Luanda - Angola tem que encontrar uma “conciliação” para resolver com honestidade o que se passou no 27 de Maio de 1977 e nos meses seguintes quando milhares de pessoas foram mortas e desapareceram, disse o historiador Carlos Pacheco.

Fonte: VOA

Falando no programa “Angola Fala Só” Pacheco disse que o primeiro passo a dar-se nesse sentido “é o regime abrir-se” e contar em detalhe o que aconteceu.

“Nem que se tenha que apontar o dedo aos responsáveis”, disse o historiador para quem no entanto “tem que se salvaguardar sempre a integridade dessas pessoas e não as levando a juízo”.

“Eu sou daquelas pessoas que nunca pedi o julgamento dos criminosos, pelo contrário” disse Carlos Pacheco para quem “Angola tem problemas a mais e estar a julgar pessoas parece-me inadequado e até perigoso”.

O historiador – que foi ele próprio preso após o 27 de Maio de 1977 – culpou em parte os confrontos entre as duas facções dentro do MPLA nos meios de informação controlados pela facção de Agostinho Neto que acabaram por agravar “um confronto de facções que poderia ter sido resolvido pacificamente”.

Os confrontos que se deram nesse dia tiveram responsabilidades mútuas, disse Carlos Pacheco, cujo último livro “Agostinho Neto: Biografia de um Ditador” está a ser alvo de uma acção judicial da Fundação Agostinho Neto.

O 27 de Maio “é uma data simbólica tingida de sangue com uma memória presente em toda a sociedade angolana porque representou o desaparecimento de centenas de milhar de pessoas”, pessoas que “não voltaram a ter um rosto” em Angola.

“As pessoas desaparecidas permanecem sem rosto”, disse Carlos Pacheco descrevendo um 27 de Maio como “uma ferida que como todas as feridas quando se toca nela provoca grandes dores”.

“Mas a sociedade angolana tem que enfrentar estas dores”, disse Pacheco para quem este processo tem que se estender não só ao 27 de Maio mas “a tudo no país”.

Durante a conversa com os ouvintes foram abordados vários temas desde a luta em Cabinda, à figura de Agostinho Neto e do actual presidente João Lourenço.

Carlos Pacheco disse que desde o início da luta armada de libertação os cabindas sempre tornaram claro que “o MPLA não nos representa”, acrescentando lamentar que quando foi negociada a independência de Angola os representantes de Cabinda não foram convidados.

Falando sobre a luta armada de libertação Pacheco disse essa luta não é algo que contesta pois é lago de “gratificante para todos os angolanos.

“Mas é preciso assumir os grandes erros que se cometeram nas guerrilhas”, disse.

“Cometeram-se muitos erros, muitas crueldades, muitos crimes e isso precisa de ser assumido pelo MPLA, FNLA e UNITA”, afirmou.

Carlos Pacheco denunciou os “mitos” construídos em redor do MPLA e do primeiro presidente Agostinho Neto.

“Neto foi erguido como um colosso, foi transformado numa estátua que se adora”, disse afirmando que o melhor símbolo dessa “majestade da figura de Neto” é o mausoléu onde esta enterrado em Luanda.

Pacheco comparou o mausoléu “às velhas pirâmides” dos faraós do Egipto.

Interrogado sobre o actual presidente João Lourenço, o historiador disse ser “muito cedo” para poder avaliar-se se ele poderá ser uma figura transformadora em Angola.

Contudo, disse ver a governação de Lourenço com “muitas reservas” parecendo-lhe uma “continuidade” na governação do MPLA.

João Lourenço, disse, pode ser “ a terceira máscara do Netismo”.