Madrid  - Senhores dirigentes do Mundo: Lancem um olhar mais sereno e muito mais atento ao que se passa no Mediterrâneo e encontrem uma dinâmica mais séria e definitivamente eficaz, que ponha termo a tudo aquilo a que temos assistido até agora, com o desfile de náufragos de um lado, e de cimeiras e mais cimeiras, bonitas nas câmaras das televisões, mas cujos resultados deixam muito a desejar.

Fonte: Club-k.net

No passado domingo dia 17 de Junho de 2018 atracaram no porto de Valência (Espanha), os três navios fretados para transportar os cerca de 700 seres humanos que, resgatados de naufrágios, uma vez mais, encontraram na hospitalidade da Espanha, um pequeno raio de esperança não só de vida, mas talvez de uma vida mais decente, que os seus países e outros, lhes negaram. Graças a essa boa vontade e caridade do governo español que in extremis, prontificou-se a dar-lhes guarida, terminou de momento, o calvário dessa nova avalanche de cidadãos de vários países, que deambularam durante dias em águas de inóspitos mares, onde deixaram companheiros anónimos, sem que ninguém os quizesse acolher.

 

O triste espetaculo que se viu, não foi nenhuma coisa nova, nem única, mas estou seguro que foi, uma vez mais motivo para um sentimento de vergonha, mas também de revolta, pelo menos para pessoas conscientes do problema.


Vergonha, que eu gostaria que começasse a ser sentida pelos responsáveis directos e indirectos e que isso podesse converter-se em motivo de esperança de podermos ver uma luz no fundo desse maldito túnel em que se encontram metidos jovens e até crianças, essa grande riqueza que devia constituir o maior investimento do nosso Continente, mas que estão hoje abandonados à essa tragédia que parece interminável.

Dos cerca de 700 desembarcados em Valência, 123 eram menores que viajaram sós. Por triste coincidência, no mesmo fim de semana, estava a ser comemorado com pompa o Dia da Criança Africana.


Também, ao mesmo tempo que os três navios desembarcavam esse efectivo em Valência, a fronteira sul do mesmo país acolhedor, recebia, em menos de 48 horas do mesmo fim de semana 16/18 de Junho, outros cerca de 1 300 náufragos, resgatados de embarcações de fortuna que chegam de uma forma, que só Deus sabe. Vezes sem conta desembarcam seres humanos de ambos sexos, mulheres grávidas, homens desfigurados, ao limite da vida, mas também desembarcam cadáveres. Que vergonha! Sua origem? Os mesmos países de sempre e outros, maioritariamente africanos. Na maioria dos casos, esses nossos irmãos desesperados, chegam de países muito mais ricos do que os países que lhes acolhem. Entre eles, jovens quadros, acadèmicamente bem preparados, cheios de ambição, que podiam dar uma grande contribuição para o desenvolvimento dos seus países.

 

Se considerarmos que maior parte dos 54 países africanos entrou já no terceiro quarto de século das suas independências; se considerarmos a idade que tem a União Africana, devia ser tempo suficiente para que podêssemos estar à altura de solucionar os problemas que estão na origem desse vergonhoso movimento migratório. Mas seguem-se reuniões e mais reuniões não só de instituições africanas, como europeias e outras, mas as avalanchas continuam de forma interminável.

 

O que faz sentir vergonha por esse filme tão triste, é a insensibilidade dos verdadeiros responsáveis. Fala-se de redes mafiosas, o que considero ser uma forma simplista e errada de ver o problema. As máfias existem, mas elas só se aproveitam de uma situação que lhes é favorável, criada por outros actores que considero como verdadeiros responsáveis:

 

Alguns dirigentes de países do Sul muitas vezes desbordantes de riquezas mais que suficientes para dar uma vida decente aos seus filhos; egoístas, corruptos, ditadores que nunca ganharam uma eleição realmente livre e que passam a vida a espoliar os seus povos e a perseguir jovens lúcidos que vão surgindo, forçando-lhes a essas viagens em direcção ao desconhecido. Muitos desses líderes preferem embriagar-se no luxo do bem público que subtraiem dessas pobres pessoas que são os verdadeiros donos, sem que tenham o mínimo de remorso ao verem as duras imagens das suas vítimas directas. Esses são os verdadeiros culpados. Mas esse tipo de dirigentes do Sul não estão sós.

Os seus pares em alguns países do Norte também estão no mesmo banco. Pois são eles, que continuam a apoiar e alimentar aqueles líderes. Alguns deles não querem saber nada dos problemas que existem naqueles países; preferem alimentar e manter políticas neocolonialistas; dividem, vendem armas aos que oprimem os seus povos e que violam os direitos humanos nos seus países. Alimentam assim as suas indústrias armamentistas, que elevam o nível de vida no Norte, mas exterminam povos nos países do Sul que só lhes interessam para os seus negócios. Quantas vezes não se escutaram no Norte frases como:- “mas atenção, que temos muitas empresas nossas nesse país e necessitamos actuar com cuidado para não prejudicarmos as relações que temos nem dificultar a vida das nossas empresas”. Depois aparecem com umas medidas ditas de apoio ao desenvolvimento, mas não querem saber se tais apoios vão de facto para o desenvolvimento, ou se vão cair de novo nas mãos dos tais chefes irresponsáveis que por cima utilizam os tais lucros para ir engordar as suas contas pessoais domiciliadas nos paraísos fiscais.

 

Não é que se esteja contra as empresas incluindo as que vendem armas e outras coisas inúteis aos povos, só por estar contra. Há vezes, que até as armas servem para a proteção dos cidadãos. Mas digo bem, “às vezes”. E é legítimo, cada um proteger os seus cidadãos e as suas relações diplomáticas etc, e (se os tais dirigentes do Sul que recebem tais apoios, não sabem ou não querem dar o que é bom aos seus nacionais, então o problema é deles). Mas uma coisa é certa:- se deseja-se actuar com responsabilidade, seria necessário no mínimo, que houvesse o cuidado de fazer-se estudos aturados de seguimento sobre como e onde termina o que se vende com etiqueta ou não de apoio ao desenvolvimento dos chamados países amigos do Sul. Porque se afinal fazem-se esses estudos, chega-se à conclusão que as armas ou outros produtos que se vendem não são para o bem dos povos, mas são usados por esses ditadores para perseguir os seus próprios cidadãos e alimentar a miséria e a morte acelerada nesses países como tem acontecido, mas prosseguem o seu caminho, então os tais do Norte passam a cúmplices e corresponsáveis dessa tragédia.

 

Acuso pois: acuso os do Sul, mas também os do Norte, ambos carcomidos pela hipocrisia, para infelicidade daqueles que, apertados pelo sofrimento e, sem esperança de uma vida normal na terra que os viu nascer, preferem meter-se no mar da incerteza, à disposição das famosas máfias em vez de esperarem parados ali, condenados à morte lenta nos seus países. É assim pois, que surgem os náufragos que fazem o nosso triste espetáculo actual, e cuja situação alimenta o debate com o endurecimento do discurso dos xenófobos da Europa. Como já disse, as máfias só se aproveitam dessa situação para fazerem o seu business, facilitado pelos dirigentes do nosso Mundo actual.

Apele-se pois à reflexão profunda em vista a encontrar uma resposta eficaz à essa outra pergunta de sempre: Até quando, Africa continuará a sangrar desta forma?

21 de junho de 2018

Virgilio Samakuva