Luanda - Facto: O Executivo Angolano, através do seu departamento governativo que atende a área do Poder Local. - MInistério da Administração do Território e Reforma do Estado, colocou sob consulta pública, o pacote legislativo essencial para criação do quadro normativo que viabilizará a implementação das Autarquias Locais em Angola previstas para 2020. Este pacote legislativo é constituído por seis propostas de Leis, designadamente, a Proposta de Lei Sobre a Institucionalização das Autarquias Locais, a Proposta de Lei Sobre a Orgânica das Eleições Autárquicas, a Proposta de Lei Sobre a Organização e Funcionamento das Autarquias Locais, a Proposta de Lei Sobre as Finanças Locais, a Proposta de Lei da Tutela Administrativa Sobre as Autarquias Locais e o Proposta de Lei das Transferências de Atribuições e Competências do Estado para as Autarquias Locais.

Fonte: Club-k.net

A Consulta Pública no vazio

( II ) Comentário

Aparentemente a iniciativa de colocar sob consulta pública as referidas propostas de leis, constituem uma medida louvável, permitindo que os cidadãos possam participar na feitura da legislação essencial sobre o poder autárquico, demonstrando uma governação aberta, no processo de democratização em curso do nosso país, mas, no fundo, este procedimento do Executivo constitui uma “mão cheia de nada”. Como consultar quem não domina o assunto”? Imagine que num país de iletrados, o Governo coloca a consulta pública uma proposta de acordo ortográfico? O que vão dizer os iletrados sobre as regras gramaticais ? Que contributo válido pode dar um público sem literacia autárquica? Salvando as devidas distâncias, a consulta pública em curso, não foge muito ao quadro dantesco apresentado como analogia.


Na verdade, o que temos assistido em Angola é uma estratégia equivocada do Estado (Executivo) no processo de implementação do Poder Local que pode ser telegraficamente catalogado em três pressupostos:


I) Ausência de uma definição clara da visão tripla do Poder Local consagrada na Constituição de 2010 ( adiante designada CRA), mediante a criação de uma quadro normativo harmonioso e sistematizado.

II) ausência de um plano de comunicação, sensibilização e informação ( e ou formação) dirigido a todos os destinatários, sobre os três elementos do Poder Local , nomeadamente das Autarquias Locais, as Instituições do Poder Tradicional.

III) criação de uma estrutura Governativa encarrgue de institucionalizar o Poder Local e Para o Combate as Assimetrias Regionais

IV) A Implementação simultânea do Poder Local na sua visão tripla acolhida na CRA.

O Executivo tem uma visão monolítica do Poder Local que se traduz na relevância dada apenas a uma das suas formas organizativas ( Autarquias Locais ), em contravenção ao que dispõe a CRA que prevê três elementos com igual relevância. A nossa afirmação tem por base a recente transferência parcial das matérias ligadas as Instituições do Poder Tradicional do Ministério da Administração do Território e Reforma do Estado para o Ministério da Cultura. Este expediente bifacial ( dois ministérios a cuidarem das Instituições do Poder Tradicional) encontrado pelo Executivo não seria nocivo se tivesse outro propósito que não o de adiar o Reconhecimento das Instituições do Poder Tradicional e dos respectivos Direitos Costumeiros, priorizando as tarefas atinentes à implementação das Autarquias Locais que o Executivo reputa de mais relevantes. Ora aí está a visão monolítica do Executivo que não só não tem respaldo constitucional, como pode perigar a coexistência pacífica que se deseja entre os elementos que conformam o Poder Local em Angola. Hoje tem-se colocado do debate público, sobretudo nas palestras que tenho realizado por todo país , a questão de saber, se um soba pode candidatar-se à presidência de uma autarquia? Na visão vertida na proposta de lei sobre a orgânica das eleições autárquicas, a resposta é positiva.

 

O Executivo entende que um Soba pode ser um autarca. Pensamos que esse exemplo traduz da melhor forma a visão monolítica do Executivo, na medida em que um soba que ascende a autarquia põe em causa a sua autoridade Tradicional fundada no Direito Constumeiro ancestaral, nada compatível com a volatilidade do Direito estadual, nem as contingências de governação sempre susceptíveis de abalar o prestígio dos seus agentes. A incompatibilidade de reinar e governar, já há muitos séculos os europeus descobriram, quando tiveram que levar a guilhotina os seus soberanos por má governação. Há uma clara incompreensão por parte do Executivo sobre matérias ligadas ao Poder Local. A bondade e o esforço nas tarefas ligadas a implementação das Autarquias Locais estão a partir de premissas deturpadas. Ainda estamos em tempo de “corrigir o tiro”.


Por isso, sugerimos ao Executivo as seguintes tarefas para o êxito da implementação das Autarquias Locais e de todo Poder Local:

A) Criação de um Órgão do Executivo encarregue de implementar o Poder Local ( essencialmente de carácter técnico);

B) Realização de um Diagnóstico sobre às Instituições do Poder Tradicional ( Autoridades Tradicionais e respectivos direitos costumeiros);

C) elaboração de uma estratégia de implementação do triunvirato do Poder Local em Angola ( Autarquias Locais, Instituições do Poder Tradicional e Outras Modalidades de Participação dos Cidadãos);

D) Camapnha de comunicadção, sensibilização, informação e formação das populações em matérias ligadas ao Poder Local, usando os meios de comunicação social e outras formas de comunicar, nas diferentes línguas nacionais, sobre o Estatuto Constitucional do Poder Local, transmitindo apenas as noções consagradas na CRA. Campanha que deve ter de pelo menos 6 meses de duração.

E) Consulta Pública para recolha de contribuições para elaboração do Pacote Legislativo do Poder Local, sem Proposta de Leis;

F) Elaboração do Pacote Legislativo do Poder Local ( Pacote essencial), submetendo igualmente a consulta pública;

G) Aprovação do Pacote Legislativo e criação de condições matérias para sua efectivação;

H) Realização de um Diagnóstico (estudo) e consultas para o combate às Assimetrias Regional tendo em vista a Implementação do Poder Local ;

I ) Elaboração Política de combate às Assimetrias Regionais com vista a implantação do Poder Local.

 

Estas tarefas seriam realizadas essencialmente, pelo órgão criado pelo Executivo que interagia com os Partidos Políticos, a sociedade civil organizada, a Assembleia Nacional, na busca de consenso essencial para o êxito da tarefa de implementação do Poder Local. Este órgão que seria formado pelo um Membro do Executivo ( Ministro de Estado), coadjuvado por uma equipa técnica multidisciplinar, libertaria o Ministerio da Administração do Território e Reforma do Estado desta tarefa. Esse Ministério que tem uma designação incorrecta ( pois Reforma do Estado é um conceito muito vasto que não está contemplado nos seus estatutos orgânicos, como por exemplo a reforma do sector da justiça), ficaria encarregue das questões ligadas a Administração do Estado, central e Local. O órgão encarregue de Implementação do Poder Local teria uma missão de tratar de todas as questões teóricas ( políticas, estratégias e comunicação), e de elaboração da Leis, podendo ainda interagir com o Ministerio da Administração do Estado que conservaria ainda as questões logísticas ( recursos humanos, financeiros e matérias) do processo de Implementação do Poder Local. O órgão do Estado encarregue de implementar Poder Local seria de carácter provisório, e seria extinto quando a sua missão estivesse concluída. Essa solução não só traria ganhos de eficiência e eficácia do Executivo na implementação do Poder Local, como conferia maior segurança e confiança neste processo. O Modelo actual é sofrível. O Ministerio da Administração do Território e Reforma do Estado tem -se mostrado inábil na tarefa de implementação das Autarquias Locais, concentrando o esforço dos seus responsáveis essencialmente nesta tarefa, provavelmente em prejuízo de outras matérias relevantes sob sua responsabilidade.

 

Mas fica desde já lançado o alerta, que a consulta pública em curso é inócua, e as auscultações realizadas nas províncias do País, levadas a acabo pelo Executivo não produzirão o efeito pretendido, embora não seja um “mise en scene”, nem uma actividade para “inglês ver”, todavia, é, no mínimo, um esforço que se prevê inglório, pois parte de bases errôneas que irão frustar seguramente as nossas expectativas.


E com isto termino.

Lazarino Poulson