a sua qualidade de Juízes conselheiros.

(xi) Assim, a sua actuação, nos termos da CRA, exige independência dos mesmos, subordinando-se estritamente aos ditames do direito, equidade, imparcialidade, lisura, transparência, diligência e parcimónia, pilares basilares da justiça. E mais, apenas por mera hipótese académica, mesmo que o jurado do concurso não fosse integrado por juízes, estariam os mesmos vinculados aos referidos parâmetros de acção.

(xii) Importa realçar, que o facto de o júri ter sido constituído por Juízes, o critério tradicional para aferição da culpa – bónus pater famílias – não é o recomendável, mas sim o especial do Magistrado diligente.

(xiii) Dito isto, é imperativo derivado da decisão da anulação do concurso, que se apure as razões do erro do júri. Pois, estes devem declarar e explanar as razões justificatórias para as “graves” irregularidades cometidas.

Em jeito de conclusão,
Aos angolanos que abraçaram a causa – VERDADE E TRANSPARÊNCIA – fica o nosso reconhecimento pela cidadania exercida; o silêncio dos bons é dos principais ingredientes para o sucesso dos maus.

À Candidata “ideal” – Professora Elisa Rangel Nunes – inacreditavelmente reprovada no sobredito concurso anulado – temos a certeza de que voltará a concorrer para o lugar que merece por excelência profissional e verticalidade pessoal. Porquanto, a desistência do mérito permite o triunfo do demérito.

Por último, cabe ao CSMJ não permitir que más práticas sejam seguidas na gestão do judiciário, pois só assim teremos cada vez mais Juízes cuja postura profissional enobrece a classe e, reflexamente, engradece o verdadeiro Estado de Direito.

*José Luís Domingos “Zé Luís”