Luanda - As greves e as manifestações voltaram a preencher o espaço dos noticiários da imprensa e, é, agora, renovado o interesse jornalístico em acompanhar como o fenómeno é desencadeado à luz da legislação específica que regula a sua realização.

Fonte: JA

Esse interesse é sobretudo acentuado pelo facto de, nalguns casos, esses direitos fundamentais estarem a ser entendidos como uma simples “moda” e, por conseguinte, haver pessoas interessadas em banalizá-los.


Pode parecer uma conclusão forçada, mas a isso somos levados quando, ao fim de mais de duas décadas de experiência de liberdade sindical, ainda vemos surgir movimentos grevistas que atropelam o que a lei estabelece como pressupostos para a paralisação laboral, por um lado, e, por outro, com as mais das absurdas reivindicações.


Uma greve que não segue os passos que a lei estabelece, em que, entre outras coisas, os trabalhadores não tenham formulado um caderno reivindicativo, ou se o elaboraram e entregaram à entidade patronal não souberam esperar pela resposta de acordo com os prazos legais estabelecidos, não pode, obviamente, ser tida como lícita. E quando à greve se associa a exigência de a entidade patronal afastar um dos seus quadros de direcção, então passa a ter outra designação que não greve.


Os trabalhadores precisam saber disso e as organizações sindicais têm a obrigação de esclarecer os seus filiados sobre a postura correcta a adoptar para desencadear uma greve, que é um direito que a Constituição lhes consagra para fazer valer os seus interesses.


O preâmbulo da Lei da Greve (Lei nº 23/91, de 15 de Junho), tem passagens importantes que importa aqui respigar à guisa de lembrete. Com efeito, afirma que, sendo o direito à greve “um instrumento à disposição dos trabalhadores para a melhoria das suas condições de trabalho e de vida e tendo em consideração os efeitos que podem resultar da paralisação da produção”, o seu “exercício enquanto via excepcional de resolução dos conflitos laborais deve traduzir-se no último recurso e verificar-se depois de esgotadas todas as possibilidades de acordo”.

Portanto, a greve não deve ser regra, mas sim excepção, e, antes dela ser desencadeada, deve haver todo um percurso de negociação com a entidade patronal. Ou seja, as partes devem procurar a composição de interesses, com vista até mesmo a salvaguardar a paz social e a estabilidade laboral.


E é importante que isso aconteça porque, sem produção o empregador fica sem receitas para poder honrar os seus compromissos salariais.


Mas há quem pense que, mesmo fazendo greve, o empregador deve continuar a pagar normalmente os salários. Nada mais errado!


A lei é clara. O ponto 1 do artigo 21º, que tem por epígrafe “Suspensão da relação jurídico-laboral”, dispõe que “A greve suspende, durante o tempo em que se mantiver, a relação jurídico-laboral, nomeadamente no que se refere à percepção (entenda-se pagamento) do salário e ao dever de obediência (do trabalhador cumprir ordens), mantendo-se, contudo, os deveres de lealdade e respeito mútuos”, estes últimos indispensáveis à prossecução normal, finda a greve, daquela relação.


O preâmbulo da Lei 23/91, de 15 de Junho, sublinha por outro lado que “a consolidação do Estado Democrático de Direito postula a regulamentação do exercício do direito à greve por forma a evitar que ele seja utilizado ilicitamente, pondo em perigo as conquistas democráticas dos trabalhadores e de todos os cidadãos”.


Por outras palavras, a lei alerta para a possibilidade do mau uso do direito à greve, que pode, em virtude disso, prejudicar os próprios trabalhadores, que, não detendo os meios de produção, podem ser empurrados a adoptar posições extremas que prejudiquem os seus interesses e inviabilizar que o empregador esteja em condições de dar prosseguimento à sua actividade empresarial.


Em tempos de crise, é avisado ter também tacto e senso político para ter “visão de periscópio”, o que parece estar manifestamente a faltar a algumas correntes do nosso movimento sindical, sem que esta afirmação signifique retirar legitimidade a um bom leque de reivindicações que têm sido feitas.


Quanto às manifestações, não pode, quem destrua bens públicos ou privados, esperar que nada lhe aconteça. Isso é vandalismo que não pode ser confundido, de modo algum, com a liberdade de expressão que é exercida por via de manifestações. Liberdade de expressão que deve ser autêntica, que deve ser genuína, porque isso de sair de Luanda para ir promover manifestações no Uíge, no Zaire, nas Lundas, a coberto do argumento de “exercício de cidadania”, é um verdadeiro embuste. Para mim, o exercício de cidadania positiva é pegar nesse dinheiro, que é dado para ir “agitar as massas”, e empregar na compra de bens e equipamentos para oferecer a escolas e hospitais.